Um espaço dedicado à literatura negro-brasileira, às literaturas africanas de língua portuguesa e demais literaturas negro-diaspóricas
sábado, 31 de maio de 2008
Fernando Pessoa - Especial Globo News
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Simone Caputo Gomes, uma entrevista
Ricardo Riso
ENTREVISTA COM A PROFA. DOUTORA SIMONE CAPUTO GOMES, DE LITERATURAS AFRICANAS DA UNIVERSIDADE DE S. PAULO, PARA O PORTAL DA EMBAIXADA DE CABO VERDE NO BRASIL
em 24/05/2008
A erradicação do analfabetismo,que vem ocorrendo aceleradamente desde a independência, e a alfabetizaçãobilíngüe, facilitada pela instituição do ALUPEC, têm possibilitado aocidadão o acesso à leitura do mundo, como diria Paulo Freire.
Cabo Verde na África, hoje, éum dos países mais bem sucedidos e, no mundo, encarado como promessa dedesenvolvimento, especialmente no que toca ao setor turístico e à suaimportância para os estudos dos ventos.
E a natureza... a beleza de cadailha, as paisagens que não estou habituada a ver, as surpresas a cada viagemque faço: uma ilha com aspecto lunar e majestade do vulcão aqui (ilha doFogo), outra de praias branquíssimas, com longas faixas de areia solitárias,faróis bucólicos à beira de penhascos, extensões agrestes com um oásisverde, luxuriante, de vez em quando, casinhas isoladas em vastidõesmontanhosas, vento violentos que curvam as árvores, mas não conseguem dobraras pessoas.
A implantação de núcleos deestudos afro-brasileiros nas universidades está se tornando um hábito salutar.Neste sentido, a Universidade de S. Paulo (USP), onde trabalho, tem sido umapioneira, com o nosso CELP (Centro de Estudos de Literaturas e Culturas deLíngua Portuguesa) e o famoso Centro de Estudos Africanos.
A Resolução do CNE diz respeito à capacitação de professores pelas instituições de ensino superior, aotratamento temático e disciplinas relativas à Educação das Relações Étnico-Raciais e ao Ensino de História e Culturas Afro-Brasileira e Africanas, em todos os níveis e modalidades da Educação Brasileira.
A capacidade de criar novos mercados para produtos nacionais pode ainda ser um tipo de investimentorentável, por exemplo o Mercado dos Emigrantes e Descendentes Cabo-verdianos no Estrangeiro – cerca de 2 milhões. Assim, instituir políticas e programas para colocar produtos cabo-verdianos junto à comunidade crioula na diáspora não só serve para alavancar a economia nacional, mas também para o Estado aproximar e integrar a comunidade de emigrantes às raízes.
Esse desafio social eeconômico leva o emigrante a ter uma participação mais ativa na economianacional, não somente enviando divisas mas também consumindo os produtos fabricados nas ilhas.
terça-feira, 27 de maio de 2008
João Melo: críticas ácidas à sociedade angolana contemporânea em "The serial killer e outros contos risíveis ou talvez não"
João Melo nasceu em Luanda, em 1955, formou-se em Direito e Comunicação Social. É membro fundador da UEA - União dos Escritores Angolanos. Jornalista profissional e deputado na Assembléia Legislativa em Angola.
Representante da “geração das incertezas”, expressão alcunhada por Luis Kandjimbo, começou sua trajetória literária na poesia, nos anos 1980, tendo lançado sete livros: Definição (1985), Fabulema (1986), Poemas Angolanos (1989), Tanto Amor (1989), Canção do Nosso Tempo (1991), O Caçador de Nuvens (1993), Limites e Redundâncias (1997). Posteriormente, dedica-se ao conto, constando quatro publicações no seu currículo: Imitação de Sartre e Simone de Beauvoir (1998), The Serial Killer e outros contos risíveis ou talvez não (2000), Filhos da Pátria (2001), O dia em que o Pato Donaldo comeu pela primeira vez a Margarida (2006); e na área de ensaios, Jornalismo e política (1991).
O livro The Serial Killer e outros contos risíveis ou talvez não reúne dezessete contos, com temas diversificados acerca da atual sociedade angolana. João Melo, detentor de uma escrita corrosiva, utiliza um narrador implacável com os hábitos da nova burguesia angolana. Sua indignação é tão intensa que apela com freqüência para expressões vulgares e agressivas ao tecer comentários que vão da ironia ao sarcasmo, em situações geralmente inusitadas do cotidiano da cidade de Luanda, capital de Angola. Contudo, suas histórias não se restringem a Luanda, expandem-se pelo interior do país e em outros continentes.
Deve-se salientar o sopro de renovação proporcionado pelos contos de The Serial Killer... no corpo da prosa literária angolana, muitas vezes preso a temáticas exaustivamente trabalhadas (e muito bem trabalhadas) por nomes consagrados como Luandino Vieira, Arnaldo Santos entre outros. João Melo fornece-nos um panorama caótico do país, de uma sociedade entregue aos perigosos caminhos das regras neoliberais do mundo globalizado, e as mazelas dessa situação na cidade de Luanda o narrador não teme em descrever:
Mais um dia em Luanda. O lixo deitado ontem à tarde pelos chamados pacatos cidadãos amanheceu incólume. As putas tiveram uma jornada infrutífera e já foram dormir há algumas horas, com vontade de se matarem ou de se casarem com um gringo. Os farristas voltam para casa, alguns deles por simples inércia, outros por autêntico milagre. Os ladrões, pelo menos os, digamos assim, artesanais, acabaram de proceder à avaliação do pecúlio arrecadado em mais uma noite de labuta e preparam-se para o merecido repouso. Os doutores e os ministros, ocupadíssimos como sempre, ainda dormem o sono dos justos, pelo menos por enquanto. As mulheres começam a ocupar os seus postos: as bancas dos mercados, as esquinas, as ruas, praças e avenidas da cidade, vendendo seus produtos, dos tradicionais aos globalizados. É por isso, com certeza, que alguns dizem que Luanda agora não passa de um grande bazar. O que resta da tradicional pequena burguesia luandense deve roer as unhas de raiva com isso, mas que tenho eu a ver com ela? (p. 61-62)
Angola sofreu várias mudanças no decorrer do século XX aos dias atuais. Da guerra colonial, iniciada nos anos 1960, à independência em 1975, passando pelos anos de socialismo e a posterior guerra fratricida que durou até o ano de 2002, e agora a entrada no mundo capitalista globalizado. Em seus contos, João Melo não deixa de mencionar os rumos do processo histórico angolano com ironia:
O nosso querido país, como se sabe, tem uma historia muito rica e diversificada, eu diria mesmo – embora correndo o risco de ser considerado mais um ufanista – sui generis. O nosso assim chamado processo histórico já passou por tantas fases, etapas, contextos e conjecturas, que a maioria, pelo menos até agora, tem tentado tudo para entendê-lo, mas apenas tem desconseguido, ou não fosse esse saboroso verbo uma criação tipicamente angolana. Os computadores da CIA, por exemplo, já tiveram de ser investigados várias vezes, pois, ao contrário das suas previsões rigorosamente binárias, os angolanos conseguiram chegar vivos ao século XXI. (p. 37)
A historiografia é uma constante em The Serial Killer..., João Melo rememora passagens da recente pátria angolana para entremear seus personagens na criação dos seus contos, como em “O Esquadrão Marreco”, que retrata o “Período dos Búlgaros e do Peixe Frito” (p. 37), época de escassez e racionamento na economia do país nos anos 1980 devido à guerra fratricida, causando grandes transtornos à vida da população:
posso dizer que a designação de tal período resultava do facto de se viver, então, uma época de profunda escassez alimentar, mas de alguma abundância em termos de fornecimento de cerveja, de tal maneira que, em todos os restaurantes da cidade, quando se pedisse alguma coisa para comer, o garçom trazia invariavelmente um prato de arroz com peixe frito e uma bandeja de finos servidos em búlgaros (frascos de compota provenientes da Bulgária e que, uma vez esvaziados do seu conteúdo original funcionavam como copos). É nesse tempo que se situa a estória do Esquadrão Marreco. (p. 38)
Os descaminhos da revolução e o afastamento dos dirigentes políticos dos ideais da independência são denunciados em diversos contos de Melo. A corrupção, o tráfico de influências, o carreirismo e o conseqüente enriquecimento ilícito são alguns dos temas abordados na ficção a respeito da nova burguesia angolana e tratados ironicamente pelo narrador em “Uma estória canina” e “O rabo do chefe”:
Tinha sido nomeado, há menos de um ano, administrador de uma subsidiária da companhia estatal de petróleo, o que o catapultou, definitivamente, para o reduzido e fechado círculo que comanda os destinos do país, com toda a justiça, aliás; (...)
Detalhe: aparentemente, e falando curto e grosso (vocês já me conhecem, não é?), ele não tinha grande breine para ser administrador de porra nenhuma, quanto mais dessa empresa em que o colocaram, mas um extraordinário acaso tornou possível o que ainda hoje muitos consideram inacreditável. O facto é que, um dia qualquer, (...) reencontrou um amigo de infância que não via praticamente desde a independência e que, segundo ele sabia, se tinha tornado uma das pessoas mais influentes do país. (p. 22-23)
O Doutor Chico, em vez de dirigir convenientemente a ELMA, U.E.E., como rezam os manuais de gestão da coisa pública (pelo menos desde que o capitalismo, nos principais centros, se civilizou), utilizou o seu cargo de director-geral, desde o primeiro dia, para resolver os inúmeros problemas pessoais, ou seja, para se safar, como costuma afirmar o já várias vezes mencionado povo em geral. É por isso que, a partir de uma dada altura, quando a roubalheira passou a ser feita às escâncaras, isto é, quando a gestão se transformou, digamos assim, em simples “mamação”, os trabalhadores o apelidaram de “Chico Mamão” (o que, obviamente, não tem nada a ver com a fruta homônima).
(...) De igual modo não apontarei o meu dedo acusatório aos variados indícios do seu espantoso, gradual e consistente enriquecimento nos últimos dez anos. (p. 34-35)
Isto se dá por causa da grande produção de petróleo em território angolano explorado por empresas estrangeiras, que encontraram uma elite submissa pronta a se submeter às vontades do capital internacional em troca de vantagens pessoais, desconsiderando o que é importante para a nação e até a soberania da mesma. Um problema comum não só aos países africanos, mas estende-se aos países latino-americanos.
Um dado importante é a maneira como o narrador trata o passado comunista de Angola, seus ícones, vocabulário e ideais revolucionários. São tratados com ironia e muitas vezes sarcasmo, em situações que seriam inadmissíveis nos primeiros anos da revolução. Assim, as táticas de guerrilha de Mao Tsé-Tung são adaptadas em um manual para que os homens se aproximem de mulheres, em “O livro da deambulação”:
Estas duas etapas – a abordagem e o papo – pertencem ainda à fase do cerco. Se correrem bem, passa-se então à fase do aniquilamento, como diria o mais-velho Mao Tsé-Tung (quem diria que o velhote, além de um teórico da luta de guerrilhas, também gostava de outros tipos de combates, hein?!) (p. 48)
ou o desprezo com o passado revolucionário e o encantamento com a competitividade capitalista, no conto “O celular”: “Depois da independência, dei uma de revolucionária (eu estava mesmo maluca!...) e ingressei nas FAPLA, mas felizmente consegui sair... Agora sou uma mulher de negócios!” (p. 16).
Conseqüência da época vivenciada por nós, dominada pela economia neoliberal e pela globalização, os contos de João Melo acusam o mal-estar emitido pelo consumismo desmedido da sociedade contemporânea sob as garras do capital. Em Angola não poderia ser diferente, o exibicionismo que beira o ridículo da nova burguesia é duramente criticado pelo narrador:
Um rico que se preze, seja ele velho ou novo, tem que ter três coisas, pelo menos (além de muito cumbu, claro): cão, guarda pessoal e uma amante. Guarda e amante ele tinha, mas cão, não. Recusava-se terminantemente a ter bichos de qualquer espécie, na casa oficial (era assim que ele designava a casa onde morava com a chamada esposa e mais três filhos) ou até mesmo no apartamento que recentemente arranjara para a amante. (p. 21)
A efemeridade e a inevitável mediocridade das celebridades atuais aparece no conto “Caricatura do escritor enquanto jovem”. Aqui, um jovem escritor de talento para lá de duvidoso e extremamente polêmico, Pedrito Manungola, alcança espaço na mídia mais pelas declarações bombásticas do que pelo talento literário, procurando derrubar cânones da literatura angolana:
O consagrado poeta Manungola, na verdade, nem sequer tinha 30 anos de idade, mas já era consagrado porque uma vez, num recital de poesia na União dos Escritores Angolanos, começou a gritar que o maior poeta angolano não era Agostinho Neto, como a propaganda oficial do regime tentava impingir a todos os angolanos e até à própria comunidade internacional. O maior poeta angolano de todos os tempos, contando (ou descontando?), inclusive, os mortos, era ele, Manungola, (...) ao contrário do que Agostinho Neto e sua camarilha (desde que ouvira um comissário provincial apresentar com essa fórmula o poeta-presidente e os ministros que o acompanhavam, durante um comício popular, Manungola nunca mais deixara de utilizá-la, apenas lamentando não ter sido ele a cria-la) (...) (p. 49-50)
Em uma sociedade que preza o espetáculo, “artistas”, com comportamento deplorável, atingem seus exíguos momentos de fama proferindo declarações inescrupulosas, infundadas e sem o mínimo de ética. O personagem Manungola com sua metralhadora giratória em um denuncismo incontrolável, ataca a suposta política que comanda a literatura angolana em um programa de televisão:
Manungola deu um verdadeiro show, demonstrando as suas fabulosas qualidades histriónicas. Começou por dizer que a poesia política é uma merda. Que a questão do conteúdo da literatura é um resquício do centralismo democrático. Que Jdánov era filho de alguém que, lamentavelmente, ele não poderia mencionar, por estar na televisão. Que os escritores mais antigos estavam tão obcecados pelo colonialismo – coisa com que a geração dele, Manungola, não estava muito inquieta – que não reparavam nos erros cometidos após a independência pelos ditos revolucionários. Que, mais do que discursivos, eram prolixos e cantalutistas (...). Que existe uma conspiração dos mais velhos, que tudo fazem para impedir o surgimento de novos valores literários no país. Que os piores são os luso-descendentes, os quais, além de receberem todos os prémios literários do país, ainda implicam com os jovens escritores, pois estes, alegadamente, não dominam a língua portuguesa. (p. 50-51)
Entretanto, nem só de críticas negativas são feitos os contos de The serial killer... Há espaço para o humor e o fascínio que a cidade de Luanda pode causar a um estrangeiro, como narrado no hilariante “O engenheiro nórdico”. Trata-se da história de um estrangeiro que é transferido para trabalhar em Angola, só que antes estuda os hábitos do país, assiste a palestras e conhece a literatura local. Quando chega a Luanda decidi ir ao célebre mercado Roque Santeiro, para experimentar uma comida tradicional, o cabrité: “Coincidência ou não, apanhou uma tremenda amebíase, que o deixou prostrado durante uma semana, a cagar feito um condenado à morte” (p. 28).
O caso virou uma grande maka (confusão) nacional a respeito das péssimas condições de higiene do mercado, envolvendo governo e oposição, e o narrador, sempre com ironia, mostra a desestabilidade política do país. A oposição se pronunciava:
Para a oposição, por exemplo, tinha ficado clara, mais uma vez, não apenas a falta de capacidade, mas sobretudo a profunda insensibilidade do governo perante os problemas do povo, pois há muito tempo que os cabriteiros do Roque Santeiro, e não só, reclamavam em vão por melhores condições de trabalho, a fim de poderem mitigar a fome do povo e até mesmo, se não a fome propriamente dita, pelo menos o apetite dos estrangeiros, no mínimo daqueles que, dando mostras do seu multiculturalismo exemplar, faziam questão de experimentar os quitutes nacionais, recusando-se, portanto, a viver apenas de importados e enlatados. (p. 28)
Tais declarações fizeram com que o ministro do Interior fosse à televisão, em rede nacional, e rebatesse com veemência as críticas sofridas:
qualificar de savimbistas todos aqueles que se atrevessem a pôr em xeque o empenho do governo em melhorar as condições higiénicas da cidade e, principalmente, em bem receber aqueles que, de boa-fé, vinham contribuir com o seu esforço para a reconstrução e desenvolvimento do país. No tempo em que estes factos inventados, ser savimbistas era pior do que ser filho da puta. (p. 29)
A imposição da religião católica imposta pelos séculos de colonialismo é tratada no conto “O baptizado”. Neste, o personagem Godofredo tem trinta e dois filhos em um relacionamento poligâmico com suas “três mulheres, uma preta, uma mulata cafusa e uma albina” (p. 80). Nenhum deles havia passado pelo batismo cristão, o que escandalizou o novo padre recém chegado ao vilarejo interiorano, que “resolveu imediatamente desencadear uma cruzada contra o herege” (p. 77).
A conturbada relação de Portugal e dos portugueses com sua ex-colônia é sentida até os dias atuais e em dois contos, “Vêm aí as portuguesas” e “A herança”, apreendemos os preconceitos e mitos que acercam o imaginário luso quando se trata de Angola. No primeiro, o problema é sobre as mulheres angolanas que seduzem e enfeitiçam os homens brancos portugueses:
A RTP Internacional, vulgo RTPi, interrompeu a sua programação normal, para transmitir em directo a manifestação de um grupo de mulheres no Terreiro do Paço, em Lisboa, que exigia do governo português apoio para a sua deslocação a Angola, a fim de resgatarem os respectivos maridos das garras pecaminosas daquelas negras e mulatas que os haviam seduzidos com pozinhos e mandingas ainda desconhecidos pela ciência (...) (p. 97)
No segundo conto, a hipocrisia tenta encobertar o preconceito racial latente na carta enviada pela família e lida por um português, morador de Luanda, casado com uma negra, que comenta, com raiva e revolta, o relato dos seus parentes e a idéia em Portugal de atraso tecnológico do continente africano. Como se o país luso não fosse responsável por impedir o desenvolvimento angolano durante a colonização:
Esperamos sinceramente que esta missiva o vá encontrar de boa saúde, em companhia dos seus, em especial a D. Paciência, sua esposa, e os seus quatro filhos. (...) A propósito, nunca mais tivemos notícias de nossos amados sobrinhos. Como vão eles? (...)
