domingo, 30 de junho de 2013

António Januário Leite – o poeta além-vale (A Nação)

António Januário Leite – o poeta além-vale
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário A Nação, n. 231, de 2 de fevereiro de 2012, p. E16
De escassa produção, a literatura cabo-verdiana da virada dos séculos XIX e XX, o período do cabo-verdianismo, revelou nomes de extremo interesse, porém pouca diversidade temática, com destaque para os articuladores do mito hesperitano, Pedro Cardoso e José Lopes, a poesia de Eugénio Tavares, a prosa cabo-verdianista de Guilherme Dantas e José Evaristo de Almeida.
Esses escritores valeram-se da implantação da imprensa e do surgimento de uma elite letrada nas ilhas, revoltas motivadas por condições inaceitáveis da administração colonial e sufocadas pela metrópole, assim como o fim da monarquia e o início da república marcaram o conturbado contexto político da época.
Na literatura, os autores desse período foram influenciados pelos movimentos de destaque em Portugal, tais como o romantismo, o simbolismo e o ultrarromantismo. O poeta António Januário Leite (AJL) dialogou com estas duas últimas correntes. Nascido em Chã Margarida, no Paul, ilha de Santo Antão, a 10/06/1865 e faleceu em 10/06/1930, após uma vida com graves problemas de saúde causadores de vários impedimentos durante a infância e a adolescência, e dificuldades financeiras na vida adulta em razão de seu envolvimento nas ações subversivas organizadas por seus pares.
O livro “António Januário Leite – o poeta além-vale” contém perfil poético-biográfico e antologia organizada pelo escritor Luís Romano e apresentação de Maria Helena Sato, sob a chancela da editora brasileira Komedi em 2005. Os poemas estão divididos em três cadernos: Ecos da juventude (até 1890), Expansões d’alma (1890-1900) e Horas sombrias (1900-1930); os três cadernos subdivididos em sonetos e outros cantares.
Rígido sonetista, precursor de ótimos sonetistas contemporâneos, casos de Filinto Elísio e José Luiz Tavares, a poesia de AJL é impregnada pela metáfora e figuras como assonância e aliteração, do penumbrismo típica dos simbolistas, com forte influência de Charles Baudelaire, conduzindo o sujeito lírico de AJL a subverter a contemplação do mar: “Mas quando do seu leito vasto e fundo/ o vejo erguer-se em fúrias desmedidas,/ Titão que acorda, amedrontando o mundo,/ tigre esfaimado que só pede vidas...// E sobre o dorso das medonhas vagas/ vejo pairar a vela com receio,/ então exclamo, vendo as suas plagas:/ Senhor! Senhor! como o mar é feio!”.
O pessimismo ultrarromântico dos autores do Mal-do-Século é um tema recorrente, como no poema “Biografia”: “Imersa em dolorosa enfermidade,/ a minha infância vi correr obscura;/ só vendo a paz em sonhos e aventura./ Chorando, atravessei a mocidade.// Por toda a parte a negra adversidade/ e sempre a minha estrela infausta e dura,/ eu creio estar ao pé da sepultura,/ a porta que conduz à Eternidade!”
O apego à morte e o desejo de versá-la são trabalhados à exaustão: “Todos te odeiam! vou cantar-te, Morte,/ ó nossa eterna amiga verdadeira,/ que nos estende a mão hospitaleira/ no fim do nosso caminhar sem norte!” Fixação temática que lembra a boa poesia de Valentinous Velhinho.
Essas características levam o sujeito lírico ao desencanto com a Humanidade: “Lastimo o nada desta vida escura,/ tão cheia de ignorância e de vaidade;/ a vida da chamada – Humanidade –/ que por momentos ou instantes dura.// (...) Abre os teus olhos, Homem, vê a fundo/ o que és e o que te cerca; tudo é peta:/ és nada, como nada és o teu mundo!”
O amor não realizado, comum aos ultrarromânticos, é transferido para a adoração da figura materna, presente em diversos poemas: “Mãe!... recebe estes meus versos,/ embora na dor imersos, em sinal de gratidão”.
Apesar do desencanto, o nativismo surge de forma simplória: “Paul! oh! terra extremosa,/ onde nasce e cresce a rosa/ e a laranjeira formosa/ a sorrir à luz do sol”.

Esta compilação de poemas de António Januário Leite revela um poeta em sintonia com as correntes literárias e aos problemas de seu tempo. Seus poemas são uma excelente amostragem da vertente ultrarromântica no sistema literário cabo-verdiano. 

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