Rinkel e Vera Duarte
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 245, de 10 de
maio de 2012, p. E11
Os problemas oriundos da imposição da subalternidade às mulheres nas
sociedades africanas contemporâneas são desvelados com extrema urgência pela poesia
comprometida com questões de gênero, escancarando os preconceitos de diversas
ordens sofridos por elas. Em razão do predomínio masculino na literatura não
abordar com a devida atenção essas questões, vozes poéticas insubmissas
apresentam, a partir de um ponto de vista feminino, as opressões impostas, a
revolta e o acalanto para todas as mulheres, transformando os seus poemas em
representações de dramas coletivos.
A escritora e jurista cabo-verdiana Vera Duarte e a moçambicana Rinkel
são legítimas representantes dessa escrita comprometida a combater o machismo e
as desigualdades sociais, pois constroem uma poesia de intervenção social e em
defesa intransigente da mulher. Rinkel, pseudônimo de Márcia dos Santos nasceu
em Inhambane, em 1977, e já publicou três livros de poesia: “Almas Gêmeas”
(1998, AEMO), “Revelações” (2006, AEMO) e “Emoções e Abstrações” (2011,
FUNDAC). Hoje, Rinkel é uma destacada voz poética feminina moçambicana, ao lado
de Tânia Tomé e Sónia Sulthuane, seguidoras de importantes nomes do passado,
tais como Noémia de Sousa e Glória de Sant’Anna.
Tal como em Cabo Verde, tímida é a presença das poetisas na literatura
moçambicana, por isso a relevância das obras “Revelações”, de Rinkel, e "Preces
e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança", de Vera Duarte, para a
representação de vozes silenciadas, visto que a persistência é a mola
propulsora desse "escreviver". A perseverança permanece acesa para iluminar um
futuro sem as desigualdades da contemporaneidade. Assim diz Rinkel: “Eu
queria./ Queria muito./ Tanto mais que acreditei que iria conseguir!/ Enfim.../
Nem tudo se consegue.../ Mas continuo acreditando./ Ainda quero./ Quero
bastante”. Já em Duarte a perseverança incontestável no porvir: “... até que um
dia/ farta já da mediania/ dos voos rasantes// que planam sem ousar// me arme
de um hino revolucionário/ e parta// em direcção a uma madrugada diferente”.
Contra as atrocidades do cotidiano, o sujeito lírico de Rinkel é rebelde
e insubmisso diante dos preconceitos patriarcais. Revolta-se, atenta as
mulheres para o destino cruel que as espera caso se mantenham inertes e as
convoca para a libertação de uma consciência feminina: “Encara a realidade
mulher!/ (...) Serás escrava do trabalho da tua própria casa,/ Não terminarás
os estudos/ Serás amante de um barrigudo/ Teus filhos serão drogados// Não
queres nada disso?/ Se não lutares para conquistares teus objetivos/ Vais
acabar assim/ Por isso, minha irmã/ Mulher! Mãe!/ Vamos à luta!// Sem homens no
comando,/ Sem ninguém dizendo que não conseguirás/ Apenas luta!/ Tu és capaz! A
vitória é tua!” Enquanto Duarte mantém uma postura corrosiva, a palavra
contestatária firme e direta a tocar nas mentes obliteradas: “Tempos novos/
ideais recuperados/ brilho no ar e transparência em tudo/ serão espelho/ onde
se refletirá/ a imagem/ diferente e subversiva/ da mulher de hoje/ a ganhar
forma/ a ganhar corpo/ a crescer/ a VIVER”.
Observadoras dos problemas de ontem e de hoje, Rinkel escancara as vidas
destruídas, de famílias dilaceradas por ‘companheiros’ ausentes, capazes de
abandonar suas mulheres grávidas entregues à própria sorte, como no sugestivo
título do poema “Lei da Família Moçambicana”: “Barrigas grávidas/ De pais
ausentes, infiéis, polígamos// Amantes/ Sem planos/ Sem promessas/ Sem
esperanças/ Sem futuro// Apenas amantes”. Enquanto Duarte demonstra as
consequências desse abandono e de sonhos dilacerados: “(...) Queria ser uma
mulher sensual/ De formas cheias/ E peito redondo//(...) Queria ser.../ ... e
não sou// (...) Queria mas o meu peito/ se exaure/ na busca desesperada do
leite/ para a criança/ que me morre nos braços”
Por fim, Vera Duarte e Rinkel são vozes poéticas que incomodam a ordem
estabelecida, vozes assumidamente feministas e corrosivas, imprescindíveis nas
literaturas de seus países.
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