“Olha-me os cínicos! Olha-me os hipócritas! Os gajos nunca quiseram saber da minha família, em particular dos meus filhos – ‘Então, você também resolveu fazer mulatos?’, perguntaram-me eles na cara, na primeira e única vez que levei a Paciência e os garotos a Portugal, para conhecerem a sua família portuguesa (...)” (p. 105)
Olhe, já agora, pode tirar-nos uma dúvida, pois aqui em casa ninguém sabe a resposta? Há dias, perguntámos igualmente ao compadre Mota, que já esteve em África, mas ele também não sabe... Vocês aí em Angola têm televisão?
“O quê?! Ora, ora... Então esses tipos, apenas porque o governo lhes pôs lá na terrinha uma caixinha de fabricar doidos, agora estão armados de finórios?... Se eu tivesse mais paciência, dir-lhes-ia o que é a televisão... Mas, infelizmente, jamais os aturei. (...)” (p. 107)
João Melo em sua literatura procura enfatizar o multiculturalismo angolano. A diversidade étnica é valorizada em seus textos como forma de integração do país em negros, brancos e mestiços. Todavia, o preconceito racial na sociedade contemporânea está presente e é denunciado pelo narrador em praticamente todos os contos. A personagem Chiquinha Setenta, por exemplo, ao anunciar o roubo de seu celular, acusa um albino: “Chiquinha Setenta fez tenção de se atirar contra o albino, que olhava para ela com nítido terror, talvez pensando nas enormes provações por que tem passado (e, não se iludam, continuará a passar) a sua raça” (p. 18). A conduta dela é recriminada pelo policial que tenta desvendar o assalto: “E porquê que escolheu logo um albino? Isso é descriminação!” (p. 19).
O preconceito em relação aos mestiços é abordado no conto “O mulaticida”. Neste, a posição radical de um negro, “o tema da raça sempre foi uma obsessão para ele” (p.113), contra os “mulatos” beira o hilário, com afirmações estapafúrdias de enriquecimento e favorecimento político:
(...) posso dizer-lhes que ele é daqueles que ainda acredita, hoje, quase trinta anos volvidos após a independência, que o poder em Angola é controlado pelos mulatos. Eu acho isso bizarro, pois basta ver as fotos dos membros do governo para verificar que esse tempo já passou. De igual modo, ele ainda não ultrapassou outra ficção, segundo a qual os mulatos são os mais ricos do país. (p. 113)
O exílio voluntário de um angolano é narrado no conto “O exilado”. Ngolo Valentim é um músico que fixa residência em Estocolmo, capital sueca, e após vários subempregos consegue se firma como músico de jazz. A onomástica presencia-se, Ngolo refere-se ao famoso grupo do período colonial angolano Ngola Ritmos, enquanto Valentim menciona a valentia do jovem que saiu do seu país e se aventurou no exterior. Ngolo Valentim assimila-se ao padrão de vida sueco e é grato pela nova vida:
Na verdade, naquela “cidade verde junto à água”, com mais de sete séculos de história e tão longe do Andulo, no coração perdido de Angola, ocorreu o seu segundo nascimento. Ele seria eternamente grato aos “deuses brancos” que o acolheram e lhe deram uma espécie de segunda existência. (p. 84)
Sobre o conto “The Serial Killer” várias leituras podem ser feitas, dentre as quais a da metáfora dos dirigentes políticos que arrasam o país, escondendo-se na despersonalização, a capacidade de metamorfosear-se de acordo com as mudanças políticas em detrimento dos interesses da população. Situação típica dos países periféricos e grande mal que reprime o desenvolvimento dessas nações:
– O seu nome?
– Qual deles?
– Bem, como é que você se apresenta?
– Depende...
– Depende?
– Sim, depende. Não sabe o que é depender? É...
– Sei, sei. Mas depende de quê?
– Ora, não imagina? Do contexto, das minhas conveniências... (p. 11)
Depreendemos nos contos de The Serial Killer e outros contos risíveis ou talvez não a preocupação de João Melo em dissecar as entranhas da sociedade angolana contemporânea, as incoerências e distorções de uma época dominada pela superficialidade e competitividade das relações, da ganância e ausência de escrúpulos da classe política. Atento aos incontáveis problemas que se passam durante a construção de Angola, João Melo faz da sua literatura instrumento para denunciar os absurdos da situação vigente. Aliás, a melhor maneira de se fazer literatura na contemporaneidade.
BIBLIOGRAFIA:
MELO, João. The Serial Killer e outros contos risíveis ou talvez não. Lisboa: Caminho, 2004.
domingo, 25 de maio de 2008
Roberto Freire: 1927-2008
sábado, 24 de maio de 2008
O segredo das tranças e outras histórias africanas
Autor: Rogério Andrade Barbosa
Ilutrador: Thaís Linhares
Editora Scipione
Formato: 16x22
Faixa etária: a partir de 12 anos
Segmento: Literatura Juvenil
ISBN: 978-85-262-67855
Resenha
Os contos reunidos neste livro vêm de cinco países de língua portuguesa, situados em distantes pontos da África: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
O segredo das tranças (Angola): Narra a história de uma jovem viúva que se casa com um homem bem mais velho, cheio de mistérios. Ele usava quatro tranças, cada uma com um nome diferente e sigiloso.
Maria Condão (Cabo Verde): Um pescador da ilha de Santo Antão ganha de uma lendária sereia um presente que mudará sua vida.
O menino e a cegonha (Guiné Bissau): Uma mãe abandona seu filho na floresta e uma cegonha adota o menino como se fosse seu filhote.
A herança maldita (Moçambique): Um emigrante desiludido deixa a África do Sul, onde havia ido trabalhar nas minhas de carvão, e retorna à sua aldeia natal, depois de anos de afastamento de sua família.
A tartaruga e o gigante (São Tomé e Príncipe): Um gigante vivia em harmonia com sua comadre tartaruga, até ela arranjou um jeito de enganar seu voraz companheiro.
Autor(a)
Rogério Andrade Barbosa é escritor e professor, graduado em Letras e pós graduado em Literatura Infantil Brasileira. Tem vários livros publicados na área de literatura afro-brasileira e trabalha em programas de incentivo à leitura. Recebeu o Prêmio da Academia Brasileira de Letras (Categoria Infantil) 2005.
http://www.scipione.com.br/mostra_livro_paradidatico.asp?id_livro=1345&nivel=&bt=2
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Ondjaki - novo livro + entrevista
por Luís Ricardo Duarte - 21 Mai 2008
http://clix.visao.pt/EdicoesJL/Pages/Infanciarevisitada.aspx
Não é daqueles que olha para o passado com saudosismo ou com a mágoa de um tempo irremediavelmente perdido. Interessa-lhe, antes, a celebração de uma época que as memórias vão refazendo. Para Ondjaki «regressar à infância é também estar com uma gente que não existe, incluindo nós mesmos». O seu novo romance, AvóDezanove e o Segredo do Soviético, volta a esse universo «bonito» e «mágico» que já tinha surpreendido os leitores em Bom Dia Camaradas, Momentos de Aqui ou Os da Minha Rua. Na mesma PraiaDoBispo em que brincou na infância, um mistério vai sendo descoberto e ao mesmo tempo urdido pelas crianças do bairro. E entre evocações e aventuras, o escritor desfia uma extraordinária galeria de personagens, como AvóDezanove, AvóCatarina, VendedorDeGasolina, EspumaDoMar, CamaradaBotardov, VelhoPescador, SenhorTuares, RafaelTruzTruz ou os amigos do narrador, 3,14 e Charlita.
Nascido em 1977, Ondjaki é hoje um dos principais nomes da Literatura Angolana. O seu primeiro livro é de 2000 e, desde então, tem vindo a publicar a um ritmo regular, tanto romance, como poesia, contos e teatro. A par do lançamento de AvóDezanove e o Segredo do Soviético (ver caixa), a Caminho vai reeditar quatro obras suas, um sinal do seu sucesso junto dos leitores, também confirmado pelas inúmeras traduções que o levam a vários pontos do mundo: Espanha, Itália, Uruguai, Suíça, Inglaterra, Canadá, México e futuramente à China (Macau). «São dados a ter em conta, sobretudo para alertar e progredir», dirá Ondjaki nesta entrevista. Mas também «armadilhas para o ego. Cabe ao escritor estar atento e voltar a descobrir sempre o seu caminho». E só o conduz um objectivo: «Ir sonhando e escrevendo enquanto fizer sentido.»
Jornal de Letras: AvóDezanove e o Segredo do Soviético é povoado de memórias de infância, como Bom Dia Camaradas ou Os da minha rua. Esse é o seu território literário de eleição?
Ondjaki: Não necessariamente... Trata-se de mundos semelhantes, os desses três livros, com espaços reais e literários que se complementam. Como ainda virão livros que vão complementar o Quantas Madrugadas Tem a Noite. Mas a infância tem sido uma forte fonte de inspiração.
Como foi a sua infância?
