Lêdo Ivo
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 285, de 14 de
fevereiro de 2013, p. E14
No dia 23/12/2012 encantou-se um dos maiores representantes da literatura
brasileira: o escritor Lêdo Ivo. Nascido a 18/2/1924, em Maceió, Alagoas,
estado do nordeste brasileiro, ficcionista, ensaísta, memorialista, porém
consagrou-se como poeta, Lêdo Ivo integrou a chamada “Geração de 45”. Contudo,
tal definição serviu apenas para demarcar as propostas opositoras dos novos
escritores ao movimento modernista de 1922, com seu coloquialismo, versificação
livre, concentrada temática nacionalista etc., Ainda assim, Lêdo Ivo
apresentou-se indomável desde suas letras seminais, constatada em “Poesia
Completa 1940-2004” (Top Books/Braskem).
A geração de Ivo viu-se diante de enorme desafio, pois a década anterior
havia revelado poetas do porte de Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e
Jorge de Lima. Logo, para Ivo e todos os outros a busca por uma identidade
poética era árdua. Com isso, fortaleceu-se nesses escritores o retorno a um
rigor métrico e formal exigente com o valor estético e a depuração da linguagem,
tendo na poesia de João Cabral de Melo Neto o seu exemplo maior. Lêdo Ivo
correspondeu a esses pressupostos, entretanto, transgressor por natureza,
passeou ora pelo soneto, ora pela versificação desmedida como no poema
“Justificação do Poeta”, do seu livro de estreia, “As imaginações” (1944):
“Pai, meus pensamentos não cabem na tua sala com piano tranquilo a um lado e
escuras cadeiras vazias perto da janela/ meus inquietos pensamentos não cabem
na saleta com flores morrendo nos jarros e paisagens sorrindo nas molduras/
deixa que eles atinjam além das cortinas azuis e caminhem para muito além das
janelas abertas”. A metáfora da paisagem fixa da casa burguesa e do
enfrentamento da figura paterna anunciou uma polifonia que vasculharia os
riscos ilimitados da palavra poética.
Com o passar dos anos, a temática da poesia de Lêdo Ivo concentrou-se em
questões ontológicas e metafísicas, mas jamais abandonado o caráter
memorialista e regionalista, característicos de outros escritores nordestinos,
tais como José Lins do Rêgo e Graciliano Ramos. A transitoriedade da vida
passou a ser uma preocupação constante do poeta, “Felicito-me a mim mesmo por
ser transitório./ Sempre tive medo da eternidade” (p. 262). Navegou do efêmero
ao eterno com furor criativo de quem não tinha temor da folha em branco de
papel: “Vejo o mundo com os olhos feridos pelas estrelas/ e os pulsos queimados
pelas estações” (p. 262). Da sua pena, sem medo, o inefável era o alvo a ser
atingido: “Não quero achar o que os outros perderam (...)/ Ao que ninguém viu,
aspiro; (...)/ Quero, sonho e admiro o inédito (...)/ Não me comove o
irretornável, nem o tempo caído./ Em jogo descoberto, crio minha emoção/ e à
janela contemplo a noite formal/ e eu mesmo sou ogiva aberta aos grandes
astros. (...)/ E sempre adiante busco/ minha paisagem impor-se nas paliçadas
alheias” (p. 266).
Também caminhou por uma poesia mais engajada comum na década de 1960, na
qual teve no seu contemporâneo Ferreira Gullar um dos seus cultores e os textos
inspirados na literatura de cordel quando estava envolvido com o CPC da (UNE).
Ivo com o livro “Estação central” de 1964, ano do início da ditadura militar no
Brasil, mostrou-se sensível aos problemas sociais e ao clima de reivindicação da
época. O poema “Primeira Lição” é um exemplo: “Um dia num muro/ Ivo soletrou/ a
liçã da plebe.// E aprendeu a ver./ Ivo viu a ave?/ Ivo viu o ovo?// Na nova
cartilha/ Ivo viu a greve/ Ivo viu o povo” (p. 437).
Já no livro “Plenilúnio” (2004), Ivo subverteu Bernardo Soares: “Minha
pátria não é a língua portuguesa./ Nenhuma língua é a pátria. (...)// Ela serve
apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria muda,/ minha pátria
disentérica e desdentada, sem gramática e sem dicionário, minha pátria sem
língua e sem palavras” (pp. 1027-8). Ou seja, do alto dos 80 anos de idade Lêdo
Ivo não perdeu o vigor de surpreender e de inquietar retinas e mentes inertes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário