quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Vera Duarte - Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança

Vera Duarte - Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança

Ricardo Riso
Texto publicado no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 155, 19/08/2010, p. 18.

Em "Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança" (Lisboa: Instituto Piaget, 2005), Vera Duarte reafirma sua postura irredutível em prol dos direitos humanos, da mulher e contra toda e qualquer forma de opressão aos desfavorecidos não só da África, mas de todos os países. Trata-se de uma poesia que pretende atingir "todos os que lutam por um mundo de maior justiça e melhor humanidade".

Nascida no Mindelo, ilha de São Vicente, Vera Duarte é juíza desembargadora e foi ministra da Educação. Dentre os prêmios literários, destacam-se Tchicaya U Tam'si de Poesia Africana 2001 e o SONANGOL 2003 pelo romance "A Candidata". Publicou em poesia "Amanhã Amadrugada" e "O Arquipélago da Paixão", entre outros artigos e ensaios.

Com apresentação de Carmen Lúcia T. R. Secco e prefácio de Estela Pinto Ribeiro Lamas, "Preces e Súplicas..." começa com as Súplicas diante "da impotência tamanha" causada pela caótica situação africana: "há homens que não têm água/ há homens que não têm luz/ há homens que não têm casa/ há homens que não têm nada". A seguir, a trajetória de exploração da África, "então vieram caravelas/ trazendo homens de cor estranha/ (e estranhos pensamentos)". No colonialismo a ganância visa o rico solo: "ouro diamante petróleo/(...) cada vez mais queriam possuir teus bens". Até que os tempos mudam, "o vento da revolução/ soprou forte sobre o mundo", e com a independência "cantaremos hinos de súplicas e esperança".

Após as Súplicas, chega-se às Preces. A “Prece Primeira” homenageia o poeta português Eugénio de Andrade e metaforicamente usa a rosa deste e a rosa mirabílica, referência à antologia “Mirabilis – de veias ao sol”: "Em África cresce uma rosa/ É a rosa mirabílica/ Flor de poesia/ uma rosa entre cadáveres".

Na “Prece Segunda” as 7 cabeças de hidra e os 7 pecados originais são atualizados: "a guerra/ a tirania/ a corrupção/ a má governação/ a sida/ a estupidez/ a indiferença". Contra os líderes inescrupulosos, a certeza de agir: "É este o ano/ O dia, o século/ E o milénio" e vislumbrar um futuro digno: "É a esperança que tem que nascer/ É a esperança que vai renascer".

A “Prece Terceira” mostra as utopias destruídas e os sonhos conspurcados perante a ambição desmedida. Todavia, ainda há espaço para o "holocausto redentor": "É preciso uma fé/ Que mova montanhas/ E um holocausto redentor/ Que devolva os homens/ Aos ideais".

A “Prece Quarta” é dedicada a todos que não têm voz nas "Canaãs inacessíveis". Em "titanesca revolta", queixa-se: "Oiçam a minha voz/ Oiçam a minha cólera". A Prece seguinte acompanha o sentimento universal.

A indignação revela-se na “Prece Sexta” ao mostrar as condições subumanas impostas às crianças, que são "Compradas/ Vendidas/ Violadas/ Abusadas/ Exploradas/ Maltratadas/ Seviciadas". A última Prece refere-se à Gorée, ilha senegalesa de onde saíam os escravos na época do tráfico negreiro, e o eu lírico procura "reinventar o outro futuro/ antes que seja este passado".

Depois das Preces, os poemas dedicados à mulher. Exige-se uma nova postura: "Desperta-te mulher!/ Larga toda essa miséria/ e vem lutar pela verdadeira mulher" e, assim, encontrar a "Mulher d'hoje", de "Tempos novos/ ideais recuperados/ brilho no ar e transparência em tudo/ serão espelho/ onde se refletirá/ a imagem/ diferente e subversiva/ da mulher de hoje/ a ganhar forma/ a ganhar corpo/ a crescer/ a viver".

Ao fim, um cântico final e redentor celebra a poesia e a união dos homens contra a opressão: "E esconjuraremos juntos/ As desgraças do/ Tempo que passa/ Gloriosamente recusando/ A sorte/ A morte/ E todos os sacrilégios".

Ao utilizar alegorias bíblicas, Vera Duarte expõe suas preocupações sociais em "Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança". Na infatigável defesa dos direitos humanos depreendemos a "holística comunhão" em um futuro possível, de quem ama demasiadamente "a humanidade/ para assistir/ indiferente/ às várias hecatombes/ que sacodem/ o nosso cotidiano".

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