Devo começar por dizer que foi bonita. E que foi vivida e alimentada sempre por muitas pessoas: os da minha rua, os da minha casa, também a casa da Avó e da Tia Rosa. E muitos deles povoam agora os meus livros com uma ternura que eu quero ver transformada em literatura. E essa infância de «todos nós», aconteceu em Luanda, nos anos 80. Diferente, portanto, do que terá sido a infância de outras crianças no Huambo, Kuíto ou Luena.
Qual a memória mais antiga que guarda?
Não saberia especificar... Deve ter a ver com a minha casa, os meus pais, obviamente, as brincadeiras no mar, mas tudo isso já deriva das chamadas «memórias inventadas» que se vão refazendo com as fotos que vemos e as estórias que ouvimos. A memória é, em si, uma armadilha constante, criativa, bela e traiçoeira. O futuro é também esse processo de sabermos lidar com o presente inventando o passado que se escolhe querer lembrar.
A PraiaDoBispo, cenário deste romance, está presente em muitas dessas recordações?
Era o bairro onde vivia a minha Avó Agnette (conhecida literariamente por AvóDezanove), essa que surge em tantos contos, em tantas estórias, e que está presente mesmo quando não surge explicitamente. Também brinquei muito nesse bairro, passei lá muitas tardes, alguns fins-de-semana, algumas férias. Era outro dos «meus» bairros. E era, sim, um bairro cheio de personagens, como o maluco, os soviéticos, a DonaLibânia, o senhor Tuarles, a própria poeira...
A escrita nasceu da vontade de recordar essa infância, de reencontrar o tempo perdido?
Penso que a escrita tem de ser sobretudo literária. Contar estórias, transmitir sonhos, exercer algumas necessidades artísticas e estéticas. Se a vida real serve para alimentar a literatura, pois muito bem, esse é um dos caminhos. Não quero reencontrar o tempo perdido, apenas quero celebrá-lo, intimamente, ou através do que vai virando literatura. Regressar à infância é também estar com uma gente que não existe, incluindo nós mesmos.
À laia de arte poética, afirma, numa carta que dirige a Ana Paula Tavares, publicada no final do livro, que convoca «memórias distorcidas para inventar estórias»…
É quase isso, se a lucidez me permite essa análise... E se a análise está correcta. Inventar estórias é o que todos escritores fazem. Até os historiadores e sobretudo os políticos. Parece uma necessidade da condição humana. Tem a ver com um desejo poético de inscrever no tempo, tempos que não tinham sido falados com palavras de dizer ou de escrever. Além de as convocar, gosto de ser assaltado por memórias. Mantêm-me desperto, atento e trazem-me ao quotidiano uma certa magia.
Também há uma personagem do romance que diz: «O futuro está cheio de coisas difíceis a acontecerem de modo cada vez diferente. Gosto mais de adivinhar o passado». Esta fala poderia ser sua?
Não, esta fala é mesmo da AvóCatarina. É uma brincadeira poética também... É a minha imaginação julgando que pode saber o que a AvóCatarina terá dito em certas circunstâncias. E, finalmente, é talvez a imagem que retive da sabedoria da AvóCatarina, com quem na realidade passei pouco tempo. Muito do que sei dela já foi sendo inventado em criança ou em adulto. Julgo assim, quando escrevo e a cito, que ela me está a dizer coisas. Gosto dessa sensação de a ouvir para escrever.
O futuro de Angola
Escrever sobre o passado não é também escrever sobre o presente? Podemos ver em AvóDezanove e o Segredo do Soviético uma metáfora sobre a actualidade angolana?
Não quis que fosse, nem quero que seja essa metáfora. Mas cada um é livre de ler o livro do modo que o quiser receber... Mas o passado sempre prediz o futuro, e o presente é bem testemunha disso. O que quis foi contar uma estória «com» crianças. Não necessariamente «para» crianças. Continuo fascinado pelo modo inocente, cruel e sincero com que as crianças lidam com a vida. Todas as vidas: a privada, a social, a real e a imaginária. Esse potencial de efabulação do real, o tempo rouba-nos a cada minuto que passa. Gosto de escutar as crianças, mesmo aquelas que imagino.
Como vê Angola hoje em dia?
Vejo como um país do qual não se pode falar sem o inserir num contexto histórico e social que é muito antigo. Por isso causam-me arrepios algumas análises precipitadas, superficiais e, às vezes, mal intencionadas que se fazem sobre Angola. Não existem fórmulas simples para explicar um país ou um continente. E África muitas vezes é vítima dessa simplificação. Cabe a todos mudarmos isso aos poucos. Angola sai de um período (para só falar do que é mais recente) muito conturbado e todas as adaptações serão difíceis e levarão tempo. A pressão social e cívica é cada vez mais forte e isso só pode ser bom. Mas há um caminho a ser percorrido. Há muita coisa a ser corrigida, aperfeiçoada, alterada, mas é sem dúvida um país com um potencial humano muito forte. Teremos que privilegiar obviamente os sectores da Educação e da Saúde, para vermos o país crescer de modo correcto. Mas há toda uma nova geração com vontade de trabalhar e altas expectativas em relação ao futuro. Há dias perguntaram-me se eu fazia parte de uma geração desencantada. Pelo contrário, acho que somos uma geração capaz, empenhada e sonhadora.
Agostinho Neto, para quem se constrói o mausoléu que existe hoje em Luanda, acaba por ser uma das personagens do seu livro, embora sempre ausente. Como acompanhou a polémica em torno da sua poesia, desencadeada por uma entrevista de José Eduardo Agualusa?
Acompanhei com naturalidade, discordo da opinião do Agualusa no que toca à poesia de Agostinho Neto. E eu aqui refiro-me mesmo ao poeta. Pessoalmente, nunca apelidaria a poesia de Neto de medíocre. Mas o Agualusa tem a sua opinião, como cada um terá a sua. Agora, é evidentemente delicado dizer-se certas coisas sobre personalidades de carisma nacional tão elevado. Eu li a poesia de Neto ainda em miúdo e depois já em adulto, em ambas ocasiões fiquei emocionado e reconheço nela uma carga poética muito forte, que tanto descreve quanto emociona. Foi um homem ocupado, viajado, sofrido, não pode ser visto unicamente como poeta. E em Angola ele não é visto apenas como um poeta, daí talvez a polémica. Mas gostaria de esclarecer que o camarada Agostinho Neto não entra como personagem no meu livro, apenas se encontram referências ao Mausoléu.
Interessa-lhe uma literatura politicamente empenhada?
Interessa-me uma literatura literariamente empenhada. A que parte do sonho, dos conteúdos literários que o escritor escolhe e nos quais crê. Isso, de um modo bem feito, há-de ser político, no sentido que a arte é quase sempre interventiva. Mas o ponto de partida do artista deve ser o que ele escolher. E o de chegada também. As minhas motivações usualmente são literárias.
Na última entrevista ao JL disse que escrevia «num formato imbuído de energias positivas». Em que sentido?
É talvez uma questão pessoal, mas que eu gostaria que fosse geracional. Quero reagir positivamente a todas as dificuldades, a todos os desafios. É uma das coisas que persigo na cultura angolana, a força cultural positiva, o riso como opção primeira às dificuldades. E a acção social que permita e que traga mudanças. Mas há coisas que não se explicam. Com a excepção de alguma poesia, normalmente os meus livros aparecem-me imbuídos dessas energias positivas. Ainda bem. Nem sempre é isso que vai cá dentro.
A reinvenção da escrita
Ou seja, contagiar o leitor positivamente, mesmo quando o assunto é duro, negativo?
Talvez, mais do que o leitor, contagiar o mundo a ser mais positivo. Perseguir as coisas boas, as simples. Apontar para os outros, para as sociedades que precisam do nosso labor tanto criativo quanto político ou social.
É isso que explica uma certa reinvenção da escrita e da oralidade?
Não. Isso é percurso, necessidade, vontade. Tento adequar o que quero dizer ao formato que melhor me serve. Assim a escrita flui de modo natural. A reinvenção da escrita é um percurso, um chamamento, não é um plano literário.
Mia Couto, na última edição das Correntes d’Escritas, falava na necessidade de moldar a escrita à realidade, como um lençol que se ajusta ao corpo…
Sim, um ajuste que faça sentido para a escrita e para o sonhos de cada um. O diálogo é permanente entre a realidade e a escrita. A permeabilidade é real, a troca é recíproca. É só estar perto, captar ou inventar que se captou, vai dar a lugares parecidos.
A paisagem africana – com as suas cores, cheiros, idiossincrasias – exige uma semântica diferente?
Penso que não. Há cores e cheiros em todos os continentes, e mesmo África é um continente cheio de lugares diversos entre si. A semântica e os outros aspectos da escrita devem ter a ver com o modo de cada um sonhar o que depois quer escrever.
É possível falar numa língua angolana, como defende uma personagem de AvóDezanove e o Segredo do Soviético?
Isso caberá a outros dizer... Talvez já, em alguns livros nossos, se reconheça imediatamente a sua proveniência. Mas o que seria a identidade da língua angolana? Só se for algo diversificado e englobante de tantas tendências. Angola não é só uma nação em Língua Portuguesa, como usualmente se pensa. Isso é coisa da cidade, e pensamento de caluanda [natural de Luanda]. Há outras línguas e linguagens que, felizmente, ainda existem. A identidade da língua angolana ganhará muito se não nos esquecermos de todas as culturas e todas as línguas que fazem parte da nação cultural angolana.
