sexta-feira, 22 de junho de 2012

Amosse Mucavele - Poesia Uma Realidade Supra Sensível

Uma reflexão poética de Amosse Mucavele (Moçambique), jovem do Movimento Kuphaluxa, para apreciação dos leitores do blog.
Abraços,
Ricardo Riso
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Poesia Uma Realidade Supra Sensível

A poesia é o sol da imaginação que ilumina o nosso mundo real; um sol que já há séculos vem queimando o iceberg dos sentimentos do poeta vs leitor.

Mas este aquecimento da poesia, diga-se, Global, sente-se no árduo trabalho de limar a matéria-prima que fabrica o poema, e esta está ao alcance de todos seres viventes, vividos e ente-viventes.

António Carlos Cortez diz o seguinte: “ Ao fabricar um poema há ainda uma sensação de que a escrita se autonomiza, não para se tornar nossa por separação do autor, mas para se tornar um corpo orgânico que vive por si só”.

Cabe a nós leitores “atentos” da nossa realidade, seja ela tangível ou intangível, aperfeiçoar a técnica do saber: “ ver o que está à frente dos nossos olhospoisexige uma luta constante

George Orwell subscreve a ideia da “luta constante” sem tréguas com a realidade que nos circunda; uma vez que a produção poética tem como seu paraíso um mar de águas profundas, onde a sensibilidade das geografias imaginárias e a insensibilidade das geometrias reais fazem o cerco ao mar que encarcera o poeta. E é neste cárcere que o poeta sente-se livre como um pássaro no chão do seu vertiginoso voo, onde antes da partida o mesmo acaricia os 4 ventos das grades que o prendem.

Dentro das grades o poeta cria uma pluralidade de espaços, de convívios, de interrogações, e afectos que desaguam na singularidade da poesia detentora de um “Estatuto Topológico (um lugar onde e donde) ” (COELHO, 1972. pag 299.)

“Um lugar onde”  “a linguagem poética se fala e se escreve”( BLANCHOT,97,pag 47); ”um lugar donde” a imaginação resplandece e espalha-se no reino da realidade.

Segundo Leyla Perrone Moisés, “A poesia não pretende mais a primazia entre os discursos; assume-se como linguagem à parte não comunicativa, hermética, passando a ter um valor em si mesma, torna-se núcleo irradiador de sentidos infinitos, desafiando o leitor a dar prosseguimento ao acto criativo.” (2000,pag 27 in A inutil Poesia de Mallarmé)

                                              ILUSÃO

O espelho não reflecte os medos que encharcam o meu silêncio. Muito menos as alegrias que degolam o meu sorriso.

                                                As Vezes

O espelho mente a dizer verdades na inocência das incertezas que se amotinam na vista alegre das minhas angústias.

A tocar flautas. Ao som do triste olhar da lupa

A atirar pedras. Para os olhos que se olham a procura da verdade das certezas pintadas a vermelho dos semáforos.

Paragem! Miragem?

As 4 rodas roncam (a morte, a angústia, o silêncio, a memória) na abstracta estrada da ilusão, onde

F                                 l                         o                      r                       e                  s    apodrecem no verão esburacado da objectiva da maquina fotográfica. Múltipla visão (ordem e caos, verdades e mentiras) de olhos bem abertos na fechadura da alma amedrontada pela doce aparição do labirinto.

As flores atravessam a primavera (que a muito clama por elas) com sapatos de neve (cuidado o Verão e eterno) chutam o silêncio que habita a escuridão. e lá                                                          e lá .

E lá do outro lado da margem, em pleno suar do inverno uma flor (esta) sem arvores nega de dar a voz as pedras.

Insiste. Persiste em aprender a ética da memória das flores que se escondem na estacão última do tempo (o sono) com amarguras de alegrias e angústias. Deitadas no prato hasteado nas lágrimas da bandeira do futuro.    

E no presente? Vejo a minha face multiplicada por 2 no quadro dos olhos deste Deus da Carnificina chamado espelho.



