sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O desafio do escombro - nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da Guiné-Bissau


O DESAFIO DO ESCOMBRO
NAÇÃO, IDENTIDADES E PÓS-COLONIALISMO
NA LITERATURA DA GUINÉ-BISSAU

MOEMA PARENTE AUGEL
Garamond Universitária
2007

LITERATURA AFRICANA, TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA
*Informações gentilmente cedidas pela Profa. Dra. Moema Parente Augel, em e-mail do dia 25/09/2006.

Moema Parente Augel nos presenteia, agora, com seu belo e consistente ensaio O desafio do escombro: nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da Guiné Bissau, na origem sua tese de doutoramento. Desde o título, a autora nos leva a nós, seus leitores, a ler, conforme nos ensina Barthes, “levantando a cabeça”, para, cúmplices de seu gesto crítico, desafiarmos os próprios escombros com os quais, como sujeitos culturais de países ditos periféricos, temos de nos confrontar a cada passo.
Muito embora o objeto do olhar de Moema seja a literatura da Guiné Bissau, literatura esta sobre a qual, de modo lúcido e percuciente, se debruça desde suas primeiras manifestações até a contemporaneidade, percebe-se que a obra ultrapassa seu próprio objeto, ao se fazer um espaço de reflexão sobre três questões básicas que mobilizam a todos nós, ou seja: “nação, identidades e pós-colonialismo”. Por esse motivo, o ensaio vai além de seu objetivo primeiro – muito importante, aliás, já que há poucas obras sobre a literatura guineense – para alargar-se e nos ajudar a entender melhor as questões mais cruciais de nosso tempo, marcado pela globalização e pela pulsão neoliberalizante, ambas instrumentos impositivos que achatam as diferenças e reforçam as hegemonias ainda hoje infelizmente vigentes. Somos levados, pela voz crítica da estudiosa, a repensar como se faz doloroso o adiamento dos sonhos e como continua a fazer sentido a luta por reforçarmos as nossas faces identitárias, mesmo que seja no espaço da obra literária, seguindo o exemplo dos escritores cujas obras são por ela lidas e analisadas de modo apaixonado, sem que se abandone o rigor científico.
Percorrendo O desafio do escombro, vemos surgir, frente aos nossos olhos, a Guiné Bissau, rasurando-se o desconhecimento de muitos de nós sobre essa nação africana, nossa irmã na frátria da língua portuguesa. Deparamo-nos, assim, com a geografia física e humana do país, surpreendida nos traços que a definem; nos sujeitos humanos que a compõem; nas estórias, cantos e contos que habitam o imaginário dos seus povos resgatados em sua multiplicidade lingüística e cultural de base. Tudo se projeta no espelho do texto crítico, pela leitura cúmplice, rigorosa e apaixonada de Moema Parente Augel, que tenta, por ela, leitura, como propõe Schneider, “recobrir o mais possível a escritura” que a mobiliza. Com certeza a Guiné Bissau lhe agradecerá por seu gesto amoroso e solidário e o leitor atento também a ela agradecerá por lhe propiciar o reconhecimento de seu próprio jogo especular identitário.
Laura Cavalcante Padilha

Moema Parente Augel
O DESAFIO DO ESCOMBRO. Nação, identidades, pós-colonialismo na literatura da Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, 422 p.

O DESAFIO DO ESCOMBRO é um estudo pioneiro de Moema Parente Augel que trata da literatura contemporânea da Guiné-Bissau, numa abordagem plural à luz dos Estudos Culturais, cruzando conhecimentos e questionamentos sobre ancestralidades, identidades e resistências culturais às velhas e novas formas de colonialismo. A autora, neste ensaio lúcido e consistente, acompanha os diversos momentos da poesia e da prosa guineenses, enquanto espaço de projeção identitária, detectando o papel que assumem seus escritores que, desconstruindo a história hegemônica, se empenham na afirmação da nacionalidade, através das representações simbólicas que fazem a singularidade dessa literatura quase desconhecida, mesmo do público de língua portuguesa.

A conjuntura literária da Guiné-Bissau dos anos 90 em diante é decididamente marcada pela força da dicção de Abdulai Sila e o tratamento do inverso em Mistida; pela recuperação da memória ancestral no cantopoema de Odete Semedo No fundo do canto; pelo acerto de contas de Filinto de Barros com os “Comandantes” e a visão dos esquecidos em Kikia Matcho; pelo riso irônico, divertido e participante das crônicas de Carlos Lopes em Corte Geral, assim como pela multifacetada busca identitária e pela afirmação da diferença nos poemas de Tony Tcheka, Félix Sigá, Huco Monteiro, Respício Nuno, entre outros.

Moema Parente Augel, em O DESAFIO DO ESCOMBRO, analisa e apresenta esses autores e seus textos descolonizados, onde os ecos da opressão colonial e seus prolongamentos transparecem no tecido literário, interligando as práticas de resistência e recuperação da história à arquitetação do futuro. A obra ressalta como esses escritores partem dos destroços de uma utopia em ruínas, promovendo o ressarcimento da auto-estima e do respeito; lutam contra a anulação cultural do acervo simbólico tradicional e a homogeneização redutora das diferenças que constituem a especificidade guineense; apontam pistas para a revivência do espírito identitário da comunidade nacional. Elevando suas vozes testemunhais, reabilitam a história dos vencidos e plasmam, com seus textos, a representação simbólica de uma comunidade de destino, de história e de cultura: a Guiné-Bissau;

Nota sobre a autora:
Moema Parente Augel é Licenciada em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), Mestra em Ciências Humanas pela mesma Universidade e Doutora em Literaturas Africanas pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Radicada na Alemanha, foi professora de Português e Cultura Brasileira nas Universidades de Bielefeld e Hamburgo, encontrando-se aposentada desde 2006. Dedica-se há décadas à literatura afrobrasileira e à literatura guineense. Tendo vivido na Guiné-Bissau entre 1992 e 1998, vem publicando uma série de estudos a respeito, destacando-se a Nova Literatura da Guiné-Bissau ((Bissau: INEP, 1998, 466 p.). Outras publicações: Ora di kanta tchiga. José Carlos Schwarz e o Cobiana Djazz (1997); Schwarze Prosa. Prosa Negra. Afrobrasilianische Erzählungen der Gegenwart. (1992); Schwarze Poesie. Poesia Negra. Afrobrasilianische Dichtung der Gegenwart (1988, 1988².); Visitantes estrangeiros na Bahia oitocentista (1980).


MOEMA PARENTE AUGEL
O DESAFIO DO ESCOMBRO - NAÇÃO, IDENTIDADES e PÓS-COLONIALISMO NA LITERATURA DA GUINÉ-BISSAU

RESUMO

AUGEL, Moema Parente. O desafio do escombro: nação, identidades, pós-colonialismo na literatura da Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2007.

A busca identitária na África como nas Américas, se quiser escapar da autocolonização, terá forçosamente que encontrar definições face ao violento processo de anulação das diferenças e das especificidades culturais vivenciadas pelos novos estados.
Os autores guineenses, com seus textos descolonizados, a partir tanto da recuperação da memória ancestral pelo jogo intertextual com as tradições, quanto pela desconstrução e reterritorialização da herança colonial prolongada pelo neocolonialismo e pelo autocolonialismo, representam uma resposta e uma reação, no nível da fabulação e da apropriação simbólica, à dependência dos parâmetros ocidentais e hegemônicos.

A literatura guineense oferece fecundos elementos para uma reflexão sobre a identidade nacional e acerca de como o discurso estético-literário nos contempla com construções de significados de nacionalidade que substituem, ou podem pelo menos substituir, a falência (e a falácia) do discurso ufanista, autocelebrante do poder autoritário, ainda ancorado nas glórias das lutas libertárias.
A força da dicção de Abdulai Sila em Mistida, o brado de Odete Semedo em No fundo do canto, o acerto de contas de Filinto de Barros em Kikia Matcho, as crônicas divertidas e irônicas de Carlos Lopes, assim como os poemas de Huco Monteiro, Respício Nuno, Félix Sigá ou Tony Tcheka, entre outros, marcam a conjuntura literária da Guiné-Bissau dos anos 90 em diante e mudam os contornos da figuração da identidade nacional, neste momento em que as promessas já nada dizem nem nada representam.

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