Cruz e Sousa – o negro branco
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 289, de 14 de março de 2013, p. E18
Embora João da Cruz e Sousa seja o maior nome do Simbolismo brasileiro, a
nossa historiografia literária dedicou-lhe uma equivocada atenção ao considerar
seus poemas acríticos a sua condição de negro em um período efervescente da
história brasileira, com o fim da escravidão (1888) e a proclamação da
República (1889). Contra essa história das ausências que uma considerável
fortuna crítica, com destaque para “A consciência do impacto nas obras de Cruz
e Sousa e Lima Barreto”, tese de doutorado de Cuti, vem sendo desenvolvida à
margem do cânone para anular o embranquecimento imposto. Frisa-se que fato
parecido ocorre(u) com a obra de Machado de Assis e o silenciamento da Academia
diante do livro “Machado afrodescendente”, de Eduardo de Assis Duarte.
A biografia “Cruz e Sousa – o negro branco” (São Paulo: Brasiliense,
2003), feita pelo também consagrado poeta Paulo Leminski (1944-1989), contribui
para a dificuldade do cânone em exaltar a genialidade de um negro e que essa
vivência apareça em sua obra. Logo, estranha-se o fato de seu poema
“Emparedado”, em que explicita o ser negro, apenas mais dentre tantos outros
poemas, seja ignorado pela crítica especializada. Afinal, não somos racistas,
escreveu alguém muito importante.
Cruz e Sousa nasceu escravo em 24/11/1861, em Nossa Senhora do Desterro,
estado de Santa Catarina, e morreu* no Rio de Janeiro em 1898. Foi adotado pelos
proprietários de seus pais que lhe deram educação e todos os direitos proibidos
aos negros. O poeta aproveitou-os e destacou-se pela inteligência incomum,
sendo a prova do absurdo das teses racistas do período. A vida de negro no
mundo dos brancos aguçou a consciência dupla escancarada para além das
conversões simbolistas, sua tormenta oriunda do meio em que viveu transformou-se
esteticamente, trazendo para a poesia os conflitos do homem negro emparedado,
castrado no mundo dos brancos, mas sem jamais submeter-se. Seu simbolismo tem a
alvura de Rimbaud e outros, mas é carregado da subversão consciente dos
impedimentos. Ele enegreceu o Simbolismo e forçou os críticos a atentar para a livre
expansão dos signos em imagens viscerais, o que Leminski identificou como
expressionista. Interessante a ousadia de deslocar o cânone para o Poeta do Desterro,
já que o “Expressionismo não existe na história das formas literárias, no
Brasil”.
Com isso, célebre o poema “Caveira” no qual a relação das três estrofes
com a gradação do vocábulo caveira e da pontuação exclamativa demonstra as
diferenças fenotípicas – olhos azuis, nariz de linha, boca de curva leve – são
anuladas pela morte. Para Leminski, tem poetas cuja vida é, por si só, um
signo, e elege “a figura de retórica mais adequada para a vida de Cruz e Sousa
é o oxímoro, a figura de ironia, que diz uma coisa dizendo outra”, já presente
no provocante título da obra.
Gratificantes as considerações de Leminski acerca da rejeição dos
literatos brasileiros ao Simbolismo destacando o momento de auge do
Parnasianismo de Olavo Bilac e outros da Casa Grande – o Rio de Janeiro – com
seu egocentrismo e de sentidos corretos, enquanto o Simbolismo desenvolveu-se
em cidades periféricas, e o negro Cruz e Sousa com sua poesia sinestésico-visceral
de destruição e ampliação dos sentidos causava estranheza. Assinala-se a
relevância das múltiplas citações às culturas negras diaspóricas, à
religiosidade negra brasileira, à música negro-poética de Gilberto Gil e Bob
Marley e a referências literárias. Leminski construiu uma biografia alinear,
concisa, de exaltação ao Simbolismo, essa expressão máxima da palavra poética, apresentou
exemplos do uso do aspecto visual e expansão dos signos foram importantes para o
movimento e, sobretudo, a admiração a Cruz e Sousa.
Para concluir, a maneira envolvente como Leminski acrescentou elementos
autobiográficos ao biografado flexionou o conceito de biografia, para além das
diversas referências culturais engrandecendo o texto. O filho de pai polonês e
mãe negra brasileira, esse polaco negro buscou completar-se nesse outro
atormentado – tormentas terríveis vivenciou Leminski – pelo trânsito em dois
mundos, assumindo-se como o outro. E assim encerra:
“Perfeição só existe na integração / dissolução do sujeito no objeto.
Na tradução do eu no outro.
É por isso que você gostou tanto deste livro.
Você, agora, sabe.
Você, eu sou Cruz e Sousa.”
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É errônea a informação do local de morte de Cruz e Sousa na biografia feita por Paulo Leminski. O poeta faleceu na cidade de Sítio, estado de Minas Gerais, a 19 de março de 1898.
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É errônea a informação do local de morte de Cruz e Sousa na biografia feita por Paulo Leminski. O poeta faleceu na cidade de Sítio, estado de Minas Gerais, a 19 de março de 1898.
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