quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Novos Baianos – Acabou Chorare

Acaba de sair um livro de autoria de Moraes Moreira com a sua versão para a história do criativo grupo/comunidade Novos Baianos, surgido na virada dos anos 1960/1970 em meio ao terror estabelecido pela sangrenta ditadura militar que assombrava nosso país. Soube do livro pelo programa Espaço Aberto – Literatura (Globo News/Net) com o sereno jornalista Edney Silvestre, e fiquei a recordar os meus primeiros contatos com a obra do conjunto de cabeludos, sujos e largados. Verdadeiros hippies.

Entre os incontáveis discos de vinil que meu pai possuía, havia o antológico “Novos Baianos – Acabou chorare”. Álbum de capa dupla com diversas fotos dos numerosos integrantes no sítio que ocupavam em Jacarepaguá. Eu ficava espantado (tinha então uns seis ou sete anos de idade) com o estilo despojado, alegre, descontraído e sem maiores caprichos com a aparência que eram parecidos com as primeiras idas da minha família para Figueira, em Arraial do Cabo, no final da década de 1970. Lugar que na época não tinha energia elétrica, anoitecia e ficávamos sob a inconstante luz do lampião de querosene, ausência de água encanada conseguida através de uma bomba manual à qual os adultos tinham que ficar agachados para “tentar” tomar banho. A comida era feita em um fogão de tijolos e todas as pessoas ficavam amontoadas em barracas. Bons tempos em vida comunitária, mesmo que fosse por poucos dias.

Diante de tais semelhanças, logo de cara construí uma simpatia por aquela desconhecida galera. Peguei o disco e coloquei na minha vitrolinha portátil Philips. Era um aparelho que, quando fechado, parecia uma maletinha, quando aberto posicionava-se a caixa de som que ficava presa à tampa.

Os Novos Baianos chegaram ao Rio de Janeiro em 1971 e iniciaram sua experiência comunitária em uma cobertura na zona sul e um belo dia receberam a visita de João Gilberto, um dos grandes nomes da bossa nova. Esse contato faria com que o grupo ampliasse suas influências no clássico álbum “Acabou chorare”, um dos mais antropofágicos discos da música brasileira, e a bossa nova faz-se na música-título, composição de Galvão e Moraes, tanto no som quanto na letra:

“Acabou chorare, ficou tudo lindo
De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé
No bu bu li li, no bu bu li lindo
No bu bu bolindo
No bu bu bolindo”

Depois, o grupo estabeleceu-se no famoso sítio de Jacarepaguá onde uniu música, futebol e vida alternativa. Tudo com muito humor e alegria, contrastando com a barra pesadíssima da sanguinária passagem do ditador Médici pelo poder usurpado, e os versos iniciais de Brasil Pandeiro (composição de Assis Valente), “Chegou a hora dessa gente / bronzeada mostrar seu valor”, retratam a coragem e ousadia dos integrantes ou como canta Baby em “Tinindo trincando” (composição de Moraes e Galvão), mostrando o espírito que norteava o grupo:

“Eu vou assim
E venho assim

Porque quem invade não
não chega não
chega não porque pera aí
sou mesmo assim
sou mesmo assim
sou mesmo assim
assim”

Entretanto, nessa transição que desencadearia no movimento do desbunde, a experiência no sítio, a idealização e tentativa de concretização do sonho da contracultura em levar uma vida libertária a enfrentar o sistema capitalista pela mudança de comportamento, e não se associando ao radicalismo da esquerda que na época vivia o auge da luta armada, Moraes Moreira na entrevista a Edney Silvestre relata que a experiência foi bem sucedida até a chegada dos filhos do grupo. Aí, a falta de grana começou a pesar e o sonho do flower power tropical começou a ruir.

