quarta-feira, 1 de junho de 2011

Maria Celestina Fernandes – A Árvore dos Gingongos (livro infantil angolano)


Maria Celestina Fernandes – A Árvore dos Gingongos (livro infantil angolano)
Por Ricardo Riso
Agradecimento especial à autora.

É com inenarrável satisfação que se celebra a publicação de A Árvore dos Gingongos, de Maria Celestina Fernandes, ilustrações de Jô Silveira, sob a chancela da Difusão Cultural do Livro para os pequeninos leitores brasileiros. Em caprichada edição, apresentação a cargo da Profa. Edna Bueno e um glossário muito bem elaborado elucidando os significados das palavras em quimbundo, etnia da autora, que aprendemos os sentidos de vocábulos estranhos para nós. Por outro lado, descobrimos a origem de outras tão próximas, caso de canjica.

Maria Celestina Fernandes nasceu no Lubango, Angola, em 1945, é uma renomada autora de livros infantis em Angola, tendo lançado mais de uma dezena de títulos para esse segmento com destaque para “As Amigas em Kalandula”, vencedor do Prêmio Literário Jardim do Livro Infantil em sua edição de 2010. Além disso, consta em seu currículo várias publicações para os adultos que passam pela poesia, romance e crônica, além de participação em coletâneas no seu país e no estrangeiro. Celestina Fernandes também é membro da União dos Escritores Angolanos e recebeu o prêmio de Mérito do Ministério da Cultura de 2009.

O enredo do livro é sobre os gingongos, os gêmeos aludidos no título. Considerados seres especiais, tanto para o bem quanto para o mal, que não devem ser contrariados. Além disso, de acordo com a mitologia dos quimbundos foram os primeiros habitantes de Angola. A história se passa em uma numerosa família que moram em uma casa simples de um musseque (favela), consagrado espaço de resistência dos angolanos no período colonial, sendo os gingongos os caçulês (caçulas), assim como acontecimentos do cotidiano familiar são apresentados ao longo do texto.

Aqui começamos a perceber a habilidade de contar histórias de Celestina Fernandes ao se valer do hibridismo na narrativa que se inspira na tradição oral, recriando-a e concretizando a sua própria escritura infantil. Esse procedimento remete ao que Walter Benjamin desenvolve em “O narrador”, no qual o intelectual afirma que “contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo”. Os gingongos são recebidos com grande festa, pois se “são mal recebidos, ficam zangados, podem adoecer a ponto de morrer! Assim falam os mais velhos...” (p. 9). Em seguida recebem o tratamento de uma velha curandeira para espantar os maus espíritos e a descrição desse ritual, e que depois será complementado pelo batismo na igreja católica. Aqui temos a presença do sincretismo religioso. Nesta cerimônia, recebem os nomes de Manuel e Manuela, entretanto, todos os chamam de Adão e Eva. Novamente, entrecruzam-se as origens africanas e as impostas nos tempos do colonialismo português, mesclam-se o mito quimbundu dos gêmeos como os habitantes primeiros de Angola e o mito bíblico, que aponta Adão e Eva como os seres originais.

Hibridismo que também encontramos no uso da língua portuguesa, do enfrentamento do passado e imposição do idioma do colonizador. Porém o grande conflito se deu no texto escrito em língua portuguesa que passou a ser contaminado com a oralidade própria das etnias angolanas, o que remete ao célebre artigo de Manuel Rui, “Eu e o outro invasor”: “No texto oral já disse não toco e não o deixo minar pela escrita arma que eu conquistei ao outro. Não posso matar o meu texto com a arma do outro. Vou é minar a arma do outro com todos os elementos possíveis do meu texto. Invento outro texto”. É o que apreendemos na narrativa de Celestina Fernandes enriquecida com os diversos vocábulos em quimbundu no seu decorrer, como no primeiro parágrafo da história: “Nga (senhora) Maria era uma senhora muito conhecida lá no musseque (favela). O marido dela, o senhor Policarpo, homem catita (elegante) em tempos idos, era ainda grande dançarino de rebita (dança tradicional), apesar da idade já um pouco avançada” (p. 7).

Outro ponto de resistência da cultura tradicional quimbundu acontece na passagem da Vovó Chica, mantendo acesa a sabedoria ancestral e a crença de que os gingongos são seres especiais, podendo ser perigosos, por isso a referência aos muloji (feiticeiros), repassando-as às crianças em forma de reprimenda por implicarem com os gingongos: “Xé, cuidado ehn! Faz favor não trazer desgraça aqui, deixem lá as crianças. Vocês não sabem que zanga dos gingongos traz azar? Essa gente são muloji, deixem-nos em paz” (p. 15).

Exatamente por considerarem-nos seres especiais, os gingongos são criados cheios de mimos e em razão desses mimos que se dá a grande maka (confusão, discussão) da história. Havia uma enorme mangueira no terreno da casa e um dia os gêmeos decidem pedir aos pais a árvore só para eles, juntamente com seus saborosos frutos. Os pais, crentes nos poderes sobrenaturais dos gingongos, acatam o desejo. Porém, com a chegada das frutas as outras crianças começam a pegá-las, os gêmeos se sentem contrariados e adoecem com gravidade. Como os seus desejos são sempre atendidos, prevalece o comportamento egoísta dos gingongos e todas as outras crianças afastam-se da árvore. Contudo, é óbvio que tal decisão não dura muito tempo e todos passam a conviver em harmonia.

Apesar de a narrativa estimular a importante reflexão do egoísmo aos pequenos leitores, A Árvore dos Gingongos fascina por apresentar diversas manifestações tradicionais da cultural da etnia quimbundu, suas crenças e mitos, a vivência no musseque e o cotidiano de uma família simples. Uma história que encanta por mostrar às crianças brasileiras um pedacinho de Angola, do caráter híbrido da formação identitária angolana com leveza e delicadeza. Encantamento facilitado pelas excelentes ilustrações de Jô Oliveira e um formidável trabalho de diagramação que harmoniza texto e imagens. Um livro essencial de Maria Celestina Fernandes, merecedor de congratulações à Difusão Cultural do Livro ao proporcionar este lançamento e incentivar a aproximação Brasil-Angola. Aliás, um exemplo que deveria ser seguido por outras editoras brasileiras que ainda ignoram as literaturas africanas de língua portuguesa. Para finalizar, A Árvore dos Gingongos, que recebeu “Menção Altamente Recomendável” pela Fundação Brasileira do Livro Para Crianças e Jovens, precisa ser considerado como uma ferramenta fundamental para os professores da Educação Básica que pretendem implantar as matrizes africanas em suas disciplinas, de acordo com as leis 10.639/2003 e 11.645/2008.



A Árvore dos Gingongos
de Maria Celestina Fernandes
Ilustrações de Jô Oliveira
São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 2009.


















2 comentários:

  1. Oi, Ricardo.

    Tudo bem com você?
    Maravilha seus posts!
    Adorei!
    Quanta coisa boa.

    Bjos.

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  2. Olá, Val!
    Tudo bem por aqui, e vc?
    Celestina Fernandes tem uma excelente mão para os pequeninos.
    Leve este para o seu blog, se quiser.
    Bjs!

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