quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Pedro Cardoso... a manduco!

Pedro Cardoso... a manduco!
Por Ricardo Riso

Ao Prof. Manuel Brito-Semedo, com elevada estima.

Há uma faceta de extremo interesse e pouco conhecida do poeta pré-claridoso Pedro Monteiro Cardoso (13/09/1883 - 29/10/1942), reveladora de um importante momento das ilhas em razão das profundas mudanças em Portugal com o germinal sistema republicano. Trata-se da atuação de Pedro Cardoso como cronista de jornais. Com o pseudônimo AFRO colaborou em vários jornais cabo-verdianos e portugueses, dentre outros, “O Manduco”, do qual foi fundador, e foi autor da célebre coluna “A Manduco...”, espaço de polêmicas e de um olhar atento aos problemas sociais e políticos do cotidiano da então colônia cabo-verdiana.

As crônicas de “A Manduco...” foram recolhidas e organizadas por Manuel Brito-Semedo e Joaquim Morais em cuidadosa edição do IBNL, sob o título “PEDRO CARDOSO – Textos Jornalísticos e Literários (Parte I)”, no ano de 2008. O livro tem prefácio de Isabel Lima Lobo, é separado por duas seções: a primeira com duas conferências de Cardoso – uma em defesa da língua cabo-verdiana, a outra no Dia de Camões, exaltando o épico, Portugal e a língua portuguesa; a segunda seção conta com 33 crônicas publicadas de 1911 a 1914 no jornal A Voz de Cabo Verde, para além de fundamental ficha com a origem dos textos.

As crônicas de “A Manduco...” impressionam pelo tom incisivo, de marcante e ruidosa intervenção político-social em defesa incontestável dos ilhéus e das ilhas, assim como apresentam e valorizam a atuação pungente dos intelectuais cabo-verdianos durante os primeiros anos da república portuguesa. Em sua estreia, AFRO já demonstra o caráter de sua seção: “(...) ‘a manduco’ é simplesmente o título de uma nova secção onde discretamente, sem ódios nem lisonjas, e a bem dos interesses da província, se dirão verdades... agridoces”.

Célebre na poesia de Cardoso a exaltação da pátria lusitana e da mátria terra crioula, porém o autor para reivindicar igual tratamento ao ilhéu recorre à Constituição para combater o racismo: “Artigo 1º - O território de Portugal compreende na África Ocidental o Arquipélago de Cabo Verde; (...) art. 5º - o Estado Português é uma República Unitária baseada na igualdade dos cidadãos perante a Lei. Logo, eu nasci dentro do território português, sou membro constituinte da Nação e igual perante a Lei aos demais cidadãos.”

O problema da educação dos ilhéus é escancarado com indignação, principalmente na quase completa exclusão das mulheres nas escolas por “existir muito maior número de crianças do sexo feminino e não haver para elas escolas, não em proporção às alunas, mas nem mesmo em número aproximado das destinadas ao sexo masculino. A desproporcionalidade é flagrante e provém do exclusivismo de outros tempos”.

Preocupações sociais várias são manifestadas e denunciadas pelo autor, preocupações em sua maioria contemporâneas ao nosso tempo: “O uso e o abuso do álcool e do tabaco, a tuberculose por esse abuso favorecida, as estiagens e o analfabetismo são males que estão afectando intensa e extensamente a província. Urge combatê-las sem descanso (...)”.

A instabilidade política da Europa, a ascensão da belicista Alemanha e seu interesse nas colônias portuguesas em África é tema de “quem nasceu em África mas é português não só pela bandeira como pelo sentimento e sangue”: “(...) Não posso conformar-me à horrorosa ideia de que serei obrigado a não falar, a não cultivar esta formosíssima língua toda feita de harmonia e doçura, em que balbuciei as minhas primeiras canções destronada, substituída por aquela em que escreveu Goeth”.

Pan-africanista convicto, defensor dos negros, demonstra seu apreço ao dedicar crônicas ao brasileiro Luis Gama e ao libertador do Haiti, Toussaint Loverture. Também comunista ferrenho, sobretudo humanista, o nativista Pedro Cardoso revela nas crônicas de AFRO as tensões que nortearam o seu tempo. Jamais omisso, determinado na defesa de suas posições, a pena corrosiva de AFRO apresenta o grande homem e poeta: Pedro Cardoso.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Abraão Vicente – O Trampolim (resenha)

Abraão Vicente – O Trampolim

Por Ricardo Riso
Publicado no semanário A Nação, nº 171, de 09 de dezembro de 2010, p. 10.

Abraão Vicente, o jovem e renomado artista plástico nascido na ilha de Santiago, concretiza sua estreia literária com o romance “O Trampolim”, sob a chancela da editora Kankan Studio.

A narrativa inicia-se com a observação amargurada do narrador de fotografias do passado da sua família. Apesar do tom melancólico, recordo Roland Barthes de “A câmara clara” no qual afirma que a força constativa da fotografia incide sobre o tempo, autenticando aquilo que foi; segundo Barthes, as fotografias devem ser habitáveis ao observador, conduzindo-o tanto a um tempo adiante – utópico – quanto a um tempo passado; desejo atingido durante a descrição das imagens, pois “essas fotos poderiam ter sido tiradas em qualquer bairro, vila ou cidade de Santiago ou de Cabo Verde, nos anos oitenta”.

Romance de memória, o narrador recorrer à infância, apropria-se dos amigos imaginários e das “reminiscências do rapaz ‘cabeça de ventos’, pegadas dos dias em que era dois, vivia façanhas inventadas e ouvia vozes que lhe pediam para voar”, e a partir daí tratar de diversos aspectos da condição humana.

Ambientado na periferia de Lisboa, apropriando-se do falar dos negros cabo-verdianos, recriados literariamente pelo autor com criatividade e ousadia ao subverter a língua portuguesa, ainda enriquecida por vários estrangeirismos, ou seja, “trapacear a língua. Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem”, como disse Barthes em Aula. Um falar peculiar, das ruas, que não causa conflito à compreensão do texto, experiência semelhante a de Allan da Rosa, destacado escritor da literatura periférica de São Paulo/BR.

Nas intermináveis conversas do(s) Zé(s) os assuntos são diversos, atropelam-se. Surpreende o racismo, o desejo de embranquecimento dos negros ao tentar relacionar-se com mulher branca: “com uma branca qualquer boa, como faz todo preto decente que quer causar boa impressão e um pouco de inveja aos seus frendes cá na terra”, e concretizado pelo Nhô André, tornando-o exemplo a ser seguido. Assim como é racista a insensibilidade de políticos que vêm crianças disputarem o lixo dos parlamentares, pois tiram “daí o seu alimento de cada dia”.

A emigração forçada dos africanos em razão da crise econômica – consagrada na célebre exposição “Pass Ports” do autor/artista –, a assimilação dos negros e a amnésia induzida, no sentido empregado por José Luis Hopffer Almada; denúncias que fazem recordar a necesssária “reafricanização dos espíritos” de Amílcar Cabral: “de investigar como eram as coisas e como se transformaram”, no dizer do Zé; para além de um intenso humanismo, da conquista da igualdade – “querer o meu não é roubar o seu/ pois o que quero é só função de eu”, de Raul Seixas –, de respeitar a alteridade, “igualdade vem de saberes porque és diferente e entender a razão dos outros”.

Cabe ressaltar alguns procedimentos literários de imenso agrado, tais como o diálogo com a escrita automática surrealista – “uma coisa é escrever palavras da língua que eu sei ler e entender, outra coisa é escrever tudo que te passa pelo capacete e na língua que te mais te convier”; o dadaísmo do “jogo do absurdo”, as teorizações acerca da arte contemporânea e o uso de cartas enviadas para si mesmo, tal como o jovem Fernando Pessoa.