Vida de escritor
A sua obra tem oscilado entre a poesia, o conto, a novela e o romance. O que determina a opção por cada género? Responde a necessidades diferentes?
Sim, necessidades, momentos, projectos. São modos distintos de contar e de dizer. Também é preciso não esquecer, como diria Ruy Duarte de Carvalho, que o escritor é «um arquitecto do simbólico», um animal de buscas também instintivas. Uma jangada é feita de muitas madeiras e cordas...
E para onde ruma a sua jangada?
Nem sei ainda... Quando se tem como referência o instinto criativo e uma abertura estética bem arejada, o futuro é sempre uma porta aberta. Ou uma janela por abrir. Desejo um percurso honesto e tranquilo, com intensidade literária mas com responsabilidade também. Enfim, como na vida, nada será gratuito. Há muito trabalho pela frente.
Foi deliberado a sua estreia literária ter sido pela porta da Poesia, com Actu Sanguíneu, em 2000?
Não, foi apenas uma casualidade. Eu já havia escrito Momentos de Aqui, mas Actu Sanguíneu acabou por ser publicado primeiro, na sequência de uma menção honrosa. Continuo a escrever poesia, mas não a publico.
Porquê?
Por motivos que a vida determina, por ritmos que o destino inventa. Amanhã tudo poderá mudar.
Com AvóDezanove e o Segredo do Soviético, vão ser também reeditados quatro livros seus (Momentos de aqui, Há prendisajens com o xão, Quantas madrugadas tem a noite, E se amanhã o medo). Para um jovem autor, são dados impressionantes…
São dados a ter em conta, sobretudo para alertar e progredir. São armadilhas para o ego. Cabe ao escritor estar atento e voltar a descobrir sempre o seu caminho.
O que se pode esperar dos livros que vão complementar o Quantas Madrugadas Tem a Noite?
Eu espero conseguir escrevê-los. Já sonho com eles há alguns anos. Já existia essa relação com o Quantas Madrugadas... quando o escrevi. Em princípio faltam dois. Dialogam um pouco, dão visões do mesmo lugar: Luanda, a cidade que não consegue dormir. A cidade bonita com as suas cicatrizes. A cidade do caos e do futuro. A cidade da poesia e da ternura...
Considera-se um escritor profissional?
Não me quero considerar nada. Só ir sonhando e escrevendo enquanto fizer sentido. Também o tempo tem os seus ensinamentos e a sua sabedoria. Há que saber escutar.
Tem viajado muito. Como é essa vida de escritor?
Às vezes é cansativo. Mas faz parte da modernidade, da tal globalização. É bom para a divulgação dos livros e da língua, mas não sei se é tão importante essa divulgação... O que as viagens têm de muito bom é o aprendizado que delas se retira. Os outros mundos, as outras culturas, os outros olhares poéticos sobre as mesmas coisas. Viajar sem dúvida diminui os preconceitos acumulados. Isso costuma ser bom.
Viajar é importante para a sua escrita ou são ossos do ofício?
Para os meus processos internos de reflexão, sim, viajar é importante. Isso mais tarde afectará a escrita, não tenho dúvidas.
Equaciona a hipótese de situar um romance noutras latitudes?
Sim, se fizer sentido, se fizer parte das minhas necessidades literárias, não vejo mal nenhum. Já escrevi uma peça de teatro (Os vivos, o morto e o peixe-frito) que o Teatro Nacional D. Maria II teve a pressa de anunciar mas logo de seguida cometeu a indelicadeza de abandonar. Esse texto retrata precisamente a vida social e privada de alguns africanos em Lisboa. Fala dos dinamismos de convívio e do confronto de culturas. É até possível que esse projecto venha a aparecer em livro num futuro próximo.
Literatura sem fronteiras
Nos seus livros encontramos muitas epígrafes de autores brasileiros, como agora em AvóDezanove e o Segredo do Soviético, com Clarice Lispector. A Literatura Brasileira é uma referência para si?
No fundo, diria que sim. Embora as outras não deixem de ser. Acho que ainda ando muito mergulhado na fascinante temperatura da literatura latino americana. Clarice é para se ir lendo, Guimarães Rosa também. São pesadelos deliciosos que nunca terminaremos. Mas Dostoiévski, Thomas Mann ou Ruy Duarte de Carvalho também são gigantes...
Sente-se mais próximo literariamente do Brasil do que de Portugal?
Sinto-me mais próximo de uma literatura que me faça vibrar, sonhar, pensar, sofrer, reinventar, reflectir, crescer. Não acredito muito na nacionalidade das literaturas. Creio em boas estórias, em bons livros.
E qual a sua relação com a Literatura Africana de Expressão Portuguesa?
É muito saudável, sempre foi, desde criança. Cresci lendo Joaquim Dias Cordeiro da Mata, Agostinho Neto, António Jacinto, Luís B. Honwana, Manuel Rui, Luandino, Pepetela. Mais tarde, alguns deles tornaram-se amigos, companheiros de viagem e de escrita. Tenho um carinho muito profundo pela nossa língua. Adoro essa frase do Mia Couto, «a minha pátria é a minha língua portuguesa». A língua portuguesa plural fica sempre mais bonita, parece um sonho esculpido com os modos e as cores do arco-íris. Deve ser uma língua feliz, a tal de Língua Portuguesa...
Mostra muitas reservas em relação ao Acordo Ortográfico e à própria ideia de CPLP. Porquê?
Apenas porque acho que deveríamos estar mais informados e que o tema deveria ser mais discutido. Sobretudo por instâncias próprias. No fundo, sou a favor de um acordo ortográfico que fizesse sentido, e que servisse a todos, não apenas a políticos e livreiros. A questão da CPLP é que acho que ninguém sabe muito bem qual é o seu intuito e sobretudo a sua função concreta. Vamos ser uma Comunidade de Língua Portuguesa (termo que prefiro à tal de «lusofonia»)? Então que o sejamos a sério, não apenas para encontros de hotel e abolição de vistos em passaportes diplomáticos. Vamos falar de circulação cultural, de línguas vivas, de gente humana que se quer conhecer e celebrar.
Realizou um documentário sobre Luanda e trabalhou no último filme de Tabajara Ruas. O que o atrai no cinema?
Atrai-me a linguagem, a possibilidade de contar estórias noutros formatos, de aliar à imagem a força da música. Não tenho muito mais tempo, mas hei-de voltar ao cinema. É um mundo difícil, árduo mas atraentemente mágico. E já ando com saudades do teatro também... Mas a vida é mais larga que comprida, como diria um amigo meu.
A Arte é a melhor forma de a percorrer?
É só uma das formas de atravessar a vida. Mas é uma expressão muito potente da nossa condição humana. Reflecte os nossos anseios e os nossos sonhos. Permite fixar em imagem, texto, música, etc., o que de subjectivo nos passa pela mente, o modo de sermos o mundo que vamos sendo ou inventando. Sem falar das potencialidades psicológicas e políticas da arte. A vida está espalhada por aí, a arte em geral faz lembrar uma bússola robusta e ao mesmo tempo delicada, que nos vai guiando pela escuridão brilhante. Ou, como diria o maluco EspumaDoMar, «o céu está cheio de brilhos apagados à espera que a gente humana sopre uma pontinha de luz». Os loucos são muito sabedores. Também as crianças. Também os mais-velhos.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Mia Couto homenageia Jorge Amado
Leia a íntegra da palestra do moçambicano Mia Couto em homenagem a Jorge Amado, lida em São Paulo no dia 25 de março
...e fazer do nosso sonho uma casa
Mia Couto
Eu venho de muito longe e trago aquilo que eu acredito ser uma mensagem partilhada pelos meus colegas escritores de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. A mensagem é a seguinte: Jorge Amado foi o escritor que maior influência teve na gênese da literatura dos países africanos que falam português.
A nossa dívida literária com o Brasil começa há séculos, quando Gregório de Mattos e Tomaz Gonzaga ajudaram a criar os primeiros núcleos literários em Angola e Moçambique. Mas esses níveis de influência foram restritos e não se podem comparar com as marcas profundas e duradouras deixadas pelo baiano.Deve ser dito (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projeção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuizar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura.
Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia. Para Alberto Costa e Silva vai o nosso agradecimento pelo empenho sério no estudo da realidade histórica do nosso continente.
Nas décadas de 50, 60 e 70, os livros de Jorge cruzaram o Atlântico e causaram um impacto extraordinário no nosso imaginário coletivo. É preciso dizer que o escritor baiano não viajava sozinho: com ele chegavam Manuel Bandeira, Lins do Rego, Jorge de Lima, Erico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Drummond de Andrade, João Cabral Melo e Neto e tantos, tantos outros.
Em minha casa, meu pai - que era e é poeta - deu o nome de Jorge a um filho e de Amado a um outro. Apenas eu escapei dessa nomeação referencial. Recordo que, na minha família, a paixão brasileira se repartia entre Graciliano Ramos e Jorge Amado. Mas não havia disputa: Graciliano revelava o osso e a pedra da nação brasileira. Amado exaltava a carne e a festa desse mesmo Brasil.