Assim sendo este poema toma de forma subjectiva uma realidade tangível a poesia que se instala nos olhos do leitor faz nos crer que a mesma é feita de inutilidades que no decorrer da sua digressão nas mãos do leitor a tornam útil para humanidade.

É neste prisma que apraz me dizer o seguinte: escrever poesia é colher perigos no covil do leão, onde parte-se com o conhecimento de causa dos dois destinos predefinidos

1º Assumir esta “morte vil” viagem sem volta, internacionalizar as duvidas, e procurar o suicídio desta voz rizomatica no rugir do leão.

2º-procurar (sobre) na eternidade desta perigosa realidade, e afirmar a coragem de que é possível plantar sonhos nas garras do leão.

Há aqui indubitavelmente no poema acima lido uma paixão, uma sensibilidade supra sensível, com as coisas que a priori do ponto vista de um cidadão comum não tem nenhuma missão neste universo, e este poema vem mais uma vez mostrar, dar a conhecer os sentimentos do silêncio, as lágrimas das pedras, os sonhos das flores, os labirintos da memória e o tropel que a morte provoca.

Por exemplo: quando uma pedra estatela-se na poltrona da sua arca e um homem a pisa ou a chuta e em seguida o mesmo fica a contorcer-se de dores, com a pedra acontece o contrário ela fica alegre pois conseguiu mostrar ao homem a sua grandeza, a sua capacidade de o fazer chorar, e a sua forca aglutinadora, consequentemente fê-lo ouvir a sua voz e dentro dela diz - eu sou capaz.

Estas coisas sem vida, mas com vida, convidam e transportam todas as musas para o infindável teorema da poesia. Um espaço impar onde a inutilidade das coisas e a utilidade dos  sonhos reais procuram o aconchego para as suas vozes; vozes de medo, vozes de solidão, vozes de alegria cavalgam em constante mutação para o silencio onde de forma (in)consciente tomam de assalto a folha em branco:

As abelhas fabricam o seu zumbido ao anoitecer dos dias

E ao clarear da noite vendem a dor na matriz do mel amargo que as nossas bocas chupam

O zumbido das abelhas é multiritmico como a marrabenta.

Doce como os desenhos afiados da navalha em linhas horizontais que a cada tracejado a vida calha e a morte não  falha.

Mais uma vez assistimos um diálogo entre o zumbido da abelha e a malevolência da navalha e assim sendo surge a seguinte questão:

Como é que estas duas vozes que falam silêncios podem apagar a ternura da folha em branco?

Cesariny responde –“ pela saturação duma personalidade a disparar em todas as direcções, e não só nos textos”

Quando fala-se de todas as direcções refere-se a sensibilidade do poeta, a super realidade que vem de dentro (a transpiração) e a realidade que nos circunda (a inspiração).

Japone Arijuane - dois poemas (Moçambique)

Novíssima lavra da poesia moçambicana nas letras de Japone Arijuane, um dos representantes do Movimento Kuphaluxa, em mais uma troca afro-rizomática. Boa leitura para os dois poemas que seguem abaixo.
Abraços,
Ricardo Riso

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É, OU NÃO É?



Força fere feridas na alma, nauseabundos excrementos na bunda da cidade fede excitante

Vagina em líquidos d’agua jejuada

desafectação vil inspira e respira ar condiciona-se!

Conjunturas só para a minoria avermelhada.



 O vaivém dos Xapas antes cheios hoje enchidos: carnes vivas de bafo fúnebre há divisão dos perfumes, corpo sob corpo racismo sem problemas?

Leva frasco quando chegar abra o racismo, aliás, perfuma-se

Culatra opaca a tirar à vida bala ballet Marrabenta na dança da morte

TV sapataria vai escovando os mais sujos, vê! É o que não é, pensa pança cheia de fome.



Amanha nunca será novo dia,

Se continuas o mesmo: seiva da nação!

