quarta-feira, 28 de abril de 2010

Simpósio Internacional sobre Cultura e Literatura Cabo-verdianas (livro)


Texto e imagem extraídos do blog Na esquina do tempo do intelectual cabo-verdiano Manuel Brito-Semedo.

A 25 de Novembro de 1986, apresentava eu, como estreante, na altura Bacharel em Ensino de Língua Portuguesa, uma comunicação no Simpósio Internacional Sobre Cultura e Literatura Cabo-verdianas, intitulada “A Cidade do Mindelo na Ficção de António Aurélio Gonçalves”.

Quis o destino que, quase 25 anos depois, nas vésperas dos 75 anos da revista Claridade, fosse eu o “requisitado”, em substituição do organizador destas Actas, o meu Amigo Tomé Varela, para fazer a sua apresentação pública. É caso para se dizer que “o mundo tem voltas!”

Um reconhecimento especial ao Doutor Manuel Veiga que, enquanto Ministro da Cultura, tomou como propósito e se empenhou na publicação destas Actas.

Estas Actas, enquanto repositório de reflexões e de memória cultural e um acervo literário importante para os estudiosos da realidade cabo-verdiana, estiveram quase fadadas ao esquecimento, já que só agora, 24 anos depois, são dadas a lume! Foi obra!

O Simpósio Claridade serviu para, em 1986, prestar uma homenagem justa e merecida aos fundadores da Revista, tendo estado presente dois dos prinicipais, Baltasar Lopes e Manuel Lopes. Estas Actas, ainda que com este longo atraso, representam um reconhecimento à Fundação Amílcar Cabral e à Organização do Simpósio, ao mesmo tempo que constituem uma homenagem àqueles que nele tomaram parte e hoje são já desaparecidos, nomeadamente, Baltasar Lopes, Manuel Lopes, Félix Monteiro, Gabriel Mariano, Teixeira de Sousa, Agostinho Rocha, Manuel Ferreira, Mário de Andrade, Henrique Santa Rita Vieira, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo, Abílio Duarte (então Presidente da Fundação Amílcar Cabral), Gerald Moser, Michel Laban, Renato Cardoso e Manuel Delgado.

Poderão perguntar se faz sentido esta publicação, passado este tempo todo, agora enquadrada nas comemorações dos 35 anos da independênica de Cabo Verde. A meu ver, faz sentido, sobretudo, pela qualidade e diversidde das comunicações, com perspectivas e olhares os mais diversos sobre a realidade cultural cabo-verdiana.

Algumas dessas comunicações, em texto mimeografado e conservadas como preciosidades raras, foram ou vêm sendo utilizadas e citadas apenas por um número restrito de académicos e investigadores, pelo simples facto de terem sido participantes do Simpósio Claridade. Fica, finalmente e a partir de agora, disponibilizado para todos este manancial de informações.

Ao presidir a sessão de abertura do Simpósio Internacional, Abílio Duarte, Presidente da Fundação Amílcar Cabral, augurou que esse importante evento seria “o acontecimento mais marcante do pós-Independência” e certamente o terá sido, pelo menos da I República.

O Simpósio foi, de facto, “um momento de profunda comunhão nacional” e um reconhecimento de que “a afirmação cultural é uma trave mestra para a afirmação de qualquer independência” e que “as linhas mestras da sua [do regime] política cultural não podem ser traçadas, de forma segura e viável, sem uma participação activa dos intelectuais e artistas nacionais”.

Os discursos lúcidos dos dois fundadores da Claridade, Manuel Lopes e Baltasar Lopes, então proferidos, constituem os fundamentos basilares desse movimento literário e cultural.

As Actas seguem a estrutura do Programa do Simpósio, com três módulos: Claridade, Literatura e Cultura.

Módulo 1 – Claridade – com as comunicações de Gerald Moser (“Da Claridade a Ponto & Vírgula, ou Como se Sustenta uma Revista Cultural num Meio Pequeno”), João Rodrigues (“Breve Reflexão Sobre a Literatura Cabo-verdiana”), Pierre Rivas (“Claridade: Emergência e Diferenciação de uma Literatura Nacional”), João Lopes Filho (“Alguns Aspectos da Claridade à Luz da Etnologia”), Arnaldo França (“Jaime de Figueiredo e a Claridade”), Alberto de Carvalho (“Do Classicismo-Romantismo ao Realismo da Claridade”) e Russel Hamilton (“Claridade: Entre a Originalidade Regional e a Identidade Nacional”;