Para combater o inferno astral do período, “Besta é tu” (composição de Galvão, Pepeu Gomes e Moraes Moreira) convoca a todos a buscar um novo olhar perante a realidade estabelecida:

“Besta é tu, besta é tu
Besta é tu, besta é tu

Não viver nesse mundo, se não há outro mundo

(Por que não viver?)
Não viver nesse mundo
(Porque não viver?)
Se não há outro mundo
(Por que não viver?)
Não viver outro mundo

E pra ter outro mundo, é preci-necessário
Viver, viver contanto em qualquer coisa
Olha só, olha o sol. O maraca domingo. O perigo na rua

O brinquedo menino
A morena do Rio, pela morena eu passo o ano olhando o Rio
Eu não posso com um simples requebro
Eu me passo, me quebro, entrego o ouro

Mas isso é só porque ela se derrete toda só porque eu sou baiano”


Galvão, inspirado, para confundir a censura, a caretice de direita e esquerda, defini-se em “Mistério do planeta”:

“Vou mostrando como sou e vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas.
Passado, presente, participo sendo o mistério do planeta.

O tríplice mistério do "stop", que eu passo por
e sendo ele no que fica em cada um.
No que sigo o meu caminho e no ar que fez e assistiu.
Abra um parênteses, não esqueça que independente disso
eu não passo de um malandro.
De um moleque do Brasil, que peço e dou esmolas.

Mas ando e penso sempre com mais de um,
por isso ninguém vê minha sacola.”

No disco encontramos frevo, samba, bossa nova, rock’n’roll e outras citações sonoras exploradas com ousadia e competência por Moraes, Galvão, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Dadi, Jorginho Gomes, Baixinho e Bolacha num intenso diálogo com as idéias tropicalistas de Gil, Caetano e Mutantes. Talvez a melhor fusão do rock com ritmos brasileiros já feita por aqui.

Para termos uma noção da recepção do álbum “Acabou chorare” pela crítica, cito o que Torquato Neto, compositor, músico, ator, jornalista, poeta e um dos pilares do tropicalismo ao lado de Gilberto Gil e Caetano Veloso, escrevia entusiasmado a respeito do grupo:

“Essa é pra ninguém perder: o Teatrão da Siqueira Campos vai apresentar hoje, à meia-noite, um superconcerto dos Novos Baianos, o conjunto (conjunto?) mais ligado desta banda de cá. Quem se amarra neles não pode, mesmo, perder. Quem não se amarra está por fora e é muito bom entrar nessa dança: vamos lá: é no Teatrão, à meia-noite, hoje, hoje, hoje.” (NETO, 22/10/71. p. 123)

Em outra nota de sua famosa coluna Geléia Geral, no jornal Última Hora, Torquato Neto extravasa toda a sua empolgação com o show citado acima, em uma simpática forma de escrever. E creio que tenha sido uma experiência além do que retratou:

“Eu não estou sabendo de nada mais importante pra ser curtido do que o show dos Novos Baianos. Todo mundo já sabe: começa hoje e vai até domingo, no Teatrão da Siqueira Campos, vulgo Teatro Teresa Raquel. Um concerto hoje, outro amanhã e dois no domingo: dá de sobra pra ninguém arranjar desculpas: se querem ficar por fora, fiquem, mas fiquem sabendo que a transa dos Novos Baianos é o que existe de melhor, mais limpo e integralmente porreta entre tudo o que está pintando por aí depois do show da Gal.” (NETO, 29/10/71. p. 131)

Fui crescendo ao som de “Acabou chorare”, chegou o Rock in Rio em 1985, estavam lá Baby Consuelo, Pepeu Gomes e Moraes Moreira. Além da gravidez de Baby, o fato que mais me marcou das apresentações dos antigos representantes do grupo naquele festival foi o solo de guitarra arrasador de Pepeu Gomes na chamada “noite dos metaleiros”. Aliás, considero Pepeu o mais criativo guitarrista do Brasil! Seu disco instrumental “A geração do som”, gravado no final dos anos 70, é uma pérola perdida da mistura rock e ritmos brasileiros, não devendo nada a álbuns de Stevie Vai, Joe Satriani e Ingwie Malmsteen.