Para finalizar, apetece mencionar as pertinentes questões ontológicas levantadas ao longo do romance, as severas críticas à sociedade de consumo e ao vazio existencial dessa condição – e recordo o Zigmuth Bauman de Vidas para Consumo; entretanto, e sobretudo, celebrar o desejo permanente de sonhar e de voar como impulsionadores e motivadores frente às adversidades da vida e a defesa inconteste da liberdade individual em um mundo cada vez mais igual, previsível e competitivo. Esses são alguns dos grandes méritos apresentados durante a leitura d’O Trampolim, de Abraão Vicente. Um belo sopro de renovação à literatura cabo-verdiana.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano - lançamento livro RJ


Lançamento do livro Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano (Editora Apicuri), organizado por Victor Andrade de Melo, Marcelo Bittencourt e Augusto Nascimento, dia 10 de dezembro, a partir das 18h30, na livraria Folha Seca, à Rua do Ouvidor, n.37, Rio de Janeiro


Fonte: e-mail gentilmente enviado pela Profa. Luana Antunes Costa em 08 de dezembro de 2010.

sábado, 4 de dezembro de 2010

CADERNOS NEGROS VOLUME 33 - POEMAS AFRO-BRASILEIROS

CADERNOS NEGROS VOLUME 33
POEMAS AFRO-BRASILEIROS

DIA 17 DE DEZEMBRO DE 2010 (sexta-feira) - às 19h
Na sala Olido - Av. São João, 473 – (293 lugares) entrada franca.

Para maior conforto de todos os que quiserem participar, solicitamos fazer o cadastramento no link abaixo:
http://www.quilombhoje.com.br/cadastrocn33.html

Autores do livro: Adilson Augusto, Akins Kinte, Ana Celia, Claudia Walleska, Cristiane Sobral, Cuti, Décio Vieira, Edson Robson, Elio Ferreira, Elizandra Souza, Esmeralda Ribeiro, Flávia Martins, Jairo Pinto,Jamu Minka, Lepê Correia, Luís Carlos de Oliveira ‘Aseokaýnha’, Márcio Barbosa, Mel Adún, Miriam Alves, Ruth Saleme, Serafina Machado, Sidney de Paula Oliveira, Thyko de Souza.

Haverá o seguinte bate-papo:
*Cadernos Negros e Literatura Periférica
ÉRICA PEÇANHA (Antropóloga e Pesquisadora - SP)

*Identidade Étnico-Racial na Poesia de Cadernos Negros
PROF. DR. CUTI (Luiz Silva) (Escritor - SP)

E as intervenções poéticas e musicais com o ator e atrizes:
ANDRÉ PERSAN - (Novela "Água na Boca" - TV Bandeirantes).
LUCÉLIA SERGIO - (Os Crespos).
NARUNA COSTA - (Novela "Tempos Modernos" - TV Globo).
e as cantoras e músicos:
CAROL ANICETO - Cantora (A Quatro Vozes e Ilú Obá De Min).
COSME ALVES (Djambé).
GIOVANNI DI GANZÁ (Instrumentista do Duo Abanã).
LIAH JONNES (Cantora e Atriz).
Direção: EDUARDO SILVA - Ator de teatro, novela e cinema (Novela "Uma Rosa com Amor" - SBT e ganhador de dois prêmios como melhor ator nos Festivais Nacional e Internacional de Belém e Salvador).
Assistente de direção: FERNANDO FAGERSTON.
Stand Up - HELTON FESAN (Escritor)

Música e Dança Afro:
BLOCO AFRO ILU OBÁ DE MIN – Percussão Feminina
Apresentação: MC Levy e MC Mafalda Pequenino

Apoios:
Cone/Sala e Galeria Olido(PMSP)
Deputados Estaduais: José Cândido / Vicente Cândido
Vereadores: Juliana Cardoso / Netinho de Paula / Italo Cardoso / Jamil Murad Coletivo de Negros do Sindicato dos Bancários
Sindicato dos Quimícos
Secretaria da Diversidade do Sindicato dos Comércios
ANID - Ação Negra de Integração e Desenvolvimento - Barueri
Gold Feet Podologia.

Cadernos Negros é uma série que, criada em 1978, vem proporcionando a autores e leitores uma nova experiência em termos de literatura e informação. Este volume 33 denota um amadurecimento de ideias, ao mesmo tempo em que temas e estilos mantêm a vitalidade de sempre. Vários novos autores participam do livro, assim com há a volta de poetas que há algum tempo não publicavam. É de se notar que poemas românticos e sensuais (eróticos até) encontram espaço nesta edição, além dos textos que refletem sobre a existência afro-brasileira contemporânea.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Eu sou Rio de Janeiro, por Luis Simas

Um texto bastante lúcido do Prof. Luis Simas acerca dos recentes conflitos no Rio de Janeiro e a postura deprimente - como sempre, racista e excludente - do nosso principal veículo de comunicação.
Ricardo Riso

EU SOU DO RIO DE JANEIRO
Luis Simas
Publicado no blog Histórias Brasileiras - http://hisbrasileiras.blogspot.com/2010/01/o-povo-de-sao-sebastiao.html - em 24 de novembro de 2010.

