sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Filinto Elísio - alguns poemas, Das frutas serenadas

Alguns poemas do livro Das frutas serenadas (Praia: IBNL, 2007), daquele que considero o grande nome da atual literatura cabo-verdiana, Filinto Elísio.

Ricardo Riso




Das serenadas. Mito.

3

As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.

Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Sílabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.

De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémenes, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.

Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas.

(p. 21)


Das frutas noite e dia




(Reabre-se o pano: Eis que frutal e louco,
ele entra em cena para fazer o madrigal.
Imagina-se o diálogo das frutas entrelaçadas no cesto.
Mais arfantes do que plásticas, elas se permitem à fala)

Solfejo no gosto de pitanga o acordar contigo
O arfar fruído, quando não tão-só flutuante
- e há de o sol descrever seu arco no diurno -,
Em que as horas soluçantes se perdem…

Dou graças ao cajá e à fruta-do-conde, a terra,
O vento, a água, o ar e o arfante deste animal,
Medusa, como dizes, que petrificas de olhar,
Para além das cobras do teu “dread”…

Cai a noite e, de brumosa tocatina, dançam
Os pés que, embebidos no teu pântano, és tu
Virada pelo avesso, manga rosa e seu reverso…

E quando, em carnuda, me mordem os lábios,
desfeito em rosa manga, de laço e de caroço, eu
amanheço, resinado e pura fruta, nesse leito…

(p. 33)


O que a eternidade ora me concede

Grutas, lapas e concavidades, esse escuro,
Esse estágio de contra-luz, lábios & gretas,
Presságios, loucuras, tantas elucubrações,
Excertos de nada, de tudo e de todos, em mim...

Lagos, lagoas e águas, barcos pelos espelhos,
Meus labirintos e rincões, recifes e outros mares,
As espumam que chalaçam natais, os reveillons
Do tremeluzir das velas frágeis – frias e frágeis...

Estatuas que não contam palavras e beijos,
Nem dizem ao crepúsculo vasto e violeta, o sol
A ser ali solfejo, aqui regaço, em todo o momento...

E o mais é molhares-me desse viscoso, o sereno
Serpentear das coisas em denodo, seres tu,
Fêmea fugaz, que a eternidade ora me concede...

(p. 39)


Esse mar revisitado




(A palavra mar morreu há muito.
Esse mar, quem sentiu mar?
Mas tu, de acreditares em fénix e
nas cinzas dos caminhos, profanas.
Impiamente, profanas esta quietude)


Quando pronuncias a palavra mar
Este ilhéu diante de ti se liquefaz
E vira ele próprio metáfora e parte
Como onda para o abraço das terras...

Só de o teres ementado, os peixes
Saltitam no assombro das pedras
E as sereias saem, loucas das lendas,
E aproximam-se ao cio das marés...

As algas, limos, areias, espumas -, tudo
Soletra-lhe ali em maresia e de tão longe
Estará ele navio na solidão do mundo...

Nesse surrealismo tão bizarro e vão
Quão poemas de longe e de saudade
De repente, substantivos de quem os ouve...

(p. 48)

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