Prezados(as),
As imagens a seguir são do jornal A NAÇÃO, de Cabo Verde, Nº116 DE 19 DE NOVEMBRO DE 2009. Nesta edição, na página 14, encontra-se minha resenha crítica: Arménio Vieira – o poeta que não se corrompe.
Para quem quiser conferir a versão em .pdf do jornal, basta deixar um recado em qualquer texto do blog ou enviar e-mail para risoatelie@gmail.com
Abraços,
Ricardo Riso
As imagens a seguir são do jornal A NAÇÃO, de Cabo Verde, Nº116 DE 19 DE NOVEMBRO DE 2009. Nesta edição, na página 14, encontra-se minha resenha crítica: Arménio Vieira – o poeta que não se corrompe.
Para quem quiser conferir a versão em .pdf do jornal, basta deixar um recado em qualquer texto do blog ou enviar e-mail para risoatelie@gmail.com
Abraços,
Ricardo Riso
Arménio Vieira – o poeta que não se corrompe
Por Ricardo RisoA literatura de Cabo Verde recebeu um reconhecimento internacional que há muito lhe era devido com o merecido Prêmio Camões ao escritor Arménio Vieira, detentor de uma obra escassa, dispersa, multifacetada e de altíssima qualidade.
Escreveu quatro livros, dois de poemas, “Poemas” (trechos citados são deste livro) e “Mitografias, e dois romances, “O eleito do sol” e “No inferno”, além de textos publicados em revistas como "Fragmentos" e "Vértice", sobretudo, em Cabo Verde.
Vieira nasceu na Praia, ilha de Santiago, em 29/01/1941. Surgiu na geração dos anos 1960, tendo participado do histórico suplemento Seló (1962). Pelo seu envolvimento na luta de libertação amargou dois anos de clausura nas cadeias da PIDE. Talvez por isso a opção por um sujeito lírico transfigurado em “touro onírico”, irônico, irreverente, libertário, indignado com os desvios éticos de seus contemporâneos: “e lá no alto, rente ao tecto / fazer chichi na presunção / de tantas bestas juntas / santos beatos e jumentos” (p. 37).
O “poeta de vento sem tempo” se compara a um gato: “o espírito de um gato / é como o canto de um poeta / – não atende nem escuta / a ordem de ninguém” (p. 30). Compromissado com seus valores e com o fazer poético, versa: “ser poeta a sério / implica uma espécie de suicídio” (p. 106). Com isso, temos um ilimitado e criativo mundo: “é pela metaforização do discurso / que se salva o pensamento” (p. 9).
Sua poesia é de forte cariz existencial, metafísico e metapoético. Na década 1970, o cantalutismo predomina e o sujeito lírico indaga seus pares com questões de liberdade existencial, como em “Didáctica Inconseguida”: “ensino-te caminhos / que não passam pela porta de ninguém / e dizes que sou louco” (p. 59).
Rompimento estético assumido e a própria dificuldade do fazer poético é desnudada em “Canto final ou agonia de uma noite infecunda” em que “a flor desfeita / não embala o coração do poeta” (p. 69). Logo, imagens corrosivas ilustram a agonia de pertencer a um “tempo devassado por insectos cor de cinza / A voz suspensa e negada / cede a vez à letra amorfa / inscrita no silêncio / Com seu peso de chumbo e olvido / acaba o poema / e um ponto final selando tudo” (p. 70).
Uma característica marcante é o uso inventivo da metalinguagem, além do seu profundo conhecimento dos cânones literários ocidentais. O sujeito lírico apropria-se da literatura grega e dos mitos greco-latinos em imagens irônicas e inusitadas, como em “Fábula de Esopo”:
Um touro, ignorante de cabeça,
mas rijo de couro e carcaça,
quis ser elefante
Engoliu vento, inflou...
e já feito imenso balão
(de meter medo à selva e ao leão)
deu um estouro e tombou
(...)
(p. 33)
Apesar do existencialismo, encontra-se a denúncia das desigualdades de seu tempo: “o tempo que perdemos atrás dos mortos / sem nunca pensarmos nos mortos que somos” (p. 27). Revolta-se com a crueldade humana: “Na face / de certos homens / tanta vez / um retrato / a plena luz / de cão perfeito / e feroz / (até espanta / não ladrarem)” (p. 31), e beira o sarcasmo em “Caviar, champanhe & fantasia” ao citar a esplanada da Cidade da Praia que “seria um oásis magnífico e fresco (...) / teria um leite mais branco / e clientes catitas e empregadas bonitas / e baixaria para uma média razoável o número de pedintes / (...) e haveria por certo uma clínica ali perto / e remédios para tudo (até para os males sem cura)” (p. 46).
Vieira apresenta uma poesia atemporal, cabo-verdiana e universal, atenta e indignada aos problemas do cotidiano e das incoerências humanas, inquietante em suas indagações existenciais e experiências estéticas. Ela é irônica, sarcástica e corrosiva. Intensa criatividade nas ressignificações das mitologias greco-romanas, nas apropriações dos cânones literários ocidentais. Vieira é coerente e fiel a sua obra, conseguindo extrair de um mundo infestado por decepções e desconforto matéria para tecer uma poesia cuidadosa, sutil e bela. Arménio Vieira, um poeta que jamais se corrompeu!
Escreveu quatro livros, dois de poemas, “Poemas” (trechos citados são deste livro) e “Mitografias, e dois romances, “O eleito do sol” e “No inferno”, além de textos publicados em revistas como "Fragmentos" e "Vértice", sobretudo, em Cabo Verde.
Vieira nasceu na Praia, ilha de Santiago, em 29/01/1941. Surgiu na geração dos anos 1960, tendo participado do histórico suplemento Seló (1962). Pelo seu envolvimento na luta de libertação amargou dois anos de clausura nas cadeias da PIDE. Talvez por isso a opção por um sujeito lírico transfigurado em “touro onírico”, irônico, irreverente, libertário, indignado com os desvios éticos de seus contemporâneos: “e lá no alto, rente ao tecto / fazer chichi na presunção / de tantas bestas juntas / santos beatos e jumentos” (p. 37).
O “poeta de vento sem tempo” se compara a um gato: “o espírito de um gato / é como o canto de um poeta / – não atende nem escuta / a ordem de ninguém” (p. 30). Compromissado com seus valores e com o fazer poético, versa: “ser poeta a sério / implica uma espécie de suicídio” (p. 106). Com isso, temos um ilimitado e criativo mundo: “é pela metaforização do discurso / que se salva o pensamento” (p. 9).
Sua poesia é de forte cariz existencial, metafísico e metapoético. Na década 1970, o cantalutismo predomina e o sujeito lírico indaga seus pares com questões de liberdade existencial, como em “Didáctica Inconseguida”: “ensino-te caminhos / que não passam pela porta de ninguém / e dizes que sou louco” (p. 59).
Rompimento estético assumido e a própria dificuldade do fazer poético é desnudada em “Canto final ou agonia de uma noite infecunda” em que “a flor desfeita / não embala o coração do poeta” (p. 69). Logo, imagens corrosivas ilustram a agonia de pertencer a um “tempo devassado por insectos cor de cinza / A voz suspensa e negada / cede a vez à letra amorfa / inscrita no silêncio / Com seu peso de chumbo e olvido / acaba o poema / e um ponto final selando tudo” (p. 70).
Uma característica marcante é o uso inventivo da metalinguagem, além do seu profundo conhecimento dos cânones literários ocidentais. O sujeito lírico apropria-se da literatura grega e dos mitos greco-latinos em imagens irônicas e inusitadas, como em “Fábula de Esopo”:
Um touro, ignorante de cabeça,
mas rijo de couro e carcaça,
quis ser elefante
Engoliu vento, inflou...
e já feito imenso balão
(de meter medo à selva e ao leão)
deu um estouro e tombou
(...)
(p. 33)
Apesar do existencialismo, encontra-se a denúncia das desigualdades de seu tempo: “o tempo que perdemos atrás dos mortos / sem nunca pensarmos nos mortos que somos” (p. 27). Revolta-se com a crueldade humana: “Na face / de certos homens / tanta vez / um retrato / a plena luz / de cão perfeito / e feroz / (até espanta / não ladrarem)” (p. 31), e beira o sarcasmo em “Caviar, champanhe & fantasia” ao citar a esplanada da Cidade da Praia que “seria um oásis magnífico e fresco (...) / teria um leite mais branco / e clientes catitas e empregadas bonitas / e baixaria para uma média razoável o número de pedintes / (...) e haveria por certo uma clínica ali perto / e remédios para tudo (até para os males sem cura)” (p. 46).
Vieira apresenta uma poesia atemporal, cabo-verdiana e universal, atenta e indignada aos problemas do cotidiano e das incoerências humanas, inquietante em suas indagações existenciais e experiências estéticas. Ela é irônica, sarcástica e corrosiva. Intensa criatividade nas ressignificações das mitologias greco-romanas, nas apropriações dos cânones literários ocidentais. Vieira é coerente e fiel a sua obra, conseguindo extrair de um mundo infestado por decepções e desconforto matéria para tecer uma poesia cuidadosa, sutil e bela. Arménio Vieira, um poeta que jamais se corrompeu!
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