Pedro Matos – Midju di Fogu
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário A Nação, nº 204, p. 21, de 28/07/2011.
Pedro Andrade Matos nasceu em 15 de novembro de 1987 na Ilha do Fogo. Fez os estudos secundários na ilha-mãe e graduou-se em Relações Internacionais (Puc-Minas/Brasil). Hoje é mestrando em Ciência Política na UFMG (Brasil).
Sua estreia literária aconteceu em 2010 com o livro de poesia “Midju di Fogu – Azágua e outras memórias de Cabo Verde”, sob a chancela da brasileira Nandyala – Livraria e Editora, reunindo cinquenta e um poemas voltados para o público infanto-juvenil nas suas trintas e seis páginas. O livro ainda contém um importante glossário com a definição das diversas palavras em língua materna cabo-verdiana, para além de notas de contracapa da Profª Drª Simone Caputo Gomes (USP) e deste que aqui escreve.
Inspirada na condição diaspórica do autor, os poemas de “Midju di Fogu” trazem a saudade das tradições do arquipélago, a rememoração de sua terra e de sua gente sofrida no seu cotidiano simples de resistência desmesurada para vencer as agruras da vida: “Txuba d’azágua é molhada e traz/ A sabura quebrando a sodadi,/ Dando sperança a Eulália e Raimundo/ Povo di coragi, povo de padjigal”.
Tradições que a pena do poeta tenta manter acesas, “pois lá em baixo a nossa cultura/ grita...” para “que valorizem a cultura nacional”. Tradições que revelam sob a “luss di podogó” as carências da população pobre, mostradas na medição cruel da fome: “Rasora servia para nivelar os cereais/ Na cooperativa do Sr. Morais,/ Onde as pessoas idosas iam receber as kinzena/ Em forma de alimentos básicos.// Nem todo mundo gostava da rasora,/ Principalmente quando era para partir os alimentos/ Nos tempos da crise...” Crise econômica da Ilha do Fogo representada na purguera: “Do óleo zarpava o barco, combustível/ Do óleo debulhava o milho, comestível./ Do óleo trabalhava o homem, possível./ Do óleo sustentava o homem, impossível.” Representação que difere da relatada em “Ilhéu da Contenda”, romance de Teixeira de Sousa que retrata os tempos áureos desse comércio: “Ouvia contar ao pai que outrora exportavam purgueira para Marselha por bom preço. Depois que a indústria nacional se assenhoreara dessa oleaginosa, o preço desceu escandalosamente. Antigamente a purgueira era o mealheiro do pobre e a burra do negociante. O povinho vestia-se com a purgueira que colhia. O comerciante pagava em tecidos a purgueira que comprava. Vinham grandes lugres e patachos carregar purgueira. E era negócio que não falhava, quer chovesse, quer não (SOUSA, s.d., p. 26-27).
Entretanto, são nas carinhosas descrições dos pratos típicos, símbolos do arquipélago, que o poeta sacia a sua sodadi. Estão lá a katxupa – “depois de amassado o milho, colocava para secar ao sol”; “Batanga era feita com sal, água e farinha”; “do milho branco do campo do Sr. Dai/ Extraía a farinha, junto ao feijão./ Servida ao molho de garopa, comia-se a djagacida”; a “scaldada era simples de fazer com farinha, água e sal”. Afetuosas também as lembranças dos utensílios domésticos do homem do campo, tanto para o trabalho quanto para o conforto: balai de tente, garrafon, bidja, kankaran, tagarra, solidor, manduco e o kanhotu, que ajuda o camponês a esquecer “das amarguras do passado e do presente”. As bebidas são recordadas como “o manecon de uva para os senhores de bom codjon” e o grogu: “Rogue a Deus o mokeru por ter como beber o grogu”, assim como os ritmos musicais da tabanca, morna, batuque, talaia-baxu e funaná.
O drama da seca que “seca a minha alma”, da emigração forçada, do mar que “partilha a alegria daqueles que vão e voltam,/ transbordando nos calhaus as mágoas/ dos que foram e não voltaram” e tantas outras experiências do cabo-verdiano recriadas na poesia de Pedro Matos desvelam a saudade de um poeta que, longe de seus pares, mostra o seu apego à sua terra, por vezes madrasta, mas para sempre materna, e fazem da leitura de “Midju di Fogu”, por sinal, o milho como metáfora de perseverança, um singelo aprendizado da indescritível capacidade de resistência desse povo.
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