Antes flor que sempre murchou, regada de esperma, poder hipnotiza: cifrão: vai indo histérico não gera acções enquadra-se numa das gerações….

É, ou não é?

Responde, sempre é!



O que não é, você não vê, é, ou não é?

Muda plante tantas mudas, se urinol serve rega… reza dê a dízimos universais, mas nada muda, mas, vai! Muda! Talvez assim ninguém e nada muda-te.

Outro canal vê: ordem e progresso: sexo e violência: excremento tropical e a sua martirizada cultura? O ministério cuida! Cuida você de ti. 

Sétima classe.

Sétima ignorância.



Isca no coração da modernidade: cidade peixe bem ao fundo do mar desértico, fedendo em fedelhos à fidelidade corrupta, aversão digna de indignidades soberanas fezes quantas vezes suportaremos as politicarias? Fôlego as acácias, folga as carícias à venda na avenida, matem a pobreza com a mesma fome, vem Machimbombo bomba na hora de ponta vermelha de sangue, rostos militares com fome na guerrilha dos transportamentos, pó cores de urnas dejectos falaciosos, já agora mudos sem olfacto, como ser alguém, num país de donos






Discurso póstumo de um recém-forjado herói

(As marcas de uma guerra doem mais do que as turbulências em campos de batalha, [Holyba Wotene])



Profiro pela graça da força

das forcas dos sentidos

da garça louca furtiva de alegrias inócuas

pólvora perfume a fragrância estrondosa

quebra olfacto

e todos outros sem

tidos ou mal sido no meu ser!



Quase perco a vida, mas ganho a morte,

à única forma de ter indescritíveis sentidos

e sentir os em concomitante.

Pelo pássaro e o tambor:

guerra e pobreza

mortes e mortos

loucuras e maluco(ras).

 Aqui vai, pelos dezasseis anos, minha gratidão

do gatilho e indicador aglutinados em prol de nada,

nada que se faziam as vidas:

sem culpas,

sem direitos,

sem pecados na fé do idealizado,

lixado em dementes opacas, hipnotizadas a culatra:

caninos,

lobos,

bestas ferra,

tudo menos nada:

nada ao povo,

nada sei hoje porque… porque?

Por actual medo doutrem que suja língua e limpa vossas botas de garras de guerras?

Ou por poderio absolutamente interino?

Vivam,

comam,

bebam,

tudo façam.



Nada é eternal, além da mudança!

Nada é imortal, além da matança!

Hoje aí,

 amanhã aqui!

Virão e verão,

maçons que sois,

o inferno que vos espera,

o mal só gera o mal!



Falo pelas graças das forças das forcas dos sentidos…

Lande Onawale - Kalunga: poemas do mar sem fim (resenha)

Mais uma contribuição para o blog fazendo circular nossos afro-rizomas. Abaixo, resenha de Valéria Lourenço, graduada em Letras (UFRRJ), para o livro Kalunga: poemas do mar sem fim, de Lande Onawale.
Ricardo Riso 

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ONAWALE, Lande. Kalunga: poemas de um mar sem fim = Kalunga: poems of na infinite sea. Salvador: Edição do autor, 2011.

O Atlântico. Oceano personificado, mar, morte, kalunga. Não saberemos nunca precisar quantas foram as vidas tragadas por esse oceano a nos separar: Brasil e África. Nações-irmãs com sangue manchando nossa travessia. Mas do fundo das águas emergem as vozes, nos chegam as memórias de um povo-irmão. As vozes ecoam na poesia de Lande Onawale, como vimos no poema “Ancestral”:
“em mim falam vozes ancestrais,
que conversam mais
se calo,
ou a alma silencia (...)”
O baiano, que tem publicado diversos contos e poemas traz em Kalunga: poemas de um mar sem fim, um sujeito extremamente inquieto como nos versos de “Único”:

“...e este punhal
cravado
no lado
esquerdo
do meu peito
é o único que aceito
sem ele
nem sei
viver direito...”