Portanto, coloco “Acabou chorare” como um dos melhores álbuns de todos os tempos da música popular brasileira, fundamental na década de 1970 e que marca uma época em que a transgressão e a utopia andavam de mãos dadas. Uma referência cultural que jamais poderemos perder.

Bom, este texto foi motivado pelo livro de Moraes que ainda nem vi, mas que pretendo comprá-lo em breve. Em Uma outra história dos novos baianos e outros versos, lançado pela Editora Língua Geral, Moraes escolheu o estilo da literatura de cordel para narrar a sua versão da história do grupo. Uma opção interessante e agradável. A literatura de cordel já rendeu ótimos exemplos nas nossas letras. Inspirou João Cabral do Melo Neto, com o obrigatório “Morte e vida Severina”, e contou com a simpatia do respeitável poeta Ferreira Gullar em sua passagem pelo CPC da UNE, no raiar da década de 1960.

Para quem quiser conhecer uma outra versão da história dos Novos Baianos, basta procura o livro Anos 70 – Novos e Baianos, de Luiz Galvão, pela Editora 34.

A seguir, alguns vídeos raros que estão no Youtube com músicas de Acabou Chorare. É só curtir!

Riso

A menina dança
http://www.youtube.com/watch?v=mqcq4wwjL8o&feature=related

Brasil pandeiro
http://www.youtube.com/watch?v=jY3cppFA3aQ&feature=related

Mistério do planeta
http://www.youtube.com/watch?v=WWfseMcAUZY&feature=related

Preta pretinha
http://www.youtube.com/watch?v=2eomEoNO4qc&feature=related

Novos Baianos e Marisa Monte – A menina dança
http://www.youtube.com/watch?v=H3E_JrEKFvQ&feature=related



BIBLIOGRAFIA:
NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. Ed. Aeroplano. 1973.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Dina Salústio: “Mornas eram as noites”

Os contos apresentados pela cabo-verdiana Dina Salústio em “Mornas eram as noites” levam-nos a refletir sobre diversas questões que afligem a condição humana, retratando, sob a ótica feminina, os dramas, anseios, felicidades, medos, angústias, revoltas, cumplicidades e tantos outros estados que perpassam pelo cotidiano da mulher. Tendo Cabo Verde como pano de fundo, em um constante movimento entre o local e o universal, depreendemos que tais relatos ora são específicos da mulher cabo-verdiana, ora atingem as mulheres de todo o mundo.

A própria escolha do termo “morna” no título apreende a importância da condição feminina nos contos do livro, porque a morna é “tradicionalmente canto de mulher (...) Música de mulheres, em que a mulher é a peça principal” (GOMES, 2000, p. 115) A morna é a principal expressão musical de Cabo Verde e a mais importante característica cultural do arquipélago, elemento unificador dos cabo-verdianos em qualquer lugar do planeta. Além disso, mostra a estreita relação que há entre a música e a literatura cabo-verdianas, presente em textos de Corsino Fortes, Jorge Barbosa, Pedro Cardoso, Manuel Lopes entre outros, como analisa a Profa. Dra. Simone Caputo Gomes em seu artigo “Ecos da caboverdianidade: Literatura e Música no Arquipélago” (pp. 4-7).

Dina Salústio é uma das principais representantes da literatura cabo-verdiana contemporânea. Pouco destacada, a autoria feminina encontra-se em ótimas letras nos trabalhos de Orlanda Amarilis, Vera Duarte além da própria Dina apenas para citarmos alguns nomes.

Chamada Bernadina Oliveira Salústio, nasceu em 1941 na ilha de Santo Antão. Sua obra apresenta-se em poesia na antológica coletânea “Mirabilis – veias ao sol” (1991), no romance “A louca do Serrano” (1998), no ensaio “Insularidade na literatura cabo-verdiana” (1998) e nos contos que aqui serão discutidos em “Mornas eram as noites” (1994) entre diversos textos espalhados em várias publicações.

