Tchalé Figueira - Contos da Basileia
Ricardo
Riso
Resenha
publicada no semanário A Nação, n. 194, de 19 de maio de 2011, p. 23.
As
vivências na diáspora cabo-verdiana marcam os textos reunidos em “Contos da
Basileia”, este novo livro de Tchalé Figueira. Sua escrita carregada em
oralidade, leve e solta apresenta as aventuras e as desventuras no cotidiano de
um jovem imigrante que saiu de Cabo Verde - então colonizada por Portugal para
não servir às tropas salazaristas -, na cidade suíça da Basileia dos anos
1970/1980. Tal fato se confunde com a própria biografia do autor.
Pela
voz do narrador vemos as agruras que passam os cabo-verdianos na terra longe,
encarando os subempregos e a vida com parcos recursos: “porque costuma
matar-nos in extremis a fome soltando saborosos sanduíches depois da meia-noite
quando o local encerra as suas portas. Pãezinhos que sobram todas as noites e
se não forem comidos acabam em contentores de lixo. Porra! Aqui na Suíça até o
lixo é luxo!”. E as constantes lembranças das ilhas do seu país: “Fomos viver
durante semanas junto ao mar que tanta falta me faz na Suíça e me dá fortes
saudades de Cabo Verde”.
Momentos
históricos dos anos 1970 são retratados, como a felicidade com a independência
do país: “Cabo Verde conquistou hoje a sua independência depois de quase
quinhentos anos de domínio português, mano, e finalmente somos uma terra livre,
mano, e vamos comemorar com uma feijoada”. Descortina-se uma Basileia
cosmopolita, com exilados de várias partes do mundo. Estão lá peruanos, turcos,
brasileiros, nigerianos e outros que compartilham suas experiências nas lutas
contra o imperialismo, marcas de uma época de utopias. “Escuto uma miríade de
idiomas que não percebo mas fascinam-me”, diz o narrador.
A
literatura é reverenciada pelo narrador ao celebrar o encantamento com o real
maravilhoso latino-americano e seus representantes: “Hoje sou fã
incondicional do real maravilloso (...)”; ou ao
ter contato com um texto de Amílcar Cabral: “Jamais tinha visto ou lido um
livro escrito pelo herói da nossa Nação!”, Das artes plásticas, o deslumbre e o
olhar sensível: “deparo com as gigantescas
pinturas dos abstractos expressionistas americanos e o meu coração bate
descompassadamente, fico em transe apreciando as enormes manchas coloridas de
Clifford Still, (...) os dripping de Jackson Pollock e de repente vejo-me
diante do último quadro que Mark Rotko pintou antes de se suicidar aos oitenta
e tal anos da sua vida a minha alma fica de novo angustiada”.
Entretanto,
a maior reverência que há nesses contos é destinada às mulheres, presenças
marcantes nas histórias. O narrador não discrimina etnia, religião, posição
política etc. Elas são bonitas, inteligentes, cultas, gostosas; bibliotecárias,
artistas, mães de seus filhos; suíças, espanholas, cabo-verdianas, americanas;
chamam-se Zoe, Bia, Barbara (“a que tem nos olhos a tonalidade azul do mar de
Cabo Verde”), Rita, Marta, Claudia, Flora, Liza, Rachel... Elas são as
responsáveis pelas situações inusitadas dos contos, como as viagens repentinas; revoltam-se
com a sua libertinagem; e o inesperado encontro entre sua mulher e uma amante
em um parque com seus filhos mestiços.
Contudo,
não é apenas o lado cafajeste que se revela do narrador, há o reconhecimento e
a paixão pelas mulheres, assim como a valorização por contribuírem no seu
desenvolvimento cultural, como as discussões literárias acerca dos contos de
Jorge Luis Borges, o contato com a música erudita e aprendizado para apreciar o
jazz.
Bom,
após a travessia das páginas de orgias com mulheres, literatura e artes
plásticas dentro de um cotidiano imprevisível de um mulherengo contumaz, fica o
sorriso por identificar, através de uma escrita despretensiosa, a vivência, as
experiências felizes, o choque cultural, as dificuldades encontradas pelo
cabo-verdiano na tão sonhada, e às vezes ilusória, terra longe. “Contos da
Basileia” proporciona uma leitura agradável para ser degustada “como um bom
copo de grogue de S. Antão”.
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