Neste breve depoimento, eu gostaria de viajar em redor da seguinte interrogação: por que este absoluto fascínio por Jorge Amado, por que esta adesão imediata e duradoura?É sobre algumas dessas razões do amor por Amado que eu gostaria de falar aqui. É evidente que a primeira razão é literária, e reside inteiramente na qualidade do texto do baiano. Eu acho que o maior inimigo do escritor pode ser a própria literatura. Pior que não escrever um livro, é escrevê-lo demasiadamente. Jorge Amado soube tratar a literatura na dose certa, e soube permanecer, para além do texto, um exímio contador de histórias e um notável criador de personagens. Recordo o espanto de Adélia Prado que, após a edição dos seus primeiros versos confessou: "Eu fiz um livro e, meu Deus, não perdi a poesia..." Também Jorge escreveu sem deixar nunca de ser um poeta do romance. Este era um dos segredos do seu fascínio: a sua artificiosa naturalidade, a sua elaborada espontaneidade.
Hoje, ao reler os seus livros, ressalta esse tom de conversa intíma, uma conversa à sombra de uma varanda que começa em Salvador da Bahia e se estende para além do Atlântico. Nesse narrar fluído e espreguiçado, Jorge vai desfiando prosa e os seus personagens saltam da página para a nossa vida cotidiana.
O escritor Gabriel Mariano de Cabo Verde escreveu o seguinte: "Para mim, a descoberta de Amado foi um alumbramento porque eu lia os seus livros e via a minha terra. E quando encontrei Quincas Berro d'Água eu o via na Ilha de São Vicente, na minha rua de Passá Sabe."
Essa familiaridade existencial foi, certamente, um dos motivos do fascínio nos nossos países. Seus personagens eram vizinhos não de um lugar, mas da nossa própria vida. Gente pobre, gente com os nossos nomes, gente com as nossas raças passeavam pelas páginas do autor brasileiro. Ali estavam os nossos malandros, ali estavam os terreiros onde falamos com os deuses, ali estava o cheiro da nossa comida, ali estava a sensualidade e o perfume das nossas mulheres. No fundo, Jorge Amado nos fazia regressar a nós mesmos.
Em Angola, o poeta Mario António e o cantor Ruy Mingas compuseram uma canção que dizia: Quando li Jubiabá/me acreditei Antônio Balduíno./Meu Primo, que nunca o leu/ficou Zeca Camarão. E era esse o sentimento: António Balduino já morava em Maputo e em Luanda antes de viver como personagem literário. O mesmo sucedia com Vadinho, com Guma, com Pedro Bala, com Tieta, com Dona Flor e Gabriela e com tantos os outros fantásticos personagens.
Jorge não escrevia livros, ele escrevia um país. E não era apenas um autor que nos chegava. Era um Brasil todo inteiro que regressava à África. Havia pois uma outra nação que era longínqua mas não nos era exterior. E nós precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca antes soubéramos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistificado, mas era um espaço mágico onde nos renasciam os criadores de histórias e produtores de felicidade.
Descobríamos essa nação num momento histórico em que nos faltava ser nação. O Brasil - tão cheio de África, tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade - nos entregava essa margem que nos faltava para sermos rio.
Falei de razões literárias e outras quase ontológicas que ajudam a explicar por que Jorge é tão Amado nos países africanos. Mas existem outros motivos, talvez mais circunstanciais.Nós vivíamos sob um regime de ditadura colonial. As obras de Jorge Amado eram objeto de interdição. Livrarias foram fechadas e editores foram perseguidos por divulgarem essas obras. O encontro com o nosso irmão brasileiro surgia, pois, com épico sabor da afronta e da clandestinidade.A circunstância de partilharmos os mesmos subterrâneos da liberdade também contribuiu para a mística da escrita e do escritor.
O angolano Luandino Vieira, que foi condenado a 14 anos de prisão no Campo de Concentração do Tarrafal, em 1964, fez passar para além das grades uma carta em que pedia o seguinte: "Enviem meu manuscrito ao Jorge Amado para ver se ele consegue publicar lá no Brasil..." Na realidade, os poetas nacionalistas moçambicanos e angolanos ergueram Amado como uma bandeira. Há um poema da nossa Noêmia de Sousa que se chama Poema de João, escrito em 1949 e que começa assim:João era jovem como nós/João tinha os olhos despertos,/As mãos estendidas para a frente,/A cabeça projetada para amanhã,/João amava os livros que tinham alma e carne/João amava a poesia de Jorge Amado.
E há, ainda, outra razão que poderíamos chamar de linguística. No outro lado do mundo, se revelava a possibilidade de um outro lado da nossa língua. Na altura, nós carecíamos de um português sem Portugal, de um idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar uma identidade própria. Até se dar o encontro com o português brasileiro, nós falávamos uma língua que não nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade, é um outro modo de viver calado. Jorge Amado e os brasileiros nos devolviam a fala, num outro português, mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso.
O poeta maior de Moçambique, chamado José Craveirinha, disse o seguinte numa entrevista: "Eu devia ter nascido no Brasil. Porque o Brasil teve uma influência tão grande que, em menino eu cheguei a jogar futebol com o Fausto, o Leônidas da Silva, o Pelé. Mas nós éramos obrigados a passar pelos autores clássicos de Portugal. Numa dada altura, porém, nós nos libertamos com a ajuda dos brasileiros. E toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura Brasileira. Quando chegou o Jorge Amado, então, nós tínhamos chegado à nossa própria casa."
Craveirinha falava dessa grande dádiva que é podermos sonhar em casa e fazer do sonho uma casa. Foi isso que Jorge Amado nos deu. E foi isso que fez Amado ser nosso, africano, e nos fez, a nós, sermos brasileiros. Por ter convertido o Brasil numa casa feita para sonhar, por ter convertido a sua vida em infinitas vidas, nós te agradecemos companheiro Jorge. Muito obrigado."
***
O escritor Antonio Emílio Leite Couto, Mia Couto, nascido em 1955 na cidade de Beira, em Moçambique, é poeta, contista, cronista e romancista, autor de livros como Terra Sonâmbula, O Último Vôo do Flamingo e O Outro Pé da Sereia, entre outros.
Fonte: O Estado de São Paulo, 5 abril 2008
quinta-feira, 15 de maio de 2008
África e Africanidades - revista eletrônica
Com peridiocidade trimestral, África e Africanidades foi idealizada pela colega Nágila Oliveira Santos. Trata-se de um espaço que pretende demonstrar a diversidade cultural negra em diferentes áreas do conhecimento, tais como a Sociologia, História, Antropologia, Literatura e Religiosidade.
Abraço,
Riso
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Instituto Camões
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bdc/index_eliterarios.html
Abraços,
Ricardo Riso
terça-feira, 6 de maio de 2008
Antonio Jacinto - Sobrevivendo à malha do tempo: "Sobreviver em Tarrafal de Santiago" e breves considerações sobre a "Mensagem"
Antonio Jacinto integra uma geração de poetas que rompe com os paradigmas coloniais e busca a valorização do homem angolano, de se pensar como cidadão e intelectual independente à metrópole. Em 1948, surge o lema “Vamos descobrir Angola”. O poeta Viriato da Cruz ilustra o momento:
“Esse movimento combatia o respeito exagerado pelos valores culturais do Ocidente (...); incitava os jovens a redescobrir Angola em todos os seus aspectos através dum trabalho colectivo e organizado; exortava a produzir-se para o povo; solicitava o estudo das modernas correntes culturais estrangeiras, mas com o fim de repensar e nacionalizar as suas criações positivas e válidas; exigia a expressão dos interesses populares e da autêntica natureza africana, mas sem que se fizesse nenhuma concessão à sede de exotismo colonialista. Tudo deveria basear-se no senso estético, na inteligência, na vontade e na razão africanas.” (ANDRADE, 1977, p. 6)
A partir daí, os poetas procuravam conscientizar o povo com planos de alfabetização e outras ações sociais, enquanto os poemas tratavam de temas próximos à realidade do país. Nascia o sentimento de angolanidade, e, com o já citado Viriato, estão, entre outros, Agostinho Neto e Antonio Jacinto. Para isso, inspiram-se na ruptura proposta pela geração modernista brasileira de 1922. Carlos Ervedosa, em seu livro “Roteiro da Literatura Angolana”, comenta que:
“Eles sabiam muito bem o que fora o movimento modernista brasileiro de 1922. Até eles havia chegado, nítido, o grito do Ipiranga das artes e letras brasileiras e a lição dos seus escritores mais representativos, em especial de Jorge de Lima, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira, Lins do Rego e Jorge Amado foi bem assimilada.