Em entrevista concedida à Profa. Dra. Simone Caputo Gomes (USP), a escritora conta como elaborou o livro e da:

“necessidade de publicar as inúmeras histórias de mulheres, histórias de vida que passam por mim (...) Não são ficção, é cá um encontro que é verdade, um momento só (...) Não fiz uma seleção desses textos, só o primeiro foi intencional, para querer mostrar o meu reconhecimento a estas mulheres cabo-verdianas que trabalham duro, que fazem o trabalho da pedra, carregar água, trabalham a terra, que têm a obrigação de cuidar dos filhos, de acender o lume. Quis prestar homenagem a esta mulher (...) Falo das mulheres intelectuais, daquelas que não são intelectuais, daquelas que não têm nenhum meio de vida escrito, falo da prostituta, falo de todas as mulheres que me dão alguma coisa, e que eu tenho alguma coisa delas (...) Em Cabo Verde, quando nasce uma menina, ela já é uma mulher.” (Apud: Sepúlveda, 2000, p. 114)

Diante de tais esclarecimentos, quando deparamo-nos com as curtas narrativas de “Mornas eram as noites” percebemos a presença constante de um narrador-personagem que se vale da transmissão oral dos acontecimentos para compor a matéria literária. Para Walter Benjamin, em seu célebre texto O narrador, a sociedade moderna vem perdendo gradativamente a sabedoria de narrar, desaprendemos a ouvir e contar histórias “sempre foi a arte de contá-las de novo” (Benjamin, 1936, p. 205), algo que Dina Salústio realiza com maestria e encantamento, fazendo disso uma forte característica em seu texto, como na passagem a seguir:

“Há amigos que tenho prazer em oferecer um copo. Não pelo facto de só beberem água mas também porque entre um gole e outro contam estórias que me cativam.” (SALÚSTIO, 1999, p. 19)

ou até mesmo quando, com percepção investigadora, narra conversas de outrem e assume com ironia tal condição para o fazer-literário, ou quando se vale da cumplicidade feminina:

“Eu tinha que ouvir. Bom, não necessariamente, porque podia ter-me desligado como habitualmente, mas deixe-me estar, entrando na conversa, ficando de fora, protegida pelos óculos escuros e pelo livro aberto. (...) Optei por escrever esta crônica. Sem remorsos por ter roubado pensamentos.” (Ibid, ibidem, pp. 79-80)

“Não tínhamos pressa e deixámo-nos ficar conversando, interrompidas apenas pelo ruído das carruagens que chegavam e partiam.” (Ibid, ibidem, p. 60)

Assim, apreendemos que esse narrador-personagem aproxima-nos da atmosfera do cotidiano feminino, das confidências, problemas, amores e desejos que atingem impressionante lirismo durante as narrativas.

Um dos principais temas explorados por Dina Salústio é o sexo, mais precisamente, a prematura iniciação sexual e a posterior gravidez precoce das adolescentes cabo-verdianas. Um problema que mostra a opressão sofrida pelas meninas, o desrespeito dos homens e a falta de planejamento familiar. A autora resume com acidez: “Nasceu fêmea é mulher” (Ibid, ibidem, p. 58). O estupro e o abandono são rotineiros no arquipélago. Meninas são obrigadas a ter relações sexuais e, com isto, o fim dos sonhos da adolescência. O texto denuncia a crueldade da vida e reclama à Natureza:

“Aos dezasseis anos não se devia ter filhos. A natureza não soube fazer contas. Aos dezasseis anos não se devia carregar culpas. Nem vergonhas.
Paula perdeu o olhar meigo e livre de adolescente. Agora apenas um rostinho triste e resignado que de longe se abre, quando gargalhadas de menina como ela despertam o resto de menina que ainda existe.” (Ibid, ibidem, p. 42)

O narrador revolta-se com a situação estabelecida, porém sabe que não pode exigir tal comportamento de meninas. Apresenta soluções em meio a sua indignação, percebe a ilusão de esperança que a jovem ainda possui, mas que terminará em breve. Ficará apenas o intenso calor cabo-verdiano e as dificuldades futuras para quem se tornou “forçadamente mulher, forçosamente mãe”:

“Queria vê-la com raiva (...) Mas, por Deus, aos dezasseis anos quem pode ter essa força toda? (...)
Queria que ela e todas elas se juntassem e calassem para sempre os latidos daqueles que perseguem manhosamente as nossas meninas na quietude das noites (...).
Mas Paula chora às escondidas. E tem esperança. Ainda. Porque a esperança aos dezasseis anos é a última coisa a deixar-se ir. Mas secará com o primeiro leite do primeiro filho. Secará com os sonhos da adolescente forçadamente mulher, forçosamente mãe.
Para Setembro haverá calor.” (Ibid, ibidem, pp. 42-43)


Daí resulta a postura agressiva contra a hipocrisia social perante a exploração da prostituição infantil em “Tabus em saldo”, motivada pela miséria que assola as ilhas do arquipélago, afinal “as fêmeas são sempre as mulheres”, e a impotência da sociedade diante da pedofilia, preferindo o silêncio e a indiferença da omissão:

“há outros de nós que as desejam para o folclore das fantasias e para o encobrimento ridículo e camuflado da irracionalidade do estar.” (Ibid, ibidem, p. 58)

“Temos uma juventude tão bonita que há que se retirar os dividendos, transformando-as em objetos de gozo mais sofisticado, em produtos rentáveis (...) e expô-las em fotos aos instintos curiosos de outros.
O negócio rende. Cada espiadela vinte escudos, diz-se. (...) Barato como quase tudo em Cabo Verde. (...)
Desisti de querer ver mais. É o que a maioria faz, por cobardia, vergonha e secretos desejos que as coisas ruins deixem de acontecer.” (Ibid, ibidem, pp. 58-59)


No primeiro conto, “Liberdade Adiada”, a partir de um comentário do narrador-personagem a respeito do desejo de conhecer outros ares, o terra-longismo típico do cabo-verdiano, “de como seria bom montar numa onda e partir rumo a outros destinos”, escuta o relato sofrido de uma mulher que tinha sido iniciada prematuramente no sexo: “Disseram-lhe que tinha perdido a virgindade, mas nunca chegou a saber o que aquilo era”, os vários filhos que nasciam:

“Aos vinte e três anos disseram-lhe que tinha o útero descaído. Bom seria que caísse de vez! Estava farta daquele bocado de si que ano após ano, enchia, inchava, desenchia e lhe atirava para os braços e para os cuidados mais um pedacinho de gente.” (Ibid, ibidem, p. 7)

Com uma vida monótona e de extrema dificuldade financeira análoga às dificuldades geográficas e climáticas do arquipélago, como a busca da água que leva a mulher ao desespero, a odiar os filhos e a cogitar o suicídio diante do barranco:

“Pensou em atirar a lata de água ao chão (...) confundir-se com aqueles caminhos que durante anos e mais anos lhe comiam a sola dos pés, lhe queimavam as veias, lhe roubavam as forças.
Imaginou os filhos que aguardavam e já deviam estar acordados. Os filhos que ela odiava. (...)
O barranco olhava-a, boca aberta, num sorriso irresistível, convidando-a para o encontro final. (...)
Atirar-se-ia pelo barranco abaixo. Não perdia nada. Aliás nunca perdeu nada. Nunca teve nada para perder.” (Ibid, ibidem, pp. 7-8)

Entretanto, o amor de mãe cria forças para superar as dificuldades e que viver é preciso:

“À borda do barranco, com a lata de água à cabeça e a saia batida pelo vento, pensou nos filhos e levou as mãos ao peito.
O que tinha a ver os filhos com o coração? Os filhos... Como ela os amava, Nossenhor!
Apressou-se a ir ao encontro deles. O mais novito devia estar a chamar por ela.
Correu deixando o barranco e o sonho de liberdade para trás.” (Ibid, ibidem, p. 8)

