Documentários de Cabo Verde no Rio de Janeiro
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário A Nação, n. 222, p. E-18, de 1 de dezembro de 2011.
A quinta edição do Encontro de Cinema Negro Brasil, África & Caribe, curadoria de Zózimo Bulbul, no Rio de Janeiro de 24/11 a 01/12, trouxe dois documentários com temas cabo-verdianos: “São Tomé: os últimos contratados” (dir. Leão Lopes) e “Fragmentos de Mindelo” (FM) (Projeto dos cursistas da Especialização em Cinema do M_EIA/2011).
FM reúne seis pequenos curtas com diferentes facetas, em sua maioria marginalizadas, da cidade do Mindelo. O primeiro chama-se “Valentina”, no qual uma velha senhora conta histórias do passado colonial, trata das grandes secas nos anos 1940, recorda os tempos de prosperidade vivenciados na Ilha do Sal e critica os novos hábitos da contemporaneidade.
Já em “Ribeira Bote: primeira zona libertada” mostra o preconceito sofrido pelos moradores da região, histórico lugar de resistência anticolonial. Por ser uma área conhecida pela violência, precisam mentir o local onde vivem para conseguir emprego. Esses jovens desempregados e sem perspectivas chamam o lugar onde moram de B13, em referência ao filme francês homônimo que mostra moradores excluídos pela sociedade em um gueto cercado por um grande muro na Paris contemporânea, e expressam suas indignações através do rap. Tratados como párias sociais no cruel e insensível jogo pós-moderno - recorda-se o “cosmopolitismo do pobre” do crítico Silviano Santiago -, a apropriação e a identificação com o gueto francês B13 pelos jovens mindelenses demonstra, no contexto contemporâneo de um país independente, a guetização permanente sofrida pelos viventes da Ribeira Bote. Seus depoimentos são intercalados aos mais velhos que participaram das rebeliões e criavam barricadas para dificultar o acesso das forças coloniais.
“Trazêm uma cosa” mostra os itens diversos que a comunidade cabo-verdiana nos EUA envia para os familiares no arquipélago. Lembra o que Eugénio Tavares defendia em suas crônicas da importância do ilhéu partir para a emigração e sustentar sua família com a renda recebida na terra-longe, deixando seus parentes em condições de vida melhores as quais permanecesse em Cabo Verde.
“Pinkim Senegal” apresenta o preconceito ao imigrante africano no Mindelo, onde comunidade mulçumana de senegaleses, pejorativamente chamados de “mandjacos”, atua no comércio em feira popular.
“Mandingas” mostra manifestação afro-crioula no carnaval mindelense com o bloco “mandingas”. Participantes – homens e mulheres – pintam-se de preto, usam ornamentos de guerreiros africanos e saem pelas ruas da cidade expressando sua alegria. O bloco contribui para o resgate da autoestima dos moradores e é uma demonstração de valorizar a afro-crioulidade do cabo-verdiano.
“Casalata” demonstra o problema da moradia para os menos favorecidos no Mindelo. Uma família em condições paupérrimas vive amontoada em uma casa feita com pedaços de metal e sofre com as autoridades locais por se tratar de uma construção em local irregular.
“São Tomé: os últimos contratados”. O corrosivo documentário denuncia como vivem hoje os cabo-verdianos que foram contratados para trabalhar nas lavouras de São Tomé e Príncipe no período de 1950 a 1970, considerado o último fluxo de contratados para este arquipélago. Retrata o cotidiano de pobreza extrema de boa parte dos já velhos cabo-verdianos e seus descendentes, cidadãos são-tomenses, e o preconceito que sofrem na sociedade por serem estrangeiros. Depoimentos narram como eram realizadas as contratações, a violenta repressão colonial no arquipélago, as péssimas condições de trabalho que mais era uma escravidão, como fazem para se sustentar, as manifestações religiosas, a confraternização com um campeonato de futebol e o resgate de raízes e autoestima com o batuque realizado por um grupo de mulheres. Documentário forte, por outro lado, sensível e humano.
Um olhar diaspórico e um diversificado panorama do Mindelo contemporâneo. Dois documentários que contribuem para compreensão da cultura cabo-verdiana.
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