40 anos sem Amílcar Cabral
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 281, de 17 de
janeiro de 2013, p. A26
Amílcar Cabral, o líder maior do
PAIGC e da luta pela independência das nações irmãs Cabo Verde e Guiné-Bissau,
completará quarenta anos de sua morte no próximo dia 20 de janeiro. Cabral foi
um dos nomes relevantes para libertação do continente africano, escrutinando ao
longo de sua curta vida político-intelectual uma teoria crítica para a
independência plena dos países africanos. A sua defesa pela unidade africana
com um novo viés inserido no contexto das lutas anticoloniais perpassava pela
união Cabo Verde-Guiné-Bissau, pois “esses territórios por diversas vezes
estiveram sob uma mesma administração, conformando uma única província” (ANJOS,
p. 163) e retomando de forma subversiva a união formulada pela colônia
portuguesa “ao mesmo tempo que representaria uma contribuição original à
unidade africana” (CABRAL, p. 45).
Cabral era um líder cônscio dos
problemas de seu tempo expostos por fragilidades de diversas ordens, tais como
os parcos recursos econômicos substanciados na agricultura e pesca
principalmente, as dissidências políticas e as desestabilizações promovidas em
meio a uma Guerra Fria bipolarizadora do mundo, passando pelo neocolonialismo
motivado pelas autonomias negociadas com as antigas colônias e o empobrecimento
de quadros competentes nas futuras nações e os desvios éticos de seus líderes,
como afirmava a seguir: “[ele] opõe-se à exploração de sentimentos identitários
por indivíduos ou grupos no momento da sua articulação no domínio sociopolítico
(...). Os ‘sentimentos étnicos’ não constituem problemas em si próprios. Só
existe perigo quando esses sentimentos são exacerbados por dirigentes
oportunistas e ambiciosos à procura da sua promoção pessoal” (WICKS, p. 86).
Dentre outros aspectos teóricos,
talvez os mais interessantes para a tentativa de criação de uma unidade e
efetiva participação dos cabo-verdianos na luta contra o colonialismo tenha
sido as provocações de “retorno às origens e reafricanização dos espíritos”,
uma vez que esse viés à África foi contrário à valorização da mestiçagem
proposta pelos intelectuais da revista “Claridade” e sua aproximação ao
continente europeu. Era este o pensamento predominante e também apoiado pelo
colonialismo. Para o sociólogo cabo-verdiano Gabriel Fernandes: “é
fundamentalmente a partir da recusa dos traços culturais africanos e da plena
assunção dos lusitanos que a nova elite intenta afastar-se dos colonizados e
aproximar-se do colonizador. Nessa operação, instaura-se uma espécie de
dinâmica automutiladora, na qual, sob os influxos teórico-epistemológicos
resgatados ao Brasil, idealizou-se ‘um mundo que o português criou’ e em que o
africano não entrou ou está prestes a sair” (FERNANDES, p. 17).
Entretanto, para a urgência do
momento histórico por que a “estratégia por trás da formulação da identidade
mestiça não busca romper, mas situar-se mais confortavelmente no jogo” (ANJOS,
p. 156), caso dos intelectuais claridosos e referente ao que Fernandes
mencionou como “mínimo cultural compartilhado”, que os mantinha como cidadãos
de segunda classe, porém, continua o ensaísta, a emergência das formulações de
Cabral do “retorno às origens também favoreceu uma autoconfrontação dos
artífices identitários com o anverso e o não-ponderável da sua produção, pondo
a descoberto todos os vieses de uma identidade que se afirmou autonegando-se”
(FERNANDES, p. 20).
O originário pensamento de Cabral
gerou críticas e oposições de diferentes prismas, sendo combatido internamente
inclusive. Como suas ideias eram contrárias ao neocolonialismo e de difícil aceitação
pelos dissidentes internos, motivaram o seu assassinato. Fato comum aos grandes
líderes pan-africanistas da época. Para a literatura, Cabral foi enfático ao
defender a transcendência da mensagem da geração claridoso, “o sonho tem que
ser outro” e estimulou autores incisivos como Onésimo da Silveira e Mário
Fonseca, e encontra na obra poética de José Luis Hopffer Almada a revisitação
de seu passado.
BIBLIOGRAFIA:
ANJOS,
José Carlos dos. Intelectuais, literatura
e poder em Cabo Verde: lutas de definição da identidade nacional. Porto
Alegre: Editora da UFRGS; Cabo Verde: Instituto de Investigação Promoção e
Património Culturais – INIPC, 2004.
FERNANDES,
Gabriel. A diluição da África: uma
interpretação da saga identitária cabo-verdiana no panorama político
(pós)colonial. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2002.
WICK,
Alexis. A nação no pensamento de Amílcar Cabral. In: LOPES, Carlos (Org.). Desafios contemporâneos da África – o
legado de Amílcar Cabral. São Paulo: Editora da UNESP, 2012. p. 69-106.
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