O Jornal O Globo resolveu, definitivamente, apostar na ideia de que a solução para os problemas urbanos do Rio de Janeiro é mais simples do que se imagina: basta transformar a cidade em uma imensa casa do Big Brother Brasil, em que todo mundo fuxica a vida de todo mundo, o cotidiano se transforma em um espetáculo midiático, o dedo-duro é elevado à categoria de cidadão exemplar e a sensação do medo é usada como poderoso instrumento de controle social. O discurso do jornal - em nome do interesse coletivo - tão somente reforça o individualismo mais tacanho que inviabiliza a urbanidade.

A última investida do jornalão é sintomática. O Globo criou uma conta no twitter para que o carioca denuncie ilegalidades que vão desde carros estacionados de forma irregular até barraquinhas de cachorro quente, botequins e bancas de flores que ameaçam o incontrolável desejo conservador da cidade-enfermaria. O polemista, advogado e centroavante carioca Eduardo Goldenberg já desancou aqui , com propriedade, os aspectos jurídicos da coisa e a histeria coletiva dos volantes de contenção.

Vou insistir mais uma vez, por vício de formação e clamando feito um João Batista no deserto, que as reflexões sobre os problemas urbanos do Rio de Janeiro ( e de qualquer cidade ) devem ser feitas em uma perspectiva que encare a urbe como um organismo vivo feito de história, lugares de memória, espaços de conflito, instâncias de urbanidade, relações tensas e intensas entre os diferentes grupos que habitam a aldeia, etc. Darei meu pitaco, nessa dimensão, sobre o twitter alcagüete (mantenho o trema) que o jornal criou e outras coisas mais.







Os primeiros governos republicanos criminalizaram as diversas manifestações da cultura popular no Rio de Janeiro - quase todas marcadamente vinculadas às áfricas que existem nas nossas ruas. Jogar capoeira passou a ser crime no Código Penal de 1890, os terreiros de macumba foram grosseiramente reprimidos e a posse de um pandeiro era mais que suficiente para a polícia enquadrar o sambista na lei de repressão à vadiagem . Os intelectuais do período - com raras exceções - pregavam a necessidade de se promover um branqueamento da população brasileira; única garantia de civilizar as nossas gentes. Chamarei atenção para esse fato quantas vezes for necessário.

Quando a escravidão foi pra cucuia, houve uma deliberada política de atrair imigrantes europeus para cá. Não há qualquer registro de iniciativa pública que tenha pensado na integração do ex-escravo ao exercício pleno da cidadania e ao mercado formal de trabalho. A ideia era estimular a imigração de brancos do velho mundo. O modelo de abolição da escravatura no Brasil foi descrito e analisado em 1.500 teses acadêmicas. Todas elas podem ser resumidas em uma única frase do samba da Mangueira de 1988: "...livre do açoite da senzala / preso na miséria da favela" (Hélio Turco e Jurandir - 100 anos de liberdade, realidade ou ilusão).

Uma das primeiras leis de estimulo à imigração no período falava que o Brasil abria as portas, sem restrições, para a chegada dos imigrantes europeus. Africanos e asiáticos, porém, só poderiam entrar com autorização do Congresso Nacional, em cotas pré-estabelecidas. Traduzindo o babado: que venha o imigrante, contanto que seja branco e cristão. Mais do que encontrar mão de obra, a imigração no Brasil foi estimulada como meio de branquear a população e instituir hábitos europeus entre os nossos. O negro foi tolerado no Brasil apenas enquanto o meio de transporte para chegar às nossas praias foi o navio negreiro, assim como certos segmentos das elites (não todos, que fique claro) toleram as camadas populares porque precisam de empregadas domésticas, babás, porteiros, lavadores de carros e catadores de lixo.