O exemplo destes escritores ajudou a caracterizar a poesia e ficção angolanas, mas é, certamente, num fenômeno de convergência cultural, que podemos encontrar as razões das afinidades das duas literaturas. A mesma amálgama humana, frente a frente nas duas margens do Atlântico tropical, em presença de condições ecológicas quase idênticas, teria de conhecer reacções e comportamentos muito semelhantes.” (ERVEDOSA, 1979, p. 72)
Com denso comprometimento ético e político-ideológico, algumas obras são melhores compreendidas em seu contexto social e histórico, como as do período primordial da angolanidade. De acordo com Octávio Paz, no ensaio “A consagração do instante”:
“Como toda criação humana, o poema é um produto histórico, filho de um tempo e de um lugar; mas também é algo que transcende o histórico e se situa em um tempo anterior a toda história, no princípio do princípio. Antes da história, mas não fora dela. Antes, por ser realidade arquetípica, impossível de datar, começo absoluto, tempo total e auto-suficiente. Dentro da história – e ainda mais: história – porque só vive encarnado, reengendrando-se, repetindo-se no instante de comunhão poética. (...) o poema é histórico de duas maneiras: a primeira, como produto social; a segunda, como criação que transcende o histórico mas que, para ser efetivamente, necessita encarnar-se de novo na história e repetir-se entre os homens.” (PAZ, 1972, pp. 53-54)
As condições para um movimento literário angolano sedimentavam-se e foi criado o “Movimento dos Novos Intelectuais de Angola”, em 1950, escorados no ANANGOLA – Associação dos Naturais de Angola. No ano seguinte, é lançada a célebre revista “Mensagem – voz dos naturais de Angola”. Segundo Ervedosa,
“O Movimento dos Novos Intelectuais de Angola foi essencialmente um movimento de poetas, virados para o seu povo e utilizando nas suas produções uma simbologia que a própria terra exuberantemente oferece. (...) Assim, os novos poetas foram cantando, com voz própria, a terra angolana e as suas gentes.” (ERVEDOSA, 1979, p. 73)
Refletindo a nova postura, Antonio Jacinto escreve “Carta de um contratado”, poema dos mais representativos da época, que retrata a angústia do angolano, longe de sua terra e das lembranças dela, longe da mulher amada, e denuncia o drama do analfabetismo:
“Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
(...)
desta saudade a que vivo todo entregue
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que te levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender (...)
Eu queria escrever-te uma carta
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não saber ler
e eu – oh! desespero – não sei escrever também!” (ERVEDOSA, 1979, pp. 74-75)
Na geração da “Mensagem”, havia preocupação em retratar a sociedade angolana, tanto a urbana quanto a rural. A poesia estava inserida em um tempo de mudanças, a necessidade de impor a sua voz contra a repressão colonial fazia com que os temas políticos e sociais prevalecessem. Os poetas, assim, iam “construindo o coletivo plural, no futuro tão necessário para que se reconstrua a angolanidade esfacelada” (PADILHA, 1995, p. 146).
Apesar do intenso patrulhamento dos órgãos repressores portugueses, a “Mensagem” cumpriu o seu papel em apenas quatro números publicados (segundo Ervedosa). Tratando de temas sociais, da busca da infância perdida, das mudanças da cidade de Luanda e, principalmente, do nacionalismo angolano em uma época de clandestinidade, “Mensagem” marcou profundamente os poetas de sua geração e tornou-se referência para as gerações seguintes. Ervedosa argumenta que:
“Como seria de esperar, o ‘Movimento dos Novos Intelectuais de Angola’ acabou por ser alvo de repressão policial. A ‘Mensagem’ terminou a sua publicação ao fim do segundo número e o Movimento teve que se desmembrar. A maior parte desses jovens acabaria por se reunir, mais tarde, não à volta de um movimento cultural, mas já sob a bandeira de um movimento político, do qual seriam líderes o ensaísta Mário de Andrade e o poeta Agostinho Neto.
Movimento de poetas, contistas e ensaístas, foi essencialmente através da poesia que aquele grupo de jovens, no dealbar da segunda metade do século vinte, se impôs e logrou virar uma página da história da literatura angolana. (...) Apesar do fim rápido e até da pequena expansão da ‘Mensagem’, ela permaneceu, contudo, como um verdadeiro símbolo.” (ERVEDOSA, 1979, pp. 87-88)
As atividades não pararam por aí. Por causa da perseguição da polícia colonial, poucos continuaram o caminho. Manuel Ferreira atesta o caráter revolucionário daqueles que assumiram o lugar de agentes históricos:
“E todos estes fizeram da sua poesia (...) um ato de fé, (...) de fato, a afirmação de sua identidade cultural. Os poetas fazem da escrita um ato de responsabilidade no combate à violência, à repressão, à exploração, à alienação. A linguagem evolui, atualiza-se, arma-se para a expressão de novas formas conteudísticas.” (FERREIRA, 1987, p. 117)
Na virada dos anos 1950/1960, alguns escritores foram para o exílio e vários são presos. “Em 1963, os escritores Antonio Jacinto, Luandino Vieira e Antonio Cardoso são condenados a catorze anos de prisão e desterrados para a colônia penal do Tarrafal.” (ERVEDOSA, p. 97) E aqui iniciamos a análise sobre o livro “Sobreviver em Tarrafal de Santiago”, de Antonio Jacinto.
Lançado em 1985, “Sobreviver em Tarrafal de Santiago” reúne poemas realizados durante a longa passagem de Antonio Jacinto no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Com todos os poemas datados, temos noção da angústia do poeta, já exposta no título do livro, ao resistir na manutenção dos seus ideais, o apreço à liberdade e a poesia como tema para combater a solidão em um exíguo espaço.
Dividida em três partes, trata-se de uma obra “em que a memória e a reflexão se fazem presentes, o livro é, sem dúvida, um dos momentos mais iluminados da trajetória artística de Jacinto, poeta cuja referência é imprescindível quando se fala da literatura angolana contemporânea” (MACEDO, 2007, p. 117).
Na primeira parte, “Tarrafal em redor”, os poemas tratam daqueles que levantaram suas vozes contra a ditadura salazarista e o fim do regime colonial. Por isso, foram fortemente perseguidos e sofreram pesadas punições, “de forma que o doloroso itinerário apresentado pelo livro é também o caminho de todos os nacionalistas cuja voz a opressão do colonialismo tentou silenciar” (MACEDO, 2007, p. 117).
Apreendemos que o forçado exílio é cantado pelo eu lírico, que versa o drama dos companheiros de luta rumo ao distante campo de concentração:
Neste navio x.......................ancorados
Somos náufragos ...............embarcados
Oh! Navio!
Oh! Náufragos da terra longe!
Oh! Terra longe!
Oh! Terra!
Oh! (JACINTO, 1985, p. 19)
Interessante percebermos a presença de temáticas predominantes na literatura cabo-verdiana, como o terralongismo do poema anterior “Neste navio embarcados”, a insularidade e o sentimento de evasão. Sobre esta influência, assumida pelo próprio poeta, Jacinto, em entrevista a Michel Laban, comenta que:
“Isso aí, são versos escritos noutras circunstâncias – são escritos no Tarrafal, num mundo muito fechado, também, concentracionário, longe das realidades da terra, com outra realidade, deixados influir, também, pelo ambiente cabo-verdiano: vão se lendo novas obras de autores cabo-verdianos e aí vai-se compreendendo o ambiente que dita essa literatura cabo-verdiana. A insularidade pesa sobre nós, porque nós temos uma ilha e, dentro da ilha, uma povoação, dentro da povoação, um campo de concentração... Esse isolamento é muito elevado.” (LABAN, 1991, p. 170)
O espaço concentracionário citado pelo poeta, sentimento comum aos cabo-verdianos em razão dos limites das ilhas, “o limite à esquerda / Mar / o limite à direita / Mar” (JACINTO, 1985, p. 31), incorporado por ele diante da experiência no espaço exíguo e asfixiante do cárcere é explicitado no poema:
“Cá vamos
Em Santiago, Cabo Verde
Embarcados
Mais precisamente
No Tarrafal
No Campo de Trabalho Chão Bom
Ou
Mais concreto
No pavilhão D
Caserna 2
Dos reclusos políticos de Angola” (JACINTO, 1985, p. 22)
O isolamento imposto pelo cárcere é tratado em diversos poemas, cujas datas constantes ao final de cada um, aumentam o incômodo de quem os lê e oferecem a exata dimensão da longevidade da clausura. Ao atentarmos para o próprio nome da prisão, Campo de Treinamento Chão Bom, nos causa inquietação. Além disto, destacam-se, também, características e limites geográficos em poemas com a presença das ilhas do Fogo e do Sal, assim como a impossibilidade de partir, faz com que o poeta se aproprie do desejo de emigração cabo-verdiano e ilustre a sua saudade:
“A vela no mar
escreve geometria de espuma
- partida de quem fica
e as nuvens ao sopro incessante vão
dos alísios mandos
- viagem de quem não partiu
Descem saudades (...)
No Tarrafal, anoitece...”
C.T. Chão Bom, 26.11.66 (JACINTO, 1985, p. 26)
“A ilha em frente é uma saudade que se esboça (...)
Cai o sol por trás da ilha ao entardecer (...)
Transido, morre o sol.
Anoitece.
A Solidão acontece.”
C.T. Chão Bom, 9.1.67 (JACINTO, 1985, p. 27)
“O mar
As ondas
As ilhas
E as aves
edificam solidão
e a solidão tende para infinito (...)”
C.T. Chão Bom, 5.4.67 (JACINTO, 1985, p. 31)
“Era o Oceano! Era o Oceano!
E a solidão, ano empós ano.”
