quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mestre Didi - exposição no Museu Afro-Brasil

quarta-feira, 13 de maio de 2009, 10:07 Online
Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,a-arte-do-sagrado-por-um-sacerdote-contemporaneo,370146,0.htm

A arte do sagrado por um sacerdote contemporâneo
Aos 92 anos, Mestre Didi abre exposição individual com meia centena de esculturas no Museu Afro Brasil

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao lado de uma antiga escultura dos anos 1960, que não via há anos, o escultor baiano Deoscoredes Maximiliano dos Santos dá os últimos retoques na exposição individual Mestre Didi: O Escultor do Sagrado, que o Museu Afro Brasil abre hoje, à 19 h. Os dois personagens, Deoscoredes e Didi, são o mesmo diante da obra que hoje, pelo léxico contemporâneo, seria chamada de "instalação". Não é. Trata-se de uma representação religiosa do ciclo existencial em que uma figura carrega o mundo nas costas e uma montanha vira o território dos mortos, base em que estão assentados todos os ancestrais, guardados pelo orixá Onilé, a Terra-Mãe, princípio e representação coletiva dos Egungun, cultuados por Mestre Didi. Assim como Onilé escondeu-se sob a terra quando Olorun, o dono do céu, reuniu os orixás para dividir o poder sobre a criação, Mestre Didi pronuncia apenas o nome da divindade para logo em seguida dispensar o repórter e encaminhá-lo à mulher, Juana Elbein, ou Juanita, como chama carinhosamente a antropóloga argentina com quem é casado há 43 anos, sua porta-voz.

Mestre Didi é um artista religioso, sacerdote do culto aos ancestrais Egungun. Por ser interlocutor entre vivos e mortos, Mestre Didi não está autorizado a falar fora do recinto religioso. Então, limita-se a declinar os nomes das divindades para logo em seguida esconder-se, afastar-se discretamente, seguindo o exemplo de Onilé. Tudo para que suas palavras não sejam deturpadas. Afinal, os orixás a quem presta culto, de Obaluaiê a Ossain, passando por Exu, poderiam ficar zangados se alguma palavra errada saísse de sua boca.

No entanto, para gostar da mostra, não é preciso conhecer os cultos ancestrais afro-brasileiros ou o significado da meia centena de esculturas reunidas pelo curador da exposição e fundador do Museu Afro Brasil, o também escultor Emanoel Araújo. Embora não tenha a autonomia formal de uma escultura de Picasso, que se inspirou na arte africana mas não era religioso, a obra de Mestre Didi pode - mas não deve - ser apreciada como um mero exercício de composição estética. Juanita lembra que foi exatamente a "instalação" que ocupa o centro da exposição - a escultura de Onilé - a responsável pelo encontro com o futuro marido, em 1965. Pesquisadora de uma universidade americana, ela estava com os olhos cheios da arte pop de Warhol quando, estudiosa dos cultos aos mortos, viu e ficou impressionada com o primeiro xaxará (espécie de bastonete, emblema de obaluaiê) esculpido por Didi. Foi uma revelação que não exigiu conhecimento prévio dos códigos simbólicos em que os pássaros são representações de Ossain, o rei das matas, e as serpentes tomam o lugar de Oxumaré, entidade que participou da criação do mundo, enrolando-se na Terra e dando forma ao mundo.

Na exposição estão reunidas obras que prestam reverência aos ancestrais e respeitam as relações míticas sem desprezar o olhar dos vivos - e é conveniente lembrar que, para os primeiros habitantes do planeta, não havia distinção entre o mundo natural e sobrenatural. "Acho que Didi é contemporâneo, no sentido de realizar uma arte subjetiva por um viés afro-brasileiro", define Juanita, lembrando que ele não tem discípulos, como tiveram líderes da vanguarda artística histórica. Seria preciso, talvez, que esses se libertassem das ideologias que deformaram a civilização africana e se curvassem aos ensinamentos ancestrais para construir algo além de uma imitação da arte de mestre Didi, presente em museus internacionais e homenageado na 23ª Bienal Internacional de São Paulo com uma sala especial.

O legado dessa africanidade, reprimida pelo desprezo pós-colonial, começou a ser valorizado, segundo a mulher de mestre Didi, por iniciativas como a do Museu Afro-Brasil, erguido por Emanoel Araújo. "O Brasil não se conhece e, assim, o museu cumpre o papel de mostrar outros aspectos de uma cultura incapaz de incorporar a diversidade brasileira", diz, diante de uma obra em homenagem a Ossain.


Mestre Didi. Museu Afro Brasil. Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 3, Parque do Ibirapuera, 5579- 0593. 10 h/18 h (fecha 2.ª). Grátis. Até 10/7. Abertura hoje, 19 h, para convidados

ARTISTA DESPERTA DISCUSSÃO SOBRE LEGADO AFRICANO

VISIONÁRIO: Iniciado no culto dos orixás, Mestre Didi foi incumbido de reverenciar os ancestrais, preservando o panteão nagô. Fez mais que isso. Apontou um novo caminho para a arte contemporânea brasileira, seguido até agora por poucos artistas - entre eles Rubem Valentim (1922-1991) - e, se não fala sobre sua atividade, é mais por "pudor ontológico", para usar uma expressão do filósofo Muniz Sodré, do que por não ter o que dizer.

Seria bom ouvir dele as histórias que sua mulher Juanita conta sobre o uso de materiais como búzios, palha da costa, contas, cabaças e as nervuras de palmas de palmeiras em obras totêmicas, como a réplica da escultura Cetro da Ancestralidade, instalada logo à entrada da mostra. A obra original foi erguida em 2001 no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, e feita em bronze para resistir ao tempo.

De qualquer modo, quando o catálogo geral de Mestre Didi estiver pronto, o mundo da arte saberá a razão de ele ter dedicado esculturas em cimento e barro a exus e ter confeccionado representações de outras entidades em outros materiais. Juanita revela que seis livros sobre Mestre Didi estão prontos para ser publicados, dependendo apenas do apoio da nova lei de incentivo que o Ministério da Cultura deve brevemente anunciar. O inventário do acervo de Mestre Didi já levantou o histórico de mais de 400 esculturas, segundo a antropóloga. O artista é também autor de vários livros, entre eles um dicionário português-ioruba.

2 comentários:

  1. Olá
    fui no Sabado passado ver a exposição do fantástico Mestre Didi e como sempre fiquei encantado com o seu maravilhoso trabalho. Uma pena que o Museu Afro tenha uma divulgação tão precária e a visitação seja muito pequena diante de tão importantes exposições sobre esta parte de nossa cultura.
    Que bom que pessoas como vc se prestam a complementar esta tarefa...

    Um abraço
    e obrigado.

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  2. Olá!
    O trabalho desenvolvido pelo Emmanoel Araújo é fantástico! O Museu Afro é uma iniciativa bela, de resistência e de grandiosa contribuição à cultura brasileira. Aqui no blog ele terá sempre espaço.
    Obrigado pelo comentário!
    Abraços,
    Ricardo

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