Carlota de Barros – uma poesia de afeto
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 198, p. 25, de 16 de junho de 2011.
Carlota de Barros Fermino Areal Alves nasceu na Ilha do Fogo em 24 de Janeiro de 1942. Durante a infância viveu nas Ilhas do Fogo, Brava, S.Nicolau e S.Vicente. Em 1949 mudou-se, com a família, para Moçambique onde permaneceu até 1957, ano em que partiu para Portugal. Neste país licenciou-se em Filologia Germânica, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Mora em Portugal desde 1974, mas visita constantemente o seu país.
Carlota de Barros é colunista do Jornal Artiletra, tem textos publicados na Revista Pré-Textos e em outras revistas de Letras e Artes. Em 2000, lançou o seu primeiro livro de poesia, “A Ternura da Água”; em 2003 publicou “A Minha Alma Corre em Silêncio”. No ano de 2007, o Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro editou o seu livro de poesia, “Sonho Sonhado”, que é reeditado em 2008, numa edição trilingue (Crioulo, Português e Inglês), a primeira edição trilingue publicada em Cabo Verde.
A poesia de Carlota de Barros é marcada pela intensa lembrança de Cabo Verde, um olhar diaspórico formada por saudade e afeto que mesmo na terra-longe assume as ilhas como parte integrante de sua vivência. Conjunção apresentada desde o seu nascimento e retratada em “Mar e Fogo”, poema de “A Ternura das Águas”: “Nasci junto ao mar/ (...) me uni para sempre/ à água/ ao sol/ à areia// nasci entre o fogo/ e tempestades salgadas// cobri-me de salsugem/ mastiguei o sal/ das ondas sem fronteiras// e me uni/ para sempre/ ao mar e ao fogo.”
Por vezes o retorno às ilhas preenche-se de amargura, impõe-se ao olhar de quem retorna e se depara com a miséria que insiste em marcar presença. Valendo-se da temática consagrada por claridosos e novalagardistas em tempos idos, lembranças de um triste passado dilaceram o presente assim exposto na versificação livre e detonam o olhar melancólico do sujeito lírico no poema “Seca”, publicado em “Sonho Sonhado”: “Não gostaria de ter visto/ os altivos coqueiros de pé/ a morrer sem um gemido/ o esplendor das árvores/ a murchar em silêncio// Não gostaria de ter visto/ mas vi/”.
Entretanto, as reminiscências do sujeito lírico na terra-longe buscam o acalanto nas ilhas, a palavra poética transfigura-se em “eco silencioso da nostalgia”. Poesia de memória afetiva que encontra na liberdade do ar o mar do outrora: “A minha alma corre em silêncio/ pelas rochas do meu arquipélago anilado// é a saudade do mar”.
A ternura do seu olhar revela um lirismo otimista e farto para o país com a chegada da chuva no seu singelo “Recado para as Ilhas”: “chegou a chuva/ o verde/ e o rosa/ os azuis/ os pampilhos/ as harpas/ e os alaúdes// há serenatas/ suspensas/ nos sonhos/ de alguém/ sons de violino/ no ar violeta/ trazem de comer/ e beber/ para todos/ (...) porque as ilhas/ são verdes/ e a chuva/ chegou”.
A poesia de Carlota de Barros surpreende pela ternura que emana, o lirismo afetuoso e exacerbado a cantar as suas ilhas, tão suas que a permanência na terra-longe não reduz o seu sentimento, aliás, só aumenta a sua sensibilidade transfigurada em versos suaves, por vezes melancólicos, mas sempre apresentando um olhar solidário e de amor para o seu país, a sua terra cabo-verdiana. Uma poesia que merece um lugar de destaque dentro do felizmente diversificado panorama literário contemporâneo de Cabo Verde.
“Voltarei sempre/ às minhas rochas/ surgidas do mar// voltarei sempre/ às minhas ilhas/ mesmo que as chuvas de outubro/ se neguem// voltarei sempre/ ao meu lar/ mesmo que o milho verde/ não nasça// voltarei sempre/ ao silêncio branco dos mastros/ ao riso fresco das crianças/ ao abraço quente das gentes// voltarei sempre/ mesmo que julho/ não chova// voltarei sempre.”
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