domingo, 30 de junho de 2013

Lêdo Ivo (A Nação)

Lêdo Ivo
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 285, de 14 de fevereiro de 2013, p. E14
No dia 23/12/2012 encantou-se um dos maiores representantes da literatura brasileira: o escritor Lêdo Ivo. Nascido a 18/2/1924, em Maceió, Alagoas, estado do nordeste brasileiro, ficcionista, ensaísta, memorialista, porém consagrou-se como poeta, Lêdo Ivo integrou a chamada “Geração de 45”. Contudo, tal definição serviu apenas para demarcar as propostas opositoras dos novos escritores ao movimento modernista de 1922, com seu coloquialismo, versificação livre, concentrada temática nacionalista etc., Ainda assim, Lêdo Ivo apresentou-se indomável desde suas letras seminais, constatada em “Poesia Completa 1940-2004” (Top Books/Braskem).
A geração de Ivo viu-se diante de enorme desafio, pois a década anterior havia revelado poetas do porte de Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Jorge de Lima. Logo, para Ivo e todos os outros a busca por uma identidade poética era árdua. Com isso, fortaleceu-se nesses escritores o retorno a um rigor métrico e formal exigente com o valor estético e a depuração da linguagem, tendo na poesia de João Cabral de Melo Neto o seu exemplo maior. Lêdo Ivo correspondeu a esses pressupostos, entretanto, transgressor por natureza, passeou ora pelo soneto, ora pela versificação desmedida como no poema “Justificação do Poeta”, do seu livro de estreia, “As imaginações” (1944): “Pai, meus pensamentos não cabem na tua sala com piano tranquilo a um lado e escuras cadeiras vazias perto da janela/ meus inquietos pensamentos não cabem na saleta com flores morrendo nos jarros e paisagens sorrindo nas molduras/ deixa que eles atinjam além das cortinas azuis e caminhem para muito além das janelas abertas”. A metáfora da paisagem fixa da casa burguesa e do enfrentamento da figura paterna anunciou uma polifonia que vasculharia os riscos ilimitados da palavra poética.
Com o passar dos anos, a temática da poesia de Lêdo Ivo concentrou-se em questões ontológicas e metafísicas, mas jamais abandonado o caráter memorialista e regionalista, característicos de outros escritores nordestinos, tais como José Lins do Rêgo e Graciliano Ramos. A transitoriedade da vida passou a ser uma preocupação constante do poeta, “Felicito-me a mim mesmo por ser transitório./ Sempre tive medo da eternidade” (p. 262). Navegou do efêmero ao eterno com furor criativo de quem não tinha temor da folha em branco de papel: “Vejo o mundo com os olhos feridos pelas estrelas/ e os pulsos queimados pelas estações” (p. 262). Da sua pena, sem medo, o inefável era o alvo a ser atingido: “Não quero achar o que os outros perderam (...)/ Ao que ninguém viu, aspiro; (...)/ Quero, sonho e admiro o inédito (...)/ Não me comove o irretornável, nem o tempo caído./ Em jogo descoberto, crio minha emoção/ e à janela contemplo a noite formal/ e eu mesmo sou ogiva aberta aos grandes astros. (...)/ E sempre adiante busco/ minha paisagem impor-se nas paliçadas alheias” (p. 266).
Também caminhou por uma poesia mais engajada comum na década de 1960, na qual teve no seu contemporâneo Ferreira Gullar um dos seus cultores e os textos inspirados na literatura de cordel quando estava envolvido com o CPC da (UNE). Ivo com o livro “Estação central” de 1964, ano do início da ditadura militar no Brasil, mostrou-se sensível aos problemas sociais e ao clima de reivindicação da época. O poema “Primeira Lição” é um exemplo: “Um dia num muro/ Ivo soletrou/ a liçã da plebe.// E aprendeu a ver./ Ivo viu a ave?/ Ivo viu o ovo?// Na nova cartilha/ Ivo viu a greve/ Ivo viu o povo” (p. 437).

Já no livro “Plenilúnio” (2004), Ivo subverteu Bernardo Soares: “Minha pátria não é a língua portuguesa./ Nenhuma língua é a pátria. (...)// Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria muda,/ minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e sem dicionário, minha pátria sem língua e sem palavras” (pp. 1027-8). Ou seja, do alto dos 80 anos de idade Lêdo Ivo não perdeu o vigor de surpreender e de inquietar retinas e mentes inertes.

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