A preocupação com a violência descontrolada na sociedade cabo-verdiana não se restringe apenas às adolescentes, expande-se aos atos agressivos dos jovens e da violência contra as crianças. Nos contos “Para quando crianças de junho a junho?” e “Filho de deus nenhum”, a revolta e a indignação apossam-se do narrador ao relatar dois momentos de crueldade extrema. No primeiro conto citado, um grupo de adolescentes espanca um doente mental sob os olhares inertes dos adultos, enquanto no segundo conto é mostrada a mobilização de segmentos da sociedade contra a morte à dentada de um menino de três anos de idade praticada pela madrasta:

“De repente, uma rua larga, agora espreitada pela violência que transborda e agride os caminhantes. Uma dúzia. Talvez menos de uma dúzia de rapazes da quarta, que deviam ser crianças e que se haviam transformados em feras, perseguindo e atacando um doente mental. Livros e pastas esquecidos na valeta. Nas mãos, pedras. Nos gestos, ódio. Olhares frios. O homem no meio, indefeso, confuso, louco, impotente, cada vez mais agitado pelos uivos dos estudantes que nunca deveriam lançar outros sons que os da alegria e da esperança.” (Ibid, ibidem, p. 28)

“Homens e mulheres enfurecidos atacam a cadeia onde se encontra detida a assassina do pequeno Lizandro, de três anos, morto à dentada. (...) O pequeno Lizandro não resistiu às mordeduras e pancadas da madrasta. (...) Não conheceu alegrias. Para ele, apenas tristezas que o seu corpo cedo recusou.” (Ibid, ibidem, pp. 53-54)

Nos dois contos a violência urbana e a insensibilidade da sociedade estão presentes. Problemas que ocorreram em Cabo Verde, mas poderiam ter acontecido e acontecem em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. É a violência causada por um sistema neoliberal que exclui e oprime as classes menos favorecidas, não dá oportunidade para os jovens que ficam impossibilitados de realizar seus sonhos. Famílias desestruturadas que vivem à beira da miséria, sem perspectivas, sem nada. Apenas indiferença e desencanto. Tempos amargos como o jovem que liderou o espancamento ao doente mental, jovem que reclama a ausência da figura paterna, o vazio da vida:

“‘... Se fosse meu pai, eu não teria pena... Se ele morresse, problema dele... Se eu gosto do meu pai? Se você o vir pergunte-lhe se ele gosta de mim, ou... se... se me conhece.’
Nas últimas palavras um soluço abandonado. Silêncio no grupo. Pedras que caem das mãos. Bando que se desfaz.
E quando o miúdo chefe se mexe e retoma o caminho para casa, arrastando os pés, não há crueldade nos seus olhos. Apenas uma criança amarga que havia parido prematuramente um homem. Desencantado.” (Ibid, ibidem, p. 29)

A sensação de impotência é apontada pela autora, que manifesta sua perplexidade com o crescimento e vulgarização da violência, levando-a a questionar o caráter brando, ameno e feliz do povo cabo-verdiano exaltado por teóricos como Gabriel Mariano, que nos anos 1950 dizia “a sua morabeza; o seu feitio hospitaleiro,de uma hospitalidade amorosa, integral, sem reservas; a sua franqueza, a sua liberalidade ingênua” (MARIANO, 1991, p. 77). Tal posição idealizada sobre o cabo-verdiano, fundamental em um momento de afirmação da cabo-verdianidade em plena ditadura salazarista, não é aceita pela narradora-personagem que procura explicações nas características geográficas do arquipélago diante da barbárie. Questionamentos confusos de um ser que faz da indignação a mola propulsora para não aceitar a situação vigente:

“Aparentemente revoltamo-nos com tudo, desde o aumento dos preços dos bilhetes do cinema, à morte, à dentada, do Lizandro, no Sal, mas vamo-nos habituando, docemente, nos habituando a casos semelhantes que se multiplicam. E vamos perdendo o sentido da tragédia e da relatividade dos crimes.
A sensibilidade que nos caracterizava, existia mesmo? (...)
Éramos um povo de brandos costumes. