segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Gonçalo Ivo, João Magalhães e Paulo Pasta: a produção pictórica brasileira no século XXI



Três artistas brasileiros com trabalhos recentes e exposições em andamento, no Rio de Janeiro, reafirmam que a pintura ainda resiste à ordem estabelecida pelos meios da arte contemporânea, valorizador das performances, objetos, vídeo-instalações e intervenções, pois, há tempos, vivenciamos o predomínio do efêmero, perecível e conceitual.

Entretanto, João Magalhães no Museu de Arte Moderna/MAM, Gonçalo Ivo no Museu Nacional de Belas Artes/MNBA e Paulo Pasta no Centro Cultural Banco do Brasil/CCBB, mostram-nos, por diferentes trajetórias pictóricas, que a pintura resiste, renova-se e segue em frente, ora buscando novas possibilidades, ora relendo o passado da arte.

Com curadoria de Ronaldo Brito, as 40 obras criadas a partir de 2004, sendo a maioria em grande formato, dentre elas 20 inéditas, Paulo Pasta surpreende-nos pela concisão de elementos, cores harmoniosas sem agredir o olhar do espectador. Muito pelo contrário, exigem sim, cuidadosa e paciente atenção diante das nuanças de cores, das formas verticais e horizontais, as cruzes e vigas como salientou Ronaldo Brito em folder da mostra. São pinturas rigorosas em sua confecção, suaves e líricas de alguém que domina a cor como poucos. Sendo que esta se apresenta sem o excesso visual dos tempos atuais. Ponto para Paulo Pasta.

Ao dialogar com a tradição construtiva da arte internacional e com a nossa raiz concreta, pois estão lá as garrafas de Morandi, Mondrian, Alfredo Volpi e, por que não?, Mark Rothko, as pinturas de Paulo Pasta convidam-nos ao silêncio, à contemplação do simples, do cotidiano, do cândido. De acordo com Ronaldo Brito:

“Tudo menos exibicionistas, as pinturas de Paulo Pasta apresentam-se agora decididas, frontais, coextensivas à superfície do mundo. E cumprem aí, eu diria, uma função de higiene estética: em meio a tanto lixo, tanta banalidade e venalidade, nada mais saudável do que a visão de coisas puras, isto é, coisas que se empenham ao máximo em ser exatamente o que são.”

Grandes e intensos coloristas ajudaram e ajudam a sedimentar a pintura brasileira. Alfredo Volpi, Iberê Camargo, Luíz Áquila e Jorge Guinle são alguns ótimos exemplos da nossa tradição pictórica. Surgido nos anos 1980, independente a grupos como a Geração 80 carioca e ao Casa 7 paulistano, grupos que retomaram a pintura com a força que ela sempre mostrou, o artista carioca Gonçalo Ivo (http://www.goncaloivo.com.br/), filho do escritor Ledo Ivo, confirma o seu nome entre os maiores artistas do país com a exposição A cor-espaço.

Extremo colorista, o excesso em suas telas nunca é demais. Pintura paradoxal sim, entretanto, pintura exaustivamente estudada, com rigoroso valor estético fruto de profundas pesquisas da história da arte. Gonçalo Ivo passeia por diversas tradições pictóricas, com cores exuberantes, fortes, agressivas, todavia, líricas, delicadas, sensuais em telas de grande formato que dialogam com a linha construtiva da arte, assim como, e principalmente, com a arte geométrica africana, de totens a capulanas, à qual Gonçalo Ivo estuda e reler há anos.

Ao enveredar por caminhos fora do suporte tradicional da pintura, no caso, a tela, Ivo arrisca-se com sucesso em pedaços de madeira e objetos para sua pintura, questionando os limites impostos pela arte européia.

Vemos em suas obras, além dos artistas citados, George Braque e, claro, Henri Matisse. Uma exposição obrigatória para contemplarmos as obras de um consistente e criativo artista de sua geração. Uma exposição de Gonçalo Ivo é sempre uma aula de pintura... uma aula da história da pintura.

João Magalhães, meu ex-professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, apresenta, no MAM, um conjunto de pinturas que rejeitam “terminantemente qualquer recurso de sedução que a pintura possa oferecer”, segundo o curador Reynaldo Roels. O que não é novidade para quem conhece a trajetória pictórica de João Magalhães e o seu rigoroso método de ensino nas aulas do Parque Lage.

Telas em grande formato com domínio da cor preta, assim são suas novas obras, em que a rara presença de outras cores não interfere nos trabalhos, tornando-se quase que imperceptíveis. Inquietantes, questionadoras para quem as visualiza, “brutalista” como denominou Frederico Morais em e-mail de divulgação da exposição, neste ponto sinto que sua obra se aproxima do espanhol Antoni Tapies. Com parcos elementos, João Magalhães segue a sua máxima de problematizar as “possibilidades da pintura, usando os meios da própria pintura”. Uma questão que sempre permeou as suas aulas e sempre me angustiou enquanto fui seu aluno.

Experimental, João arrisca-se em caminhos tortuosos, limítrofes. Em várias obras expostas, as relações com os limites do suporte são trabalhadas e estudadas, tornando-se, em muitos casos, os momentos de maior tensão. O exemplo maior é o diálogo proposto com o importante nome da Action Painting americana, Barnett Newman, no trabalho intitulado “Who’s affraid Barnett Newman?”.

Segundo Reynaldo Roels, em catálogo da mostra:

“Desde o início de sua trajetória, nos anos 80, João Magalhães, recusou o fascínio que o meio permite e enfrentou o ato da pintura da forma mais difícil. Agora, continuando a rejeitar a facilidade, elas apresentam uma aparente aridez que, de fato, nada mais é do que a honestidade, o enfrentamento direto e explícito de alguns dos problemas mais básicos que a pintura oferece tanto ao fazer quanto ao olhar.”

Concluindo, são três ótimas e diversificadas exposições, demonstrando o caráter dinâmico e questionador da pintura produzida no Brasil, por três legítimos representantes: Gonçalo Ivo, João Magalhães e Paulo Pasta.

Ricardo Riso

GONÇALO IVO – A cor/espaço
Museu Nacional de Belas Artes. Cinelândia: av. Rio Branco, 199, entrada pela rua Araujo Porto Alegre, tels. (21) 2240-0068 / 0160. Ter. a sex., 10h/18h; sáb. e dom., 12h/17h. R$ 5. Grátis aos domingos. Até 26 de agosto.
www.mnba.gov.br

JOÃO MAGALHÃES – Beleza Bruta
Museu de Arte Moderna. Parque do Flamengo: av. Infante Dom Henrique, 85, tels. (21) 2240-4944 / 4924. Ter. a sex., 12h/18h; sáb., dom. e fer., 12h/19h. R$ 5 e R$ 2 (estudantes e maiores de 60 anos). Grátis para crianças de até 12 anos. Aos domingos, ingresso-família a R$ 5 por grupo. Até 5 de outubro.
www.mamrio.org.br

PAULO PASTA
Centro Cultural Banco do Brasil. Centro: Rua Primeiro de Março, 66/1º andar – Rio de Janeiro/RJ. Tel: 21-3808-2020 Grátis. Até 21 de setembro
www.bb.com.br/cultura

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