António Pedro (1909-1966)
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 302.
António Pedro da Costa nasceu na cidade da Praia, Ilha de Santiago, a
9/12/1909, e ainda na tenra idade foi para Portugal. Filho de pai português e
mãe inglesa, estudou na Faculdade de Letras de Lisboa e na Sorbonne. Foi
locutor da BBC. Atuou como poeta, artista plástico e teatro. No meio literário
português ficou conhecido pela forte influência do surrealismo em suas obras,
assim como entre os surrealistas ingleses. Veio a falecer na cidade do Minho
(Portugal) em 17/8/1966.
António Pedro foi fundamental para a historiografia literária
cabo-verdiana de língua portuguesa em razão de livro único de poesia, lançado
no arquipélago em 1929, intitulado “Diário”. Prestes a completar vinte anos de
idade, o poeta retornou a sua terra naquele ano e relacionou-se com pessoas
como Jorge Barbosa. Essa convivência fecunda estimulou Barbosa a alçar outros
voos literários para além dos anteriormente praticados nas ilhas, casos dos
antecessores António Januário Leite, Pedro Cardoso e José Lopes.
A poética constante em “Diário” revelou um autor vinculado às tendências
modernistas em voga na Europa. A versificação livre e o seu olhar distanciado
para o cotidiano das ilhas foi carregado de ironia, comum a um jovem branco de
formação europeia, que procurou se envolver com o meio novo ao qual era
(re)apresentado. Destacada sua irreverência quando o sujeito lírico deparou-se
com os ritmos locais: “Vi um batuque/ baque,/ bacanal!/ E fiquei de olhos
cansados/ – pobres selvagens –/ a ver horas e horas/ rolar a mesma dança/
doida...”, ou quando referiu-se à morna: “E a morna/ morna,/ bole/ mole,/ já
velha, sem ser antiga,/ num compasso de cantiga/ sexual.// Reminiscência dum
fado/ que, dançado/ num maxixe,/ tem a tristeza postiça/ dum cansaço.” Com esse
olhar diante do novo que António Pedro transformou esteticamente suas
impressões, sem medos ou fingimentos.
Seu olhar de estrangeiro, porém, não ficou imune ao drama da seca: “Ai
árvores ali/ e duras!,... ai!:/ e aqui/ terra queimada/ só.// Bé!,/ o pó/ da
ventania/ sufoca!/... Lá na baía/ ou doca/ ou que é,/ lá do vapor/ parecia/
melhor,/ embora fosse careca/ a terra seca,/ e o sol queimasse/ e adormentasse/
já.// Cá/ há mais do que calor,/ há dor/do sol!”. Também atento às mudanças da
paisagem com a chegada da chuva: “Chuva!,/ chuva que bonda!,/ chuva que tomba/
- bumba!...// Cheiro a chuva que embriaga.../ Chuva que alaga,/ e estraga o mal
do sol.// Esverdinharam-se os montes/ - um poema! -/ ... foi em dois dias/ um
poema...// Eram castanhos os montes/ e as árvores esgalhadas/ e atormentadas,/
e nuas...// Esverdinharam-se as árvores/ e as bordaduras/ das ruas”. Assim como
a observação irônica das relações raciais no arquipélago: “Os brancos daqui/
são mais modestos que os pretos:/ os pretos chamam-se pretos,/ os brancos
chamam-lhes gente daqui,/ e aqui.../ há brancos e pretos...”.
O livro “Diário”, de António Pedro, consagrou-o como precursor do
modernismo na literatura cabo-verdiana, a percepção, ainda que distanciada para
os aspectos sociais e culturais do arquipélago, trouxe
uma nova guinada e serviu como motivação para os jovens escritores que buscavam
romper com as formas ainda submissas e vinculadas ao colonizador português,
fato que se confirmaria com a revista “Claridade” e poetas como Jorge Barbosa e
Osvaldo Alcântara. Por isso, destacamos a relevância de António Pedro para o
desenvolvimento da mais que secular literatura cabo-verdiana de língua
portuguesa.
*
Destacamos a forte presença de Cabo Verde no “VII
Semana da África - Identidades africanas na produção audiovisual em África e na
sua diáspora”, ocorrido em Salvador (Bahia/Brasil) de 20 a 25 de maio. A
literatura fez-se presente com os escritores Filinto Elísio e Joaquim Arena,
também estavam os colaboradores do “A Nação”, Márcia Souto (Uni-CV) e Ricardo
Riso. Souto e Elísio lançaram seus livros “Fenestra” e “Me_xendo no baú”,
respectivamente, durante o evento. Além da presença do Dr. Amarino Queiroz
(UFRN), do Dr. Claudio Alves Furtado (Uni-CV), de António Tavares (coreógrafo)
e dos cineastas Leão Lopes, Pedro Marcelino e César Schofield.