Carlota de Barros – Sonho Sonhado
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário A Nação, n. 227, p. E21, de 5 de janeiro de 2012
A primeira percepção positiva do terceiro livro de poesia de Carlota de Barros é a ousadia, que complemento como dever cívico a Cabo Verde, em razão da edição trilingue em língua materna cabo-verdiana, português e inglês. O primeiro livro de poesia com essa característica em seu país. “Sonhu Sunhadu”, “Sonho Sonhado”, “Dreamt Dream” é uma republicação ampliada do IBNL, ano de 2010, contém 55 poemas, prefácio de Teobaldo Virgínio, tradução para a língua materna de Viriato de Barros e Maria Sedovem Kemp, para o inglês.
Carlota de Barros Fermino Areal Alves nasceu na Ilha do Fogo em 24 de Janeiro de 1942. Durante a infância viveu nas Ilhas do Fogo, Brava, S.Nicolau e S.Vicente. Em 1949 mudou-se, com a família, para Moçambique onde permaneceu até 1957, ano em que partiu para Portugal. Neste país licenciou-se em Filologia Germânica, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Mora em Portugal desde 1974, mas visita constantemente o seu país.
Carlota de Barros é colunista do Jornal Artiletra, tem textos publicados na Revista Pré-Textos e em outras revistas de Letras e Artes. Em 2000, lançou o seu primeiro livro de poesia, “A Ternura da Água”; em 2003, “A Minha Alma Corre em Silêncio”.
Em “Sonho Sonhado” aprofunda-se sua escritura melancólica, sensível, terna, com um olhar diaspórico saudoso da terra-mãe, ainda assim crítico às injustiças sociais não solucionadas do passado e aos problemas da contemporaneidade, no qual o sujeito lírico distante por anos de exílio deambula por lugares de sua memória afetiva contaminados pelos novos dramas, como bem inferimos no poema “Regresso à terra”: “caminhões hiaces/ vendedores/ mandjacos e chineses/ raparigas e rapazes ociosos/ olham-te curiosos// ninguém te conhece/ não conheces ninguém”. Porém, sensação de estranhamento logo dissipada com o calor dos antigos amigos: “alguém toca-te/ um abraço familiar (...)// a tua alma alegra-se/ nada mais te dói/ a terra acolhe-te/ sorri-te hospitaleira”.
O retorno é doloroso, composto por lembranças de um triste passado enfatizado na secura da constatação do poema “Seca”: “Não gostaria de ter visto/ os altivos coqueiros de pé/ a morrer sem um gemido/ o esplendor das árvores/ a murchar em silêncio// Não gostaria de ter visto/ mas vi/”. Porém, o olhar transfigura-se em comovente e generoso desejo do sujeito lírico em fornecer o acalanto ao seu alcance, a poesia de afeto: “Se eu pudesse/ também meus versos/ seriam chuva/ e se o mar fosse milho// a nossa terra seria rica”.
Ohar terno, de ternura da água cabo-verdiana da poeta que persiste na vasta diáspora com a notícia das chuvas no arquipélago a motivar recordações afetivas do bem que virá: “Ouvi dizer/ que chove nas ilhas/ e que a terra rejubila de frescura”.
Afeto expandido às mulheres e às influências literárias e culturais do país, passam pela morna e batuque, por músicos como Ildo Lobo e poetas como Eugénio Andrade – admiração celebrada em dois belos poemas em prosa –, Sophia de Mello Andresen e Ovídio Martins, sendo que no poema de contestação social dedicado a este é clara a intertextualidade com “Um poema diferente” de Onésimo da Silveira.
Uma poesia de ternura, de afeto ao seu povo e às suas ilhas, por outro lado, de palavra contestatária e de denúncia social presente em poemas como “Os homens enlouqueceram” e “Dias de traição”, mas, sobretudo, de sonho, de sonho sonhado, talvez por isso, as constantes referências ao azul, cor do céu, do mar, do infinito, por fim e ao cabo, da sensibilidade desmesurada, do lirismo afetuoso, da fraternidade poética a insistir em um sonho possível: “venham todos/ os que partiram/ ergam os braços aos céus/ pelo sonho sonhado/ por uma terra com brilho/ caminhos claros/ esperanças forçadas// levantem-se todos/ por este sonho sonhado”.
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A Diva dos Pés Descalços – presto minha solidariedade à dor do país nessa hora di bai de Cesária Évora. Cisé de voz cativante, de música para o mundo, expressão máxima da cultura cabo-verdiana.
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