quinta-feira, 13 de maio de 2010

Samuel da Costa, literatura negra contra o banzo pós-moderno

Quando completou 100 anos de abolição da escravidão no Brasil em 1988, os grandes meios de comunicação viram nesta data uma excelente oportunidade para fortalecer a mentira da democracia racial em nossa sociedade. Porém, não contavam com a sensibilidade dos movimentos negros que perceberam, de forma brilhante, que esta data seria ideal para denunciar o racismo sofrido por nós, negros, e as demais desigualdades impostas a mim, a você e a todos os nossos irmãos negros.

Portanto, aproveito este dia para apresentar um jovem escritor negro, sensível aos problemas que enfrentamos em nosso cotidiano, natural de Itajaí – Santa Catarina, chama-se Samuel da Costa (samueldeitajai@yahoo.com.br), autor de Horizonte Vermelho e Na cor e na flor.

A seguir estão alguns poemas e um conto gentilmente enviados pelo autor. Para conhecer um pouco mais da obra de Samuel da Costa, acesse os endereços a seguir:



Abraços,
Ricardo Riso


Não! Eu não quero mais ser negro

Cansei de ser negro
De ser parado pela polícia
Ser confundido com um bandido qualquer
De ter relações promíscuas com os políticos
Sendo sempre massa de manobra
Na mão de algum abnegado...
Não! Eu não quero mais ser negro
Ser minoria nas universidades
Ser tachado de preguiçoso...
Ser o primeiro de lista dos desempregados
Não quero ficar para trás
De tudo
De todos
Das oportunidades
De um futuro melhor
Não quero mais ser negro
Ser excluído de todas as formas
De todas a maneiras
Definitivamente estou casando de celebrar
Meus ritos escondidos
Dos olhos da sociedade
Não quero mais ser negro
E ter a responsabilidade de ser:
No melhor no futebol
Ser bom no pagode
Não...
Não quero mais ter um passado
negro
Que cheira a escravidão
Que cheira a dor
Quero renunciar ao meu futuro
De dor
Não quero mais ser negro
Chega de sofrer
O banzo pós-moderno


Negras memórias
A José Bento Rosa

A pele é negra
A minha pele
Tem que ser negra
O olfato negro...
Ao fato negro
O fator negro
É sempre negro
O poder negro
Do mercado negro
Quer manchar nossa história
Que compõe nossa estória
Que é sempre negra
Como meu passado é negro
Que tem o tom da minha pele
Cor negra por todos os lados
Cor de ébano!
Como minha memória...
Negras memórias!
De um pobre negro...
Do negro pobre
Que é sempre negro
Como meu passado negro
Que não é negro
Mas é negro!
Tão negro como minha pele...
...negra
Pois tenho origem no velho continente
O velho mundo
Que é negro
Assim como minha pele
Que é negra
Pois somos!
Os braços!
As pernas!
A nação proletária
Com as costas marcadas
Das chibatas
Negra...
Que movimentaram
Que movimentam
Que movimentarão
O futuro...
Desta Terra
De novo mundo...
Sou negro
Assim como minhas...
...memórias
Que alguns tentam
Em vão apagar
Minha consciência é negra
Meu passado é negro
Meu futuro há de ser negro


Com licença EU vou a luta
Para Tais Carolina Rita

Meu senhor vai bem!
A colheita foi boa!
Este ano...
Este século...
Para o meu senhor tudo vai bem!
Alguns negros fingiram!
Outras negras pariram,
Muitos outros...negros!
Meu senhor a colheita foi boa!
Este ano!
Este século...
Foi boa
Os Negros?
Os negros!
Alguns morreram...
Alguns Forros
Mas outros ficaram
Meu senhor
Meu amo...
Meu sinhô
A colheita foi boa!
Mas as correntes enferrujaram
Sinhô
E os negros e negras
Forros
Não estão mais aqui
Contudo preferiram
Ficar!
Livres!
Dispersos!
Por ai em qualquer lugar


 
Tumbeiro

Amarga e sonha!
Transporta tumbeiro
A negra dor
A negra carne
A carne negra
Lacera e lacera...
A negra vida
Transporta
Enrique-se
O mundo branco!
O branco luxo
A negra dor
Transporta
E lacera a negra carne
Transborda
De riqueza
O mundo branco!
Mundo reluzente
Racional
Transporta o negro
Ouro
A negra sina
O negro pranto


Para a Mãe África (Eu me rebatizo)
(Em memória a Miguel M. da Costa)

Ao som dos tambores...
Para o povo que sofre...
Para arte profana...
Eu me rebatizo
Vou me rebatizar
Para ti Oh Mãe África
Dos ridículos da vida
Volto para ti
Para a Mãe África
Para o povo que sofre
Volto para ti...
Para música profana
Com todo o rigor
Eu me rebatizo
Para toda a música profana
Do batuque...
Dança a música profana
O batuque...
Para toda a música profana
Volto para ti
Oh mãe África...


Adeus carne

l
O corpo esguio e o andar rápido em meio aos corredores e, ela não parecia se importar com o fato dos detentos estarem perfilados e, de cara para a parede, enquanto ela passava. O fato já não intrigara mais Maria da Saudade, com seus olhos verdes sedutores e seus quarenta anos de idade, e já se foram um pouco mais de um ano que fizera sua primeira visita ao seu filho no cárcere. Ficou sabendo logo como as coisas ali se precediam. E ficou feliz e amargurada ao mesmo tempo. Hoje esta especialmente feliz, pois estava enfim chegando o dia da soltura de seu filho e, amargurada de ainda ao vê-lo ali preso. E hoje, ao visitá-lo, foi o encontrar amuado em seu cubículo. – Filho, o que foi?

– Hora o que foi? Quero sair deste inferno mãe!É ‘’que’’ quero acertar umas continhas fora daqui...

– Tu vais sair logo meu filho! As palavras saíram em tom acalentador da boca de Maria. Ver o filho em tal estado, não era uma coisa que ela estava preparada. Era sempre assim, todas as sextas-feiras, um recomeçar, uma agonia sem fim, uma vez por semana e todo o mês. A princípio, ela pensava que o filho morreria em dois tempos naquele lugar infernal, mas logo soube que o ‘’Comando Criminoso’’ havia suspendido, toda e qualquer, acerto de contas ali dentro. As ‘’broncas’’ deveriam ser resolvidas no lado de fora do presídio. Isto devido à superpopulação de presídio. – O advogado, disse que tu vai sair no mês ‘’qui’’ vem filho. O que Maria da Saudade não sabia, era que o ‘’Comando Criminoso’’ quem de fato mandava no presídio, fizera uma acareação, entre seu filho e o Josué de Guimarães Travasso, o ‘’Nego preto’’, que fora preso logo após o filho da Maria ‘’cair na rua’’. ‘’O Patrão’’ queira saber da ‘’bronca’’ entre os dois e, deixar bem claro que as diferenças entre os dois seriam acertados fora do presídio. ‘’O Patrão’’ ficou contente, por saber que quem dera o tiro que matou um ‘’casqueiro’’ qualquer fora o Nego preto e o filho de Maria da Saudade ficou quieto durante todo o inquérito e o processo que o arrolava como homicida. E agora que o Nego Preto estava na rua, uma coisa não saia da cabeça do filho de Maria da Saudade.

II
Ao subir na ‘’ziquinha’’, Josué de Guimarães Travasso, o Nego Preto só pensava no lucro que teria à noite. Repassar sua cota de drogas e ficar de boa com o traficante ‘’Trinta e oito’’, mas repente em sua mente um pressentimento lhe invade a mente. Um mau presságio, e a figura do ‘’prego’’ que estava ‘’pagando’’ cadeia no seu lugar, vêm em sua mente. Preto não sabia se ele já estava para ser solto ou não. Vender a arma para ele foi uma tacada de mestre, justo a arma que usara para matar aquele ‘’laranja’’, que lhe devia uma boa quantidade de craque. – Ligo ‘’pros’’ irmãos mais tarde, pra sabe do lance! –Diz Josué de si para si mesmo. E ao chegar bem em frente da escola aonde estudara aquele adágio lhe invade com toda a força. E ele não escuta o tiro, disparado em sua direção, que o derruba da bicicleta, mas senti o ombro esquerdo em brasas. Atônito e atordoado ‘’Nego preto’’ em sua confusão mental se vira e, vê a figura de uma mulher que se aproxima. Seu andar era firme e esguio, seus olhos verdes sem emoção alguma a lhe fitar bem de perto. Josué de Guimarães Travasso se lembra da fisionomia da mulher, só não sabe de onde. O Nego preto que sentia o ombro em brasas vê a arma apontada para sua têmpora e, um brilho laranja esbranquiçado e uma fumaça. Sua cabeça que é jogada para trás, e ele que sentia o ombro em brasas já não sentia mais nada.

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