sábado, 18 de setembro de 2010

Nei Lopes – Kofi e o menino de fogo


Nei Lopes – Kofi e o menino de fogo
Por Ricardo Riso
Produtor de uma multifacetada obra intelectual e artística, passando pelas composições de samba e pelas variadas investigações acerca das matrizes africanas e afro-brasileira em nossa cultura, o que o torna referência tanto na esfera acadêmica quanto na música popular, este suburbano, sambista, professor, teórico e incansável escritor Nei Lopes, lançou, pela Pallas Editora, em 2008, um novo livro direcionado ao público infantil: Kofi e o menino de fogo.

Com a excelência que lhe é peculiar, Nei Lopes inspira-se na história de um grande pensador africano, o milanês Amadou Hampâte Ba (1899-1991), autor do clássico Amkoullel, o menino fula. A narrativa se passa em Gana no ano de 1950 e o narrador relaciona a época com o contexto histórico do continente africano, ainda dominado pela violenta colonização europeia que escancarava a usurpação na maneira como denominava os países ocupados, tais como Costa do Ouro (o nome de Gana antes da independência), Costa do Marfim e Costa dos Escravos (o atual Benim), e com o Brasil, no caso, a inauguração do estádio de futebol, Maracanã.

A importância dos nomes e como são escolhidos para dá-los às crianças em boa parte da África são revelados pelo narrador: “Na África, de um modo geral, quando uma criança nasce, ela não recebe qualquer nome. Recebe um nome de acordo com o dia da semana, com a ordem do seu nascimento dentro da família ou relacionado a um fato importante que aconteça naquele dia. Por isso Kofi se chama assim. Porque nasceu em uma sexta-feira”. Além de destacar o aprendizado oral no cotidiano da aldeia e o respeito das crianças aos mais velhos.

Entretanto, a essência do livro está na maneira como é descrita a percepção do outro. Isso se dá a partir do momento que a aldeia recebe uma expedição com visitantes brancos. O menino Kofi jamais havia saído de sua aldeia, mas sabia da existência de pessoas diferentes de seus pares. O autor é extremamente habilidoso ao descrever a percepção imaginária desse outro desconhecido a partir dos relatos que foram passados ao jovem africano, que ficam exemplificados na relação com o fogo, pois quando as tais pessoas brancas ficavam irritadas, seus rostos ficavam vermelhos “como as chamas de uma fogueira e que se alguém encostasse nelas morreria de dor... Porque a pele dessas pessoas queimava, como o ferro em brasa da forja do forjeiro”.

Nesse primeiro contato notamos o olhar assombrado de Kofi quando avista um menino branco, que o acompanha em igual medo. A aproximação dos dois meninos e a coragem em reconhecer o outro, conduzindo ao rompimento dos estereótipos transmitidos pelos adultos são tratados com incrível objetividade pelo narrador que mostra a importância do encontro com o outro, de conhecê-lo, de senti-lo e a consequente percepção de que somos todos as pessoas são iguais, “mesmo que sejam, na aparência, muito diferente de nós”. Essa é a generosa mensagem que a narrativa procura transmitir aos pequeninos – e também aos adultos.

As ilustrações são de Hélène Moreau e merecem destaque absoluto as caracterizações de como seria uma pessoa branca na imaginação do pequeno Kofi. Após a narrativa, o livro encerra-se com um esclarecedor resumo acerca de Gana, destacando geografia, história, economia, dados populacionais, fauna, flora, alimentação e aspectos culturais do país.

Kofi e o menino de fogo é uma leitura extremamente didática, estimulante e agradável, para além de prestar uma excelente contribuição ao propor a equiparação das relações étnico-raciais em nossa sociedade, ainda marcadas pelo triste estigma da segregação, principalmente no que se refere a nós, negros.

Aplausos calorosos ao mestre Nei Lopes!


Kofi e o menino de fogo
de Nei Lopes
Ilustrações de Hélène Moreau
Rio de Janeiro: Pallas, 2008.

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