Tchalé Figueira – O Azul e a Luz
Por Ricardo Riso
Consagrado como um dos principais nomes das artes plásticas de Cabo Verde, Tchalé Figueira desde o início dos anos 1990 apresenta a sua verve como escritor, passeando pela poesia, novelas e contos. De sua lavra são “Todos os naufrágios do mundo”, “Onde os sentimentos se encontram”, “Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação”, “Solitário”, “Contos de Basileia” (este ainda no prelo) e participações em antologias como “Tchuba na desert” para além de publicações em jornais e revistas das ilhas.
“O Azul e a Luz” foi o seu mais recente livro de poesia, publicado em 2002 pelo Instituto da Biblioteca Nacional, composto por trinta e um poemas, oito desenhos do próprio Figueira e prefácio de Isabel Lobo. Nesse livro deparamo-nos com um sujeito lírico angustiado, melancólico, amargurado com o meio e o tempo em que vive, que busca a força da palavra poética, por isso suplica “é urgente a luz...”.
Sim, a luz para o fim da insensibilidade entre os homens, o término das injustiças perpetuadoras do caos e da dor presentes na contemporaneidade, estimuladas por políticos inescrupulosos a determinar o trágico destino de milhões de vida: “Vivo num Planeta azul de fogo/ Onde a hiena e o chacal se beijam/ Esmagando corações e flores”. Sendo assim, “Com fervor, peço à criação/ Que um dia os generais do Mundo/ Acordem-se poetas e os banqueiros/ Da Wall Street Cristos na multiplicação/ Dos peixes”.
O sujeito lírico é ciente da hipocrisia predominante e da bestialização da condição humana, por isso em “Epitáfio a um poeta”: “Sonhou toda a vida acalentando a morte/ Para melhor viver num mundo de mentiras”, conduzindo-o a rememorar nossa ancestralidade e perguntar-se(nos): “Qual foi o erro na evolução de LUCY/ Nestes milhões de anos?...”, da crueldade de um mundo tomado pelo desenvolvimento da tecnologia que não diminui as desigualdades, mas que proporciona o aumento do terror, ceifando vidas na “era cibernética/ Que faz máquinas que não amam/ E impiedosamente matam”.
Contrapondo-se a isso, o sujeito lírico transfigurado em australopiteco trará o novo homem, persistente em seu clamor, deflagrador da mudança para um novo tempo: “Eu sou um australopiteco da era cibernética/ E vivo num planeta triste em sangue// Também sou um australopiteco poeta da era cibernética/ E grito todos os dias a palavra LIBERDADE...”
A insensibilidade predomina entre os seres, ofusca a luz, a impossibilidade do amor apodera-se da poesia: “Beijei constelações de melancolia// Na cegueira de um reencontro triste,/ Desvaneci-me na ilha do meu sentir e/ Naufraguei no frio dos teus beijos,/ Terrivelmente ausentes de luz”. Apesar da melancolia apreendida pelo sujeito lírico diante das atrocidades que dilaceram as pessoas, a “utopia do poeta” determina a sua trajetória, o seu compromisso para com os homens, o seu sentimento solidário permanece intocável: “Irei pelas ruas do Mundo delirando/ Com o cheiro (a)mar das ilhas/ E farei com que meus cabelos/ De mil pássaros voando, sejam/ A anunciação da contiguidade”.
A redenção está no Amor, o lirismo socorre o sujeito lírico: “Hoje acordei com o sabor a pão da tua boca/ E fui ao mar pedir aos Deuses que nos trouxessem/ A purificação no amor.// Regressei a luz com lábios de sal/ E beijei-te num solene baptismo de amantes/ Temperando o alimento da vida”.
O sujeito lírico propõe o retorno à tenra idade, com os “olhos de uma criança/ Encontro a luz lírica do mundo”, para assim reconstruir os caminhos, reformular as escolhas por meio da “serenidade rítmica da luz”, luz que iluminará as consciências e conduzirá os homens a tempos de paz e de igualdade. Da luz para o azul, azul do céu, do infinito, do universo onírico, do sonho que jamais morrerá por um mundo melhor retratado na delicadeza dos desenhos e nos poemas deste incansável contestador, o poeta-pintor Tchalé Figueira.
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