Módulo 2 – Literatura – com as comunicações de Yolanda Morazzo (“Caboverdianidade e Universalidade de um Poeta”), Manuel Brito-Semedo (“A Cidade do Mindelo na Ficção de António Aurélio Gonçalves”), Jean Michel Massa (“Unidade e Diversidade na Literatura Cabo-verdiana de Hoje”), Marie Christine Hanras (“A Literatura Cabo-verdiana Vista dos Açores [através de Manuel Lopes e Pedro da Silveira]”), Pires Laranjeira (“A Recepção da Literatura e o Caso de Pão & Fonema: Problemas e Ensaio [Tímido] de Método”), Christian Veziate (“A Chuva como Elemento do Maravilhoso”), Orlanda amarílis (“Crioulo/Português, Uma Inter-relação a Considerar”), Michel Laban (”Revolta e Resignação na Ficção de dois Escritores Claridosos: Baltasar Lopes e Manuel Lopes”), Maria Elsa Rodrigues dos Santos (“Não Ser/Ser em Jorge Barbosa”), Heitor Gomes Teixeira (“As Palavras Encarceradas”), Manuel Veiga (“Símbolos e Signos em Jorge Barbosa: Uma Tentativa de Análise Semiológica”), Manuel Ferreia (“A Propósito de Duas Obras: O Escravo e Contos Singelos, Dois Autores: José Evaristo de Almeida e Guilherme Dantas, Fundadores da Ficção Cabo-verdiana”), Gabriel Mariano (“Osvaldo Alcântara – O Caçador de Heranças”) e Mesquitela Lima (“A Poética de Sérgio Frusoni [Uma Leitura Possível]”).

Módulo 3 – Cultura – Com as comunicações de Agostinho Rocha (“Os Fenómenos da Cultura e a Aculturação na Literatura de Cabo Verde: O Movimento Claridoso como Marco Milenário Nessa Literatura”), Henrique de Santa Rita Vieira (“Nova Versão da Revolta dos Escravos em 1835”), Félix Monteiro (“A Imprensa em Cabo Verde”), Nuno de Miranda (“Emigração Cabo-verdiana em Portugal”), Eutrópio Lima da Cruz (“O Peso da Música na Cultura Cabo-verdiana”), Dulce Almada Duarte (“Literatura e Identidade: Uma Abordagem Sócio-Cultural”), Mário de Andrade (“Uma Leitura Africana da Claridade”), Daniel Pereira (“Alguns Usos e Costumes da Ilha de Santiago [1762-1772]”), Fernando Augusto Albuquerque Mourão (“Elementos do Processo da Identidade Cabo-verdiana”) e Alfredo Margarido (“A Claridade e o Discurso Nacionalista, com Algumas Considerações a Respeito do seu Parentesco com o Nativismo”).

Cada um destes Módulos inclui as transcrições dos respecivos debates, que levam a fazer uma reconstituição do ambiente e da dinâmica havidos durante os trabalhos.

A Declaração Final do Simpósito sobre a Cultura e a Literatura Cabo-verdianas, comemorativo do cinquentenário da fundação da revista de artes e letras Claridade, é outra peça recuperada.

Ponho em evidência duas recomendações saídas desse fórum, pela sua pertinência e actualidade, ressalvando, embora, pequenos aspectos:

“7. Que o rico acervo documental que resulta do Simpósio mereça um tratamento cuidado e a mais ampla divulgação, pois que constituirá, no futuro, material de consulta e referência obrigatória para todo aquele que, de algum modo, se debruce sobre a realidade cabo-verdiana;

8. Que a fundação Amilcar Cabral aprofunde o trabalho ora iniciado no domínio do estabelecimento da história da cultura, da literatura cabo-verdiana, em suma, da história global de Cabo Verde, promovendo ou colaborando na promoção de:

- Institutos científicos especializados para a recolha e tratamento dos materiais necessários à história, antropologia e outras disciplinas afins;

- Um museu da imprensa cabo-verdiana, com realce para a produção cultural do Movimento Claridade;

- Um arquivo histórico nacional;

- Museus que ilustrem etapas e figuras marcantes na afirmação da cultura e do nacionalismo cabo-verdianos;

- Tradução e divulgação de textos de autores cabo-verdianos;

- Uma rede internacional de investigação e recolha do material histórico referente a Cabo Verde espalhado pelo mundo;

- O aprofundamenteo do estudo da componente africana da cultura cabo-verdiana”.

Uma última referência ao livro enquanto objecto. Como se pode constactar, o livro é visualmente muito bonito, com uma concepão da capa bem conseguida.

Termino com a opinião do Ministro Manuel Veiga na sua “Nota de Abertura”: “valeu a pena o resgate dos documentos que hoje já não pertencem apenas ao Arquivo Histórico Nacional, mas podem chegar às mãos de quantos queiram conhecer um pouco mais o papel da revista Claridade na consciencialização do povo das ilhas”.

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