É exatamente dentro desse contexto racista e discriminatório do pós-abolição que começa a ser gerada a reação a essa política pública elitista: a cultura da fresta como meio de reinvenção da vida e construção de uma noção de pertencimento ao grupo e ao espaço urbano. A ilegalidade no Rio de Janeiro, do ponto de vista histórico, foi portanto a opção que um estado racista e excludente deu à maioria da população da nossa cidade. Foi o poder público que não quis incluir.

Desnecessário dizer que quando falo em raça não uso o termo no sentido biológico ( pois que se sabe que raça como conceito biológico não existe). Uso raça no sentido social, histórico, político e econômico. Raça não existe nos laboratórios de biologia mas continua existindo nas cadeias, nas salas de tortura, nas grandes empresas e nas caçambas dos camburões.

Quando ouço falar, portanto, em choque de ordem, proibição de cerveja no Maracanã, ordenação das torcidas nos estádios, remoção de favelas e quejandos, me ocorre o seguinte: As pessoas que atuam na mídia mais poderosa e os responsáveis pelas políticas públicas têm alguma dimensão sobre o que significa, do ponto de vista cultural, a relação entre legalidade e ilegalidade por aqui? A coisa está sendo pensada apenas em termos criminais, quando até as pinturas rupestres da Serra da Capivara sabem que o buraco é mais embaixo.

Incluir é simplesmente enfiar a polícia no morro, reprimir a violência, colocar o moleque pra tocar violino em orquestra de música clássica e estimular o garoto a praticar esportes? Isso pode ser um passo necessário (acho, com uma outra ponderação, que é) mas tento ir além e escapar da reflexão imediatista que a histeria da sociedade do espetáculo e do consumo acrítico da notícia impõe. E o além é dar a esse garoto o direito de conhecer de onde vem sua cultura, seus modos de sentir, amar, comer, se expressar, conviver na rua, respeitar o mercado [o de Exu, e não o financeiro] e, sobretudo, reconhecer que nós tentamos embraquecer o negro mas foi ele que nos empreteceu e nos civilizou poderosamente. Isso se faz com Educação maiúscula, e não com a reprodução pura e simples nos bancos de escolas de conteúdos desprovidos do contato com a realidade de quem aprende.

O povo bateu tambor em fundo de quintal, jogou capoeira, fez a sua fé no bicho, botou o bloco na rua, a cadeira na calçada, o despacho na esquina, a oferenda na mata, a bola na rede e o mel de Oxum na cachoeira - já que sem um chamego acolhedor ninguém vive direito. Excluído dos salões do poder, o carioca inventou o ano novo na praia, zuelando atabaques em louvor a Iemanjá, Janaína, Yara e Kianda. Colocamos na Virgem da Conceição e na Senhora dos Navegantes os seios fartos de deusa africana.

O povo do Rio teve que inventar a cidade [e a cidadania] que lhe foi covardemente negada e criou esse modo de ser que atropela convenções, confunde, seduz, agride e comove. Qualquer tentativa de ordem pública deve partir desse pressuposto e tramar, aí, instâncias de interlocução e o fomento de diálogos entre a população e o poder instituído. Há que se perceber, nos meandros do legal e do ilegal, a maneira que o carioca encontrou, ao longo de sua história, para subverter a escuridão dos tumbeiros, a caça aos índios tamoios e a ferida aberta pelos trezentos anos de chibata. Nós somos o povo que bateu tambor na fresta e criou a subversão pela festa.

Qualquer debate que ignore isso é provisório, equivocado e, como sempre, excludente. A leitura meramente institucional ou criminal de um processo que, como qualquer outro, é histórico e cultural, empobrece a discussão, estimula o erro e aponta soluções imediatistas que não se sustentam em um prazo mais longo.

Eu quero o convívio urbano e as ruas pacificadas. E rua pacificada é rua cheia, não é rua vazia de gente onde vez por outra se escutam tiros ou onde prevaleça a bandidagem mais deslavada ou a Ordem do Choque. Os mocinhos de O Globo, que encaram a cidade fomentando o individualismo mais tacanho, o olhar enviezado e o clima de desconfiança entre seus habitantes, prestam um desserviço. A política pública, estimulada pela mídia mais reacionária e imediatista, que negue nossa peculiaridade e atue pelo viés exclusivo da repressão é fadada ao mais retumbante fracasso. Peço apenas isso: que se reflita sobre a atuação e o papel do Estado sem se perder a dimensão profunda do que nós, os cariocas, somos e construímos no tempo e no espaço. Administrar uma cidade, falar sobre uma cidade, escrever sobre ela, propor políticas públicas, implica conhecimento, reflexão, amor e interação com os seus modos de recriação da vida e produção de cultura, função que nos faz humanos e nos redime do absurdo da morte.

Eu continuarei daqui, dessa parte que me cabe no latifundio da grande rede, a bradar louvores pela civilização peculiar que João Candido, Zé Pelintra, Pixinguinha, Paulo da Portela, Cunhambebe, Cartola, Noel Rosa, Bide, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, Tia Ciata, Meia Noite, Madame Satã, Lima Barreto, Paula Brito, Marques Rebelo, Manduca da Praia, Silas, Anescar, Dona Fia, Fio Maravilha, Leônidas da Silva, Di Cavalcanti, os judeus da Praça Onze, a pomba gira cigana, a escrava Anastácia, o Cristo de Porto das Caixas, o Zé das Couves, o vendedor de mate, o apontador do bicho, o professor, o aluno, o gari, os líderes anarquistas da greve de 1919, a Banda do Corpo de Bombeiros, a torcida do Flamengo, o pó-de-arroz, a cachorrada, a nau do Almirante, o Bafo da Onça, o Cacique de Ramos, o Domingo de Ramos, a festa da Penha, a festa na lage e a cerveja criaram nesse extremo ocidente. Com baixaria na sétima corda.

A nossa maresia, conforme mestre Darcy Ribeiro ensinou, traz na asa do vento o cecê das pretas de Angola.

Abraço

Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras - RJ

Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras - RJ

O IFRJ Campus São Gonçalo prorrogou as inscrições até 14 de dezembro do Edital n° 89/2010 para o Curso de Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras.

O Curso de Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras tem como finalidade contribuir para a formação continuada dos professores e profissionais ligados à educação capazes de atuar no ensino e na pesquisa com vistas à implementação de uma política educacional que reconhece a diversidade étnico-racial do país, seguindo as determinações da lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino das histórias e culturas africanas e afro-brasileira em todos os níveis e modalidades da educação básica.

Pretende-se também contribuir na formação de profissionais autônomos e inovadores, capazes de projetar e realizar melhorias em seus campos de atuação, de propor novas metodologias e criar novas estratégias pedagógicas para a educação das relações étnico-raciais, no intuito de reduzir a distância existente entre as realidades da produção acadêmica contemporânea e do cotidiano da sala de aula.

CARACTERÍSTICAS DO CURSO
O Curso tem a duração prevista de um ano e seis meses, incluindo o tempo de elaboração da monografia, prorrogáveis, a critério do Colegiado do Curso, por mais seis meses.

A sua carga horária é de 390 horas e suas aulas serão ministradas às terças-feiras e às quintas-feiras, das 18h 30min às 22h 30min, e um sábado por mês, das 8 às 12 horas, no Campus São Gonçalo do IFRJ.

PROCESSO SELETIVO E PERIODICIDADE
O curso possui uma entrada por ano, com início no 1º semestre do ano. São oferecidas 20 vagas por turma. O processo seletivo, que é regulamentado por edital específico, ocorre em três etapas: prova escrita, análise de currículo e exposição oral. Podem participar do processo seletivo os profissionais que tenham concluído um curso de graduação, preferencialmente nas áreas relacionadas à Educação.

O início das aulas está previsto para 8 de fevereiro de 2011.

INSCRIÇÕES DE 08/11/2010 ATÉ 14/12/2010
LOCAL: Rua Dr. José Augusto Pereira dos Santos, s/nº, Neves - São Gonçalo (CIEP 436 Neusa Brizola – ao lado do DETRAN)

HORÁRIO INSCRIÇÕES: DAS 14H ÀS 20H
TAXA DE INSCRIÇÃO NO CONCURSO: R$ 70,00
VAGAS OFERECIDAS: 20 (VINTE)

O CURSO É GRATUITO, SEM COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA E MENSALIDADES

EDITAL e BIBLIOGRAFIA DISPONÍVEIS EM: http://www.ifrj.edu.br/latu.php

INFORMAÇŌES ADICIONAIS:
TELEFONE: (021) 2628-0099