quarta-feira, 30 de abril de 2008

Agostinho Neto não foi um poeta medíocre e o delírio de Agualusa

Uma grande maka acontece em Angola desde a publicação da entrevista de José Eduardo Agualusa ao Jornal Angolense, em 15 de março (o link para a entrevista está no final deste texto). Nela, o renomado escritor angolano afirma que cânones literários do seu país fizeram péssima poesia: “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre. O mesmo se pode dizer de António Cardoso ou de António Jacinto”.

A partir da estapafúrdia declaração, Agualusa vem sendo extremamente criticado pelos seus compatriotas, com razão.

Creio que Agualusa se esquece da importância histórica desempenhada pelos três poetas no período colonial de Angola, ou ignora a relevância dada pelos críticos literários e os diversos ensaios e teses acadêmicas nas universidades da Europa, Estados Unidos e Brasil. Injusta, principalmente com a obra "Sagrada Esperança", de Agostinho Neto, com poemas de reconhecimento internacional, e também o fundamental livro “Sobreviver em Tarrafal de Santiago”, de Antonio Jacinto. Será que Benjamin Abdala Junior, Russel Hamilton, Luis Kandjimbo, Carmen Lucia Tindó Secco, Rita Chaves e Laura Padilha não sabem nada de poesia? Desculpe-me, Agualusa, mas o senhor ultrapassou o aceitável. Não será com uma crítica da maneira “gosto/não gosto” que o senhor refutará as obras dos pesquisadores mencionados anteriormente.

Penso que qualquer pessoa tenha o direito de emitir sua opinião. Todavia, o que me deixou indignado foi a forma como Agualusa colocou a sua posição: simplista, sensacionalista e medíocre. No campo das idéias, a crítica deve ser séria, fundamentada e honesta, principalmente quando se trata de pessoas que não estão mais entre nós para se defender. Mas o escritor é conhecido por suas declarações bombásticas (recomendo a visita ao blog http://huambino.blogs.sapo.pt/ e a leitura do texto "Agualusa em foco"), o por quê, eu não sei. Talvez egocentrismo.
Sobre a entrevista de Agualusa, o professor Pires Laranjeira em recente artigo ao Jornal de Angola (confira a íntegra do artigo no link indicado no final do texto), afirma que:

“Agostinho Neto não é um poeta medíocre. Tudo estaria certo, e Agualusa não seria ‘incomodado’ e incomodativo, se opinasse, por exemplo, que Neto não é um poeta da sua preferência ou que, para ele, não é o poeta mais representativo de Angola. Estava no seu direito e não agredia o que quer que fosse. Porém, dizer que é um poeta medíocre só pode ser interpretado como provocação, como verdadeira tirada de mau gosto, vontade de exuberância mediática, ressabiamento político, etc.”

No decorrer do seu pensamento, Agualusa ainda comenta a respeito da fraca, na concepção dele, qualidade da literatura angolana. Para ele, “para se escrever grande poesia é preciso primeiro ler os grandes poetas universais”. Neste ponto, faço questão de citar o que escreveu o poeta e ensaísta angolano Luis Kandjimbo (abaixo link com o texto completo) ao rebater as afirmações de Agualusa:

“O que são «poetas universais»? Não existe qualquer relação de causalidade entre a leitura de tais poetas e a escrita de excelente poesia. Além disso, há aí uma confusão entre aquilo que releva da condição de simples leitor, membro de uma determinada comunidade interpretativa, e o que entra no campo da actividade dos estudiosos da literatura, porque ler os poetas do mundo ocidental pode ser apenas uma condição necessária para explicar e comentar obras num contexto institucional em que predominem constrangimentos próprios. Invocar o universal sem ter em conta a primazia do particular é uma forma tendenciosa de reconhecer a hegemonia das culturas do mundo ocidental numa lógica colonialista. O universal assim enunciado é uma autêntica armadilha, pois ignora a existência dos Africanos, por exemplo.”

Como se pode perceber, José Eduardo Agualusa foi, no mínimo, infeliz na maneira escabrosa que emitiu suas opiniões a respeito de três escritores essenciais para o desenvolvimento da literatura angolana. Agredir nomes consagrados gratuitamente como ele fez, só o desmerece como intelectual. Apesar de ter alguns bons romances como "Nação Crioula", e ser um dos mais prestigiados autores contemporâneos dos países africanos de língua portuguesa, tal condição não lhe dá o direito de menosprezar as obras de Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso.

Entretanto, assim é a Literatura. Ela não vive sem polêmicas. O melhor a fazer é revisitar ou conhecer as obras dos três poetas criticados, e reler a de José Eduardo Agualusa, inclusive.

A seguir apresento o link com a polêmica entrevista de José Eduardo Agualusa, e dois artigos, um de Pires Laranjeira e outro do poeta Luis Kandjimbo.
Todas as citações foram tiradas destes três endereços.

Agualusa, José Eduardo. Um escriba interessado pelo absurdo. Jornal Angolense, Luanda, 15/03/2008. Acessado em 29/04/2008 - http://www.jornalangolense.com/full_index.php?id=2433&edit

Kandjimbo, Luis. A tradição literária angolana e o grau zero da memória de um escritor - (A propósito da incapacidade de fundamentar um juízo de natureza estética e literária). Acessado em 30/04/2008 - http://koluki.blogspot.com/

Laranjeira, Pires. Agostinho Neto não é um poeta medíocre. Acessado em 29/04/2008 -

4 comentários:

  1. Se calhar é por você estar longe daqui (Angola) que não consegue ver o caso da Agualusa para o que é; uma caça de bruxas.

    As sucessivas e determinadas campanhas do Jornal de Angola, órgão do estado e porta-voz fiel do mpla (com o único objectivo de contrair o Agualusa, seja como for), revelam a incapacidade dos poderes em Angola enfrentarem as críticas e opiniões que lhes acham "inconvenientes".
    Inconvenientes, porque a imagem do Agostinho Neto em Angola é praticamente santificada e, de facto, manipulada; e existe em Angola uma quase-idolatria da sua figura, o que está muito relacionada com as vagas noções de "orgulho nacional" e "pátria" Angolana e, fundamentalmente, o sentimento popular de lealdade ao MPLA.

    A opinião absurda de um leitor do Jornal de Angola, que o Agualusa deveria ser responsabilizado criminalmente "por atentar contra o nome de uma figura icónica do Estado e da Nação" mostra uma forte tendência nacionalista enraizada nestes símbolos. Para mim, este comentário lembra as acções das demasiadas ditaduras do passado que perseguiriam escritores não-conformistas.

    É muito difícil perceber porque é que mais pessoas não se pronunciaram para denunciar a perseguição do Agualusa nas últimas semanas.

    Você mesmo afirma que "Apesar de ter alguns bons romances....e ser um dos mais prestigiados autores contemporâneos dos países africanos de língua portuguesa, tal condição não lhe dá o direito de menosprezar as obras de Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso."
    Não lhe dá direito? O Agualusa é um crítico literário e um dos mais proeminentes figuras Angolanas. Será que não tem direito de fazer uma crítica de um outro escritor?
    Neste sentido, então, será que é você que tem direito de menosprezar as obras do Agualusa ou de qualquer outro escritor?

    A opinião do Agualusa pode ser ou não uma com que você concorda; mas não é isto que está em jogo.
    É um simples caso da luta para a liberdade de expressão, e a historia julgará os inimigos deste direito.

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  2. Sr. Anônimo,
    Dentro do campo literário, Agualusa fez uma crítica pessoal aos poetas citados. Provavelmente pela relação dos três com MPLA, do qual Agualusa é opositor e já demonstrou tal posição no seu livro “Estação das Chuvas”. Porém, a questão tratada por mim foi a maneira pueril como se expressou, por conseguinte, rasgando a própria história da literatura angolana e destratando alguns dos seus principais pilares.
    Escrevi no texto: “Penso que qualquer pessoa tenha o direito de emitir sua opinião”. Talvez a emoção não tenha deixado-o perceber.

    Conhecendo a qualidade literária de Agualusa, surpreendeu-me a postura adotada por ele, e custo a acreditar que ele realmente pense aquilo. E acho sim, que ele tem todo o direito de emitir a sua opinião, como o sr. tem e eu também. Por isto, considero exageradas as declarações de que o escritor deve responder criminalmente, como solicitou João Pinto em http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=81446 .