A utilização do verbo cravar diversas vezes ao longo do livro traz o caráter e a necessidade de penetrar suas palavras profundamente em nossas almas, e isso é feito sem grandes esforços.

“A memória do mar me atravessa...
está cravada em mim (...)” (Kalunga)

“Cravamos um sol
bem no meio do outono!” (Z de maio)

“...e este punhal cravado no lado esquerdo (...)” (Ùnico)

Mas Lande não nos remete somente aos mares de Brasil, África e seus ancestres. Em “Fissura nuclear (Fukushima)” há o relato do acidente natural ocorrido no Japão em 2011:

“a fúria do núcleo da terra
seguiu-se a fúria do núcleo
de um milésimo grão de areia
(...)
- a ciência não tem um plano “b””

E a crítica social está presente em “Canarinhas da Vila”, poema que abre o livro, onde o poeta se pergunta o que sua poesia pode fazer contra toda a violência que vivenciamos dia-a-dia.

“o que pode minha poesia contra isso:
três jovens assassinadas lado a lado?”

A resposta ao autor vem de um texto de Laura Padilha intitulado “A palavra africana e as memórias antigas”:

 “Quem põe a palavra em circulação, ascende a um nível de poder maior e intervém no real, quase sempre com um impulso de modificá-lo, dada a força cosmogônica da palavra que faz circular.”

E Lande consegue nos trazer reflexões, intervir no cotidiano, chocar e sacudir-nos, somente com a força de suas palavras.

Kalunga: poemas de um mar sem fim, edição bilíngue, em português e inglês, tem, nos 21 poemas que o compõem, um grito de dor, uma necessidade de se fazer ouvir, poemas para serem declamados inflamando multidões. Essa poesia não pode ser lida em voz baixa ou ficar guardada na gaveta. Afinal, as vozes que a ilustram esperaram durante séculos para serem ouvidas e Lande faz essa tradução para nossa língua muito bem.

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* cravada, cravamos e cravado: grifo nosso

Referência bibliográfica
PADILHA, Laura. “A palavra africana e as memórias antigas” in Educação, arte e literatura africana de língua portuguesa: contribuições para a discussão da questão racial na escola. Org. Maria Alice Rezende Gonçalves. Rio de Janeiro: Quartet: NEAB-UERJ, 2007.

Sodade di Kabu Verdi (poema-homenagem a Corsino Fortes)

Segue poema em homenagem a Corsino Fortes (Cabo Verde) de Avani Souza Silva, amiga e doutoranda em Estudos Cabo-Verdianos na USP, gentilmente enviado para publicação aqui no blog.

Sodade di Kabu Verdi

Eu choro uma tristeza de sodade
Pena de Xandinha
Lembrança de Nhá Candinha
O silêncio do Monte Cara
A tosse de Parafuso
A esperança desabrida de Cruz
A magreza de Zefa...
Eu choro o semear em pó
O enterro dos meninos
A cicatriz medonha de Leandro
O fogão de três pedras
A morte das brasas
Os estalos calados
Meu Deus, eu choro
Por essas pessoas que não conheço
Palavras que não ouvi
Pedras que nunca pisei
Nhô Chic’Ana virou molambo
Morreu de fome
Ó, meu São Vicente
Ó, meu São Tiago
Ó, meu Santo Antão
Ó meu São Nicolau
Meus santos todos
E mais Santa Luzia
Iemanjás daqueles mares todos
Salamandras do Vulcão
Elfos dos ventos alíseos
Façam alguma coisa!

Sonia Rosa - Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta (resenha)


Sonia Rosa - Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta
Por Ricardo Riso

Revelar personagens históricos negros durante o Brasil Colônia é fundamental para mostrar a resistência de nossos antepassados, quebrar o estereótipo de que os negros aceitaram passivamente a escravidão e dar o devido valor de destaque a esses homens negros e mulheres negras rasurados da história oficial para a construção de um país justo e que respeite a diversidade étnica de sua população.

Em mais uma caprichada edição da editora Pallas para o segmento infantil, a renomada escritora Sonia Rosa agora apresenta a cativante história “Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta”. Trata-se da história real da escrava Esperança Garcia que, em 6 de setembro de 1770, juntou forças e coragem para escrever uma carta para o governador da capitania do Maranhão relatando os maus tratos sofridos por ordem de seu feitor na fazenda onde vivia. Na época a fazenda localizava-se no Piauí, então integrante da capitania do Maranhão.

Com a habitual escrita envolvente, a narrativa de Sonia Rosa apresenta diversos aspectos do cotidiano escravocrata, favorecendo a compreensão das injustiças e dos horrores submetidos aos escravos e escravas. Porém, a grande especificidade dessa história é que Esperança Garcia era uma escrava alfabetizada. Uma das raras mulheres que sabia escrever e ler em seu tempo, como frisa a personagem em dado momento. Esperança Garcia foi escrava em uma fazenda comandada por padres jesuítas da Companhia de Jesus, portanto, deve-se a isso o fato de saber escrever.

Entretanto, o drama, como se o fato de ser escrava já não fosse o maior dos dramas, acontece quando os padres jesuítas são expulsos do Brasil colônia por Marquês de Pombal no século XVIII. Com isso, Esperança Garcia, mulher casada e com filhos, vê sua família ser forçadamente separada de seu marido e filhos maiores. Ela e as crianças pequenas são transferidas para outra fazenda, ou seja, mais uma dispersão na vida dos escravizados, alijados da convivência entre seus entes, comprometendo as relações afetivas. Dispersão e vidas fragmentadas que marcaram e marcam as vidas dos negros nesse país.

Na nova fazenda, a violência física aos escravos torna-se rotineira e não alivia mulheres e crianças, para além do afastamento total da religião católica, a qual Esperança Garcia aprendeu e praticava com fervor. Com isso, o texto revela outra fragmentação imposta aos negros e negras com a dispersão da espiritualidade, na qual a assimilação com o aprendizado forçado da religião do opressor foi vitorioso, levando a personagem a reclamar do descumprimento de preceitos católicos, tais como a ausência do batismo dos filhos e o fato de não se confessar.

Ainda no campo das fragmentações dos corpos e mentes dos negros e das negras, podemos citar o nome cristão da escrava, Esperança Garcia, e o fato de desconhecer o significado de uma canção da língua de seus antepassados africanos que cantava para seu filho, como sua mãe cantava para ela, assim como sua avó cantava para sua mãe. O texto mostra a língua oral de sua etnia diluindo-se com o passar dos anos.

Contudo, uma mulher, ainda que escravizada, que sabia ler e escrever, tinha plena consciência das injustiças e dos malefícios do sistema escravocrata. Sendo assim, não poderia aceitar passivamente a sua vida de adversidades, o que estimulava a indignação, a revolta e o desejo de revelar os seus pensamentos, pois como afirma a personagem: “Saber ler e escrever é uma maneira de esticar, bem esticada, a voz da gente, fazendo com que ela chegue a tempos e lugares distantes, nunca antes imaginados”. Certa do seu comportamento insubmisso, resolve escrever uma carta para o governador e contar o seu sofrimento, a sua indignação e o seu desejo de mudanças. Na carta, dentre outros, relata os maus tratos aos escravos e a vontade maior de conviver novamente com seu marido e filhos.

A partir desse momento, o onomástico prevalece e Esperança Garcia passa a esperar a resposta do governador. A angústia aumenta enquanto a narrativa apresenta o cotidiano da escrava na fazenda. E Esperança Garcia espera a sua resposta, e espera, e espera, e espera...

Esse fato verídico foi descoberto pelo historiador Luiz Mott, posteriormente, por força da Lei nº 5.046, de 07 de janeiro de 1999, ficou instituído o dia 06 de setembro como sendo o “Dia Estadual da Consciência Negra” no Piauí. Além disso, o nome de Esperança Garcia foi dado a um hospital em Nazaré do Piauí, dá título ao Coletivo de Mulheres Negras de Teresina, dá nome a uma maternidade em São João do Piauí e inspira os negros e as negras do estado como exemplo da resistência e conscientização para a erradicação da discriminação racial no estado. Deve-se frisar também que a negra e escrava Esperança Garcia escreveu a primeira carta-petição do Brasil.

Complemento espetacular para a narrativa são as ilustrações da sempre competente Luciana Justiniani Hees, que muito engrandecem o livro, tornando-o uma verdadeira obra de arte. Para finalizar, talvez o maior mérito de “Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta” seja o de mais uma vez revelar a importância do ato da escrita para demonstrar as vivências sofridas das mulheres negras, já que suas vozes sempre foram silenciadas ao longo da história, por isso Esperança Garcia valoriza o fato da escrita atravessar lugares e desafiar o tempo, procedimento que depois seria consagrado com o livro “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus, e com as escritoras negras brasileiras contemporâneas, tais como Conceição Evaristo, Miriam Alves, Cristiane Sobral, Lia Vieira... ou seja, essas escrevivências vêm de longe... Um excelente livro de Sonia Rosa e recomendado para todas as idades.



Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta
Autora: Sonia Rosa
Ilustração: Luciana Justiniani Hees
Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2012


Para conhecer um pouco o historiador Luiz Mott e ler o original da carta de Esperança Garcia, visite o link a seguir:
http://www.overmundo.com.br/overblog/um-rosto-para-esperanca-garcia

Entrevista com o historiador Luiz Mott:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/luiz-mott

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Nana & Nilo – que jogo é esse?, de Renato Noguera (resenha)


foto da página Nana & Nilo no Facebook


Nana & Nilo – que jogo é esse?, de Renato Noguera
por Ricardo Riso

Apresentar novas maneiras de brincadeiras para as crianças longe do estímulo à competição presente em nossa sociedade, assim como valores de solidariedade e de partilha de brinquedos, são os desafios aos quais se propôs o autor Renato Noguera para idealizar a coleção Nana & Nilo para o público infantil. Os dois primeiros volumes da coleção acabam de sair: “Aprendendo a Dividir” e “Que jogo é esse?”, sendo este o apresentado aqui.

Integram a coleção os gêmeos Nana e Nilo; Mulemba, a árvore sábia; e Gino, o pássaro amigo. Este quarteto é o responsável pelas viagens por diferentes culturas, apresentando diversas formas de relacionamento, o que fica muito bem demonstrado em “Que jogo é esse?”. Neste, Nilo fica entristecido por não conhecer um jogo no qual todas as crianças ganhem e fiquem felizes ao seu final, pois, a partir do momento em que há um campeão, os outros, os perdedores, sentem-se tristes ou até com sentimento de raiva, o que estimula a competição e a vitória a qualquer preço. Isso é extremamente ruim e desde cedo adestra os pequeninos para a busca pelo sucesso, visto que somente os vencedores são dignos de congratulações em nossa sociedade dominada pelo consumo. De acordo com Zigmuth Bauman, isso determina o “critério de inclusão e exclusão, assim como orientam a distribuição do apreço e do estigma sociais, e também de fatias de atenção do público” (BAUMAN, p. 71).

Nessa sociedade competitiva de consumidores, qualquer forma de cultura alternativa que não siga as regras do mercado e do consumo são prontamente rejeitadas, por isso as crianças são direcionadas por essa ideologia na qual “tão logo aprendem a ler, ou talvez bem antes, a ‘dependência das compras’ se estabelece nas crianças. (...) Numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação” (BAUMAN, p. 73). Como forma de provocação ao comportamento que temos, a Mulemba decide levar os gêmeos ao continente africano para conhecer a etnia Batwa, onde as crianças têm jogos nos quais todos são vencedores. Estranho, não? Que jogo é esse em que todos são ganhadores e felizes ao seu final? Inadmissível para a nossa cultura. Destaca-se a maneira como a simbologia da Mulemba é reconfigurada pelo autor, pois a árvore representa a ancestralidade, lugar de encontro da natureza e da espiritualidade, também da transmissão de sabedoria dos mais velhos para os mais novos que se aproveitam da sombra proporcionada por sua grande copa.

O retorno feliz dos gêmeos mostra a importância de resgatar valores simples da vida, da convivência harmoniosa dificultada pela ambição desenfreada que somos expostos desde novos. Sendo assim, desvela-se a relevância de conhecer as culturas africanas para contrapormos a maneira como vivemos e refletirmos se é essa a forma como queremos ensinar as nossas crianças. Mérito do autor Renato Noguera, doutor em Filosofia e professor da UFRRJ, ao proporcionar essas reflexões com a leitura desse livro, e para as simpáticas ilustrações de Sandro Lopes. “Nana & Nilo – Que jogo é esse?” é mais um título que atende com louvor a lei 10.639/2003, assim como deve-se destacar o ambicioso projeto que inclui um site – nanaenilo.com.br – com diversas atividades para as crianças, sendo um passo fundamental para a diversidade e a popularização da produção literária infantil negro-brasileira  inserida nas novas tecnologias. Portanto, grande expectativa para ver as animações com os voos da árvore Mulemba conduzindo os gêmeos para os mais diversos cantos do planeta. Uma excelente ideia a partir da força da nossa ancestralidade africana.


Nana & Nilo – Que jogo é esse?
Autor: Renato Noguera
Ilustrações de Sandro Lopes
Hexis Editora
2012

Bibliografia:
BAUMAN, Zigmuth. Vida para consumo – a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Nok Nogueira - Jardim de Estações, lançamento em Luanda

Lançamento terceiro livro de poemas de Nok Nogueira, intitulado "Jardim de Estações", já apresentado em Lisboa. Agora para Luanda, dia 11 de Julho de 2012, na sede da União Dos Escritores Angolanos. Apresentação por conta do ensaísta e poeta angolano Jimmy Rufino.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Domi Chirongo e Alexandre Chaúque lançam livros em Moçambique

NOVA LITERATURA MOÇAMBICANA. O Conselho Municipal da Cidade de Maputo e a Associação de Escritores Moçambicanos tem a honra de convidar ao lançamento dos livros Ndekeni, de Alexandre Chaúque, e Nau Nyau e Outras Sinas, de Domi Chirongo, a ter lugar no dia 19 de Junho de 2012, pelas 16h, no Átrio do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. As duas obras foram vencedoras do Prémio Municipal 10 de Novembro, em 2010 (Domi Chirongo) e 2011 (Alexandre Chaúque). Entrada Livre.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Vera Duarte lança A CANDIDATA na Kitabu Livraria Negra

Pela primeira vez na Kitabu Livraria Negra a prestigiada escritora cabo-verdiana Vera Duarte, para lançamento do seu primeiro livro editado no Brasil, o romance A CANDIDATA (Nandyala Livraria e Editora). 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

FLIAFRO 2012 - participação Ricardo Riso

Prezadas e Prezados,

Estarei como debatedor no dia 2 de junho, às 9h, na mesa LITERATURAS AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRA: diálogos e desafios / Bate-papo com Autores(as)

Convidados(as): Vera Duarte (Cabo Verde) - Lia Vieira - Miriam Alves - Waldemar Euzébio - Jussara Santos - Conceição Evaristo - Kandjila (Angola) - Pedro Matos (Cabo Verde) - Aldrey Anunciação

Debatedor: Ricardo Riso (Crítico)

Coordenador: Abdelasy de Sousa (São Tomé e Príncipe; UFMG/Rádio UFMG)

Programação completa em www.nandyalalivros.com.br