Onésimo Silveira – poesia como testemunha do seu tempo*
Por Ricardo Riso
Registro de um tempo histórico de tristes recordações, detentor de um rigoroso comprometimento social e na defesa incontestável do cidadão caboverdeano, assim é o livro “Poemas do tempo de Trevas – Saga / Hora Grande” de Onésimo Silveira. Sob a chancela do IBNL (Praia, 2008), a publicação reúne poemas inéditos e dispersos escritos até o ano de 1958 em Saga, e re-edita Hora Grande, de 1962.
Nascido em 1935 na Ilha de São Vicente, Silveira participou de “Claridade” – apesar de ser um crítico ferrenho da geração claridosa –, do Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes e consta em diversas antologias como “Modernos poetas caboverdeanos” (1961). Como ensaísta lançou “Conscientização na literatura de Cabo Verde” (1968), entre outras obras. Sofreu exílio político, fixando-se na Suécia, onde formou-se em Ciências Sociais.
Seguidor da linha contestatária da revista “Certeza”, Silveira fez da sua poesia veículo de protesto contra a asfixia colonial. O realismo visceralizante de seus versos retrata cenas do cotidiano tortuoso ao qual o ilhéu era submetido, como na movimentação proporcionada com a aproximação de um barco ao porto, mas que ao não atracar gera intensa frustração ao “homem que desde manhã grande / Pensava na fome dos filhos / E da mulher que deixou a esperar” (p. 42). Entretanto, quando um barco chega a um porto as oportunidades de trabalho são escassas porque se respeita a ordem da “infinda lista negra” (p. 40) de homens “para o desembarque das mercadorias” (p. 40).
Recordamos as reflexões de Albert Memmi a respeito do comportamento do colonizador durante a leitura de “Portões da Companhia”: “Portão indiferente das companhias / Que não quer ver, não quer falar, não quer sentir / Para não sossobrar também ao peso da angústia!” (p. 43). Inferimos a desumanidade e o desprezo ao ilhéu simbolizados no “portão”, marca da crueldade do poder à época.
Enquanto no poema “O Regresso” a revolta anuncia-se com a emigração forçada às roças de São Tomé e o retorno do caboverdeano à ilha após um período de agruras: “E trazem a certeza mordaz da desgraça irremediável / Esses escorraçados do destino que foram matar a fome / E regressam com a insaciável sede e fome de justiça” (p. 80)
Depreendemos a nova relação com o mar, não mais castrador e evasionista, fortalecida com a crescente mobilização contra o colonialismo e sendo explicitada em “Um Poema Diferente”: “O povo das ilhas quer um poema diferente / Para o povo das ilhas: / Um poema sem braços à espera de trabalho / Nem bocas à espera do pão; / Um poema sem barcos lastrados de gente / A caminho do Sul” (p. 128).
A partir da virulência da sua poesia engajada a contrapor a violência colonial, o sujeito lírico de Onésimo da Silveira desnuda as atrocidades sofridas pelo ilhéu, que busca sua dignidade enquanto é tomado pela fome e pela ausência de trabalho. Seus poemas mostram como a batalha do cotidiano era encarada com “um instinto de sobrevivência quase carniceiro” (p. 55) àqueles que ficavam nas ilhas, ou aos que embarcavam na inevitável emigração: “Apontou-me, entre outras razões, / Que embarcaria para São Tomé / Só porque não havia o que fazer // E eu / Não podendo dizer-lhe mais nada / Respondi que já sabia.” (p. 75). Contudo, o sujeito lírico também desmascara a ilusão do que poderia ser a emigração: “A certeza de coisa alguma / Desterrou o pobre imigrante / Na solidão de si próprio / (...) A lamentar... a lamentar... a lamentar... / Vive o velho imigrante / Aprisionado na sua própria solidão” (p. 52).
Atravessar as páginas de “Poemas do tempo de Trevas – Saga / Hora Grande” é se deparar com retratos de uma época que a poesia de Onésimo da Silveira jamais se omitiu em revelar.
* Artigo publicado no jornal A Nação (Cabo Verde), página 9, de 25/02/2010
Bom dia! Estou pesquisando a obra e o pensamento de Onésimo Silveira. Tens algum email de contato com o referido autor?
ResponderExcluirEmail para contato desde o Brasil: lmsmgrs@hotmail.com
ResponderExcluirPesquisa sobre Consciencialização na Literatura Caboverdiana (1963) e A Democracia em Cabo Verde (2005).
Obrigado!
Olá!
ResponderExcluirNão tenho contato do autor.
Sucesso para sua pesquisa.
Abraços.