    Reafirmo, Agualusa escreveu bons romances. Cito outro: “As mulheres de meu pai”; e também já li obras abomináveis como “O ano em que Zumbi tomou o Rio” e “Um estranho em Goa”.

    Vejo com pesar um escritor da envergadura de Agualusa desmerecer autores que apresentam forte comprometimento ético e político-ideológico, esquecendo que determinadas obras somente são melhores compreendidas em seu contexto social e histórico. Em defesa deste ponto de vista, Octávio Paz, no ensaio “A consagração do instante”, diz que:

    "Como toda criação humana, o poema é um produto histórico, filho de um tempo e de um lugar; mas também é algo que transcende o histórico e se situa em um tempo anterior a toda história, no princípio do princípio. Antes da história, mas não fora dela. Antes, por ser realidade arquetípica, impossível de datar, começo absoluto, tempo total e auto-suficiente. Dentro da história – e ainda mais: história – porque só vive encarnado, reengendrando-se, repetindo-se no instante de comunhão poética. (...) o poema é histórico de duas maneiras: a primeira, como produto social; a segunda, como criação que transcende o histórico mas que, para ser efetivamente, necessita encarnar-se de novo na história e repetir-se entre os homens." (PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1972. pp. 53-54)

    As obras de Neto, Jacinto e Cardoso enquadram-se no contexto histórico de afirmação da angolanidade, e não será com uma declaração típica de um miúdo que Agualusa desbancará a relevância poética dos três autores.

    Obrigado pelo comentário. Um abraço,
    Riso

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  3. Caro Ricardo,
    Obrigada pela resposta.

    De facto, nao concordo com o Agualusa, e nao acho o Agostinho Neto um poeta mediocre. No contexto histórico, da luta anti-colonial, do negritude, do desenvolvimento do angolanidade, a poesia do Neto, Jacinto e Cardoso e outros tem um papel importante. Mas nem por isso que não possa ser sujeita ao criticismo.

    O problema, em Angola, e que nao se trata dum debate literário our académico, em que se analisa a poesia do neto num contexto literário, politico, histórico ou social.
    Trata-se, pelo contrario, de uma campanha contra um escritor Angolano que tinha a ousadia de exprimir uma opinião que contraia o culto de personalidade que há por volta da figura do Agostinho Neto e do próprio MPLA.

    Você diz que tudo mundo tem direito a uma opinião, mas depois implica que o Agualusa não tem direito a dele.
    Aparentemente e precisamente esta a posição do Jornal de Angola e outros, que não conseguiram abordar a questão no devido contexto.

    Abraco

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  4. Se a intenção de Agualusa era combater o culto à personalidade e ao MPLA, seria prudente que não atingisse o campo literário. Creio que o equívoco de Agualusa foi deixar transparecer a sua antipatia ao MPLA e suas figuras históricas, foi não separar a vida política dos autores e a qualidade literária dos seus trabalhos. Posição clara para quem já leu “Estação das Chuvas”, depreende a preferência literária de Agualusa pelo ótimo e fundamental poeta Viriato da Cruz, e sua discordância com o partido.

    As críticas aos cânones literários e ao MPLA devem ser feitas, sempre. Mas toda a crítica deve ser elaborada para que tenha algum proveito. Penso que não será com aquela atitude que Agualusa contribuirá para o avanço do debate em Angola e fazer com que os simpatizantes ao MPLA questionem suas posições. Infelizmente, agindo assim, Agualusa só acirra as diferenças. Talvez seja somente isto que ele queira.

    Novamente, Anônimo, o senhor acusa-me de não conceder o direito à opinião a Agualusa. Em nenhum momento o senhor encontrará isto no meu texto e na primeira resposta a sua postagem. Peço para que tenha maior atenção no que escrevo, pois o fato de não concordar com a opinião de alguém, como aconteceu na polêmica levantada pelo escritor, está longe de reprimi-la e silenciá-la.

    Obrigado! Um abraço,
    Riso

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