Valentinous Velhinho – Tenho o Infinito Trancado em Casa*
Por Ricardo Riso
Agradecimento especial ao poeta Valentinous Velhinho pela generosa troca de e-mails.
Valentinous Velhinho, nome literário de Valdemar Valentino Velhinho Rodrigues, nasceu em 29/05/1961 na Calheta de S. Miguel, Ilha de Santiago. Participou nos anos 1980 da Sopinha de Alfabeto, colaborou em revistas como Fragmentos e Artiletra, integrou a antologia Mirabilis – de veias ao sol. Publicou, dentre outros, os livros Relâmpagos em Terra (1995) e Tenho o Infinito Trancado em Casa (Artiletra, 2008). Este, o objeto desta resenha.
O longo conjunto de poemas de Tenho o infinito... surpreende pelo tom incisivo, provocador, visceral, insólito, assim como pelas passagens que denotam um caráter mórbido, sepulcral, por vezes escatológico, a remeter ao poeta brasileiro Augusto dos Anjos: “Quantos vermes, quantos o pó anseiam sacudir-me?/ Quero-vos só para mim, ó verme – o meu chocolate sois!” (p. 86).
Trata-se de uma poesia superior explicitada pelo cunho universal, pelas questões metafísicas e existenciais, pela obsessiva temática da loucura, da morte e do suicídio, na contínua referência aos textos bíblicos e na interminável procura para decifrar o desconhecido. Tudo submetido a uma profunda deferência à língua portuguesa e ao esmero criativo nas figuras de linguagem como hipérbato, sínquese, paradoxo, hipérbole e ironia.
Entretanto, o maior mérito do livro está na exímia recriação dos haikais. Ao se afastar do cânone ocidental, o poeta encontra na concisão extraordinários e insólitos resultados. Apropriando-se da técnica nipônica consagrada por Matsuo Bashô, a escrita corrosiva e a inusitada filosofia do eu lírico inquietante se enquadram. A morte: “Vitória mais sofrida/ Do que a do suicida/ Não há.” (p. 142); crítica à religião: “É a um Deus/ Que o abandona/ Que Cristo o espírito entrega?” (p. 152); o ignoto: “Inda mais cíclico do que tudo/ É o que sem inda/ Ter vindo está por vir.” (p. 159).
E os temas caros à poesia caboverdeana? A insularidade é subjugada à condição do poeta ao recordar o local primevo: “O mar/ Abordo da casa/ Onde nasci” (p. 163). A metapoética com o claridoso Jorge Barbosa e o brasileiro Manuel Bandeira é revista em “Sangrenta a Lua”, no qual perpetua a esperança n’“A Estrela da Manhã” (p. 186). A crítica aos rumos do país encontra lírica solução na metáfora bíblica: “Deus ao homem deu/ O desobediente Éden/ E à serpente a obediente pátria” (p. 131). O drama da seca: “É fértil a seca na terra/ Onde caiu a chuva/ E nunca mais se levantou.” (p. 145).
O cariz místico e as questões acerca da existência estão em dois blocos de poemas dedicados ao místico Angelus Silesius e a Deus que iniciam e encerram o livro, aos quais se confrontam com o etéreo: “É divino tudo o que Deus dá/ E também tudo o que Ele recebe.// Porém nada do que tem ou possui Deus/ É divino a não ser o céu e a terra.” (p. 183).
Recorrente é a exaltação à loucura, não a doentia, mas sim a dos poetas, a que expande a consciência: “Como é metafisicarnal/ A glande da Loucura, (...)/ De universos sem fim que nunca mais acabam!”, venerada pelo eu lírico: “Ó sensatos, todos os versos dos loucos/ Aqui à minha sonâmbula cabeceira os quero! Aqui!/ Eis-me aqui.” (p. 94).
Os cânones da filosofia e da literatura ocidental são prestigiados em originais citações a Goethe, Niestzche, Baudelaire, Blake, Kafka, Borges, Flaubert e, com destaque, Fernando Pessoa. Haikais e máximas inspiram-se em Pessoa: “O poeta – se não finge o poeta/ Deus não lhe perdoa nunca”. (p. 14), e no excelente “Encontro a Bordo”, no qual o eu lírico afirma que viu “uma vez só” “o poeta que dobrou Camões” (p. 108).
A longa travessia de Tenho o Infinito Trancado em Casa consolida a poiesis excepcional deste dândi da literatura de Cabo Verde, que busca em seus apocalípticos poemas sanar as dúvidas entre vida e morte para valorizar o Homem, pois “a meta dos homens procuro” (p. 173).
A poesia de Valentinous Velhinho instiga, incomoda e almeja a esperança: “A alma que volte a entrar./ Já passou o vento/ E o sonâmbulo tempo.” (p. 125).
* Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação nº 137, de 15 a 21/04/2010, p. 18.
Oi, Ricardo.
ResponderExcluirTudo bem com você?
Adorei o post.
Quero ler as poesias do Valentinous Velhinho; como faço?
Meu amigo, você está mandando muito bem!:)
PARABÉNS.
Beijos.
Vamos providenciar uma cópia, Val!
ResponderExcluirDepois vc me reembolsa, ok?
O Velhinho é fantástico!!!
bjs!!
Fantástico mesmo Riso!
ResponderExcluirTocou-me e ecoa este:
“É a um Deus/ Que o abandona/ Que Cristo o espírito entrega?”.
Este poeta também devia ser lido em Angola.
Um kandandu (abraço) amigo.
Quando for grande quero faser resenhas deste calibre.
ResponderExcluirAprendi.
Olá, Nguimba!
ResponderExcluirA poesia de Velhinho abala nossa compreensão pelo inusitado ao qual se apresenta. Há vários de caráter religioso, máximas e haikais surpreendentes, selecionarei outros em breve e postarei no blog.
Fico feliz com sua visita e seus comentários (ahahahah)
Grande kandandu para você.
Ricardo Riso
Amigo Ricardo,
ResponderExcluirAssistir sua palestra me foi de grande lucro, pois agora posso conhecer mais sobre literatura.
Aqui estou sorvendo mais dessa "pinga boa".
Hoje (17/04/10) a partir de 6 da tarde, publico o poema TAMBORES DA ÁFRICA MÃE e aproveito para homenageá-los, todos, da REVISTA ÁFRICA E AFRICANIDADES. passa "lá em casa" e deixa suas impressões, ok?
Abraços
_______
Têm mais coisas a ser lidas por lá.
Olá, Guará!
ResponderExcluirTudo bem?
Que legal, passarei sim! Muito obrigado pelos elogios e pela generosidade com a Revista África e Africanidades. A Nágila, editora da Revista, é uma guerreira e está sabendo conduzir muito bem esse projeto.
Passarei por lá no horário marcado.
Valeu a visita!!
Grande abraço!!!