C.T. Chão Bom, 9.1.72 (JACINTO, 1985, p. 42)
No diálogo proposto por Jacinto com a literatura cabo-verdiana, dois escritores ícones são lembrados. A resistência, que beira a teimosia, do agricultor em plantar em uma terra ruim remete ao romance “Flagelados do vento leste”, de Manuel Lopes:
“na folhagem resse-
quida e ferida
- memória do vento leste
a paisagem não esquece!
Feijão pedra
............pedra
Ó homem de todo o ano
na teima
na teima que a vida dá
a teima é vida na vida (...)” (JACINTO, 1985, p. 28)
E a homenagem a um dos mais combativos poetas cabo-verdianos na luta colonial em seu país, Ovídio Martins, e sua crença no ilhéu são celebrados por Jacinto:
“Do chão de pedra
brotam pedras feitas casas
Das casas de pedra
os homens que são pedra
nascem
Das ilhas de pedra
os homens vão enluarar o mundo (...)
Até quando? Até quando?
Até quando os homens-pedra quiserem!” (JACINTO, 1985, p. 43)
Em “Tarrafal Interior”, a segunda parte, os poemas são incisivos na declaração à liberdade, ao sonho e na postura contrária ao confinamento. O caminho à independência angolana torna-se irreversível:
“Nem a chuva dissolve estas pegadas
nem o tempo as tem sepultadas
remonta ao xisto a força da verdade
renasce o sol do teu seio – LIBERDADE!” (JACINTO, 1985, p. 49)
As forças coloniais estão fragilizadas diante da determinação dos angolanos. A utopia por um país independente alimenta o eu lírico, que utiliza o fazer poético como arma contra o colonialismo em um consciente exercício metapoético:
“Ó dragões de fauces sangrentas
Satãs triturando homens nos engranzos do ódio
entre o chão e as cardas das botas
procurais apagar uma a uma
as perenes chamas da esperança duma
murmura flor de sangue ou
duma poêmia imperecível
- digo-vos que sou perigoso quando
na força viril do meu verso
Espero!” (JACINTO, 1985, p. 51)
Letras em sangue, o eu lírico fortalece a metalinguagem e enrijece a posição política em prol do ideal coletivo:
“Pomos doiro são? Não são.
As palavras?
As palavras são carne
e esqueleto
e sangue
sobretudo isso – sangue” (JACINTO, 1985, p. 52)
O persistente recurso à metalinguagem nos poemas de Jacinto é comentado pela professora Tania Macedo:
“Vale ressaltar, todavia, que a metalinguagem ou a citação de outros poetas não atende a um mero exercício estético. Pelo contrário, encontramos a cada passo a expressão de uma profunda crença no humano, de forma que a poesia acaba por ser a parceira que ilumina os recantos escuros da cela, propiciando o brilho da esperança. Assim, verifica-se que a todo instante o lírico e o político se solidarizam na elaboração de uma produção liberta e libertadora – única possível de ser da poesia em nosso tempo (...).” (MACEDO, 2007, pp. 121-122)
Atento e participante na luta pela libertação angolana, Antonio Jacinto une lirismo e política em poemas de resistência à opressão colonial. Recorre a grandes nomes da literatura em língua portuguesa, tais como Manuel Bandeira e Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), para expressar a sua dor. Logo, reivindica tudo aquilo que é negado ao seu povo.
“Choramos autenticamente por nós próprios (coitados de nós!
Teremos mais precisão, Manuel Bandeira?)
Choramos autenticamente por nós próprios
(o Álvaro de Campos bem no sabia)
Choramos autenticamente por nós próprios inautênticos
que ficamos mais pobres
e nos sentimos lesados
por nossos direitos feridos
por nossos direitos de posse frustrados
por nossos direitos à proteção
por nossos direitos à amizade
por nossos direitos ao amor
por nossos direitos à presença
por nossos direitos a uma vingança
por tudo quanto queríamos de quem nos morreu.” (JACINTO, 1985, p. 66)
Depreendemos que a poesia de Jacinto não aceita a ordem estabelecida. Questiona e enfrenta o poder vigente e tenta libertar-se de séculos de opressão. Segundo Alfredo Bosi:
"A poesia resiste à falsa ordem, que é, a rigor, barbárie e caos, (...) Resiste ao contínuo ‘harmonioso’ pelo descontínuo gritante; resiste ao descontínuo gritante pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no horizonte da utopia.
Quer refazendo zonas sagradas que o sistema profana (o mito, o rito, o sonho, a infância, Eros); quer desfazendo o sentido do presente em nome de uma liberação futura, o ser da poesia contradiz o ser dos discursos correntes. (...)
A luta é, às vezes, subterrânea, abafada, mas tende a subir à tona da consciência e a acirrar-se porque crescem a olhos vistos as garras do domínio. (...)" (BOSI, 1977, p. 146)
Em “O ritmo do tantã”, Jacinto dialoga com o poema “Quero ser tambor” de José Craveirinha, reafirma sua posição como africano, valoriza símbolos culturais locais e está sensível ao momento de libertação colonial em todo o continente africano, em um dos mais belos poemas do livro:
“Eu também sou África
tenho o ritmo do tantã sobretudo
no que pensa
no que pensa
penso África, sinto África, digo África” (JACINTO, 1985, p. 71)
Quando se encontra em momentos de desespero, chama a atenção dos companheiros de luta para não aceitarem a sua fraqueza, pois “é preciso frustrar o desânimo”. Jacinto recorre à poesia para demonstra sua indignação com a situação em que está e resiste:
“Olho-me:
Serenamente
Morri.
Alguém morreu dentro de mim. (...)
Ó, vós, companheiros, ó irmãos, de vós espero
que não me acrediteis
se me virdes ir despido de esperança
em renúncia.
É preciso frustrar o desânimo!
Morri?
Mas eu vos acompanho
(a todo o tamanho)
que a vida de novo bate à porta
como importa:
- recado de ressureição!” (JACINTO, 1985, p. 57-58)
De acordo com Alfredo Bosi, “a poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos discursos da sociedade” (BOSI, 1977, p. 143), e passa a servir como instrumento de resistência e denúncia às agruras sofridas. Mesmo encarcerado, isolado e distante dos seus pares angolanos que lutam na guerra colonial, o eu lírico não se omite, manifesta sua posição política, valoriza a união e luta com seus versos, a única arma a ser usada, na necessária mudança do mundo:
“Nas tarefas da construção do mundo
Aqui estou de novo
....................Unido
– Na procissão de vontades
Alavancas em aplicação comburente –
Aqui estou de novo
Presente!” (JACINTO, 1985, p. 50)
Mesmo longe e trancafiado, o poeta tem a poesia. Com ela, resiste e participa da revolta contra o colonialismo. A função social de sua poesia e o comprometimento com a causa libertadora não o deixam afastado da luta. O que é expresso por Irene Guerra Marques ao introduzir o livro:
“Alguém lhe acena e lhe estende amorosamente a mão. É a Poesia, a sua amiga de sempre. E o Homem, ergue-se, firme e resoluto. Lá longe, os seus poemas, ‘Carta de um contratado’, ‘Monamgaba’, estão nas fábricas, no musseque, no coração do Povo. Os seus companheiros esperam-no! Resistir! Viver para regressar!” (JACINTO, 1985, p. 10)
Em “Tarrafal lírico”, a última parte, o lirismo é predominante nos poemas. O eu lírico rebate a frieza e solidão do cárcere, canta o amor, os sonhos, a liberdade que haveria de se aproximar um dia:
“Um sonho? Ah! Dá-me um sonho
Nesta noite de frio e medo:
– teus lábios junto dos meus
à espera que amanheça!” (JACINTO, 1985, p. 83)
Antonio Jacinto legou à literatura angolana em “Sobreviver em Santiago de Tarrafal”, um livro em que transparece a crença no ser humano, na força da poesia como arma de luta contra o colonialismo português, do sofrimento do poeta projetando-se na dor coletiva de um povo por séculos de submissão e sonhos dilacerados. Acompanhamos o longo percurso de agonia do poeta, enclausurado e isolado enquanto seus companheiros combatiam as forças salazaristas em território angolano. E Jacinto, com a certeza de que a vitória viria, continuou a sua luta na prisão: escrevendo e reescrevendo poemas, reafirmando o seu desejo de liberdade e de libertação do país.
Antonio Jacinto foi o poeta e cidadão que se recusou a se entregar e perder o sonho em ver Angola independente.
BIBLIOGRAFIA:
ANDRADE, Mário de. Antologia temática de poesia africana: na noite grávida de punhais. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1977.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.
ERVEDOSA, Carlos. Roteiro da literatura angolana. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1979.
FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987.
JACINTO, Antonio. Sobreviver em Santiago de Tarrafal. Luanda: INALD, 1985.
LABAN, Michel. Encontro com Escritores: Angola. Vol. I. Porto: Fundação Eng. Antônio de Almeida, 1991.
MACEDO, Tania. Luminosa lucidez em Tarrafal de Santiago (uma leitura de poemas de Antonio Jacinto). In: CHAVES, Rita, MACEDO, Tania e VECCHIA, Rejane (Orgs.). A Kinda e a Missanga: encontros brasileiros com a literatura angolana. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2007.
PADILHA, Laura Cavalcante. Entre voz e letras – o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX. Niterói: EDUFF, 1995.
PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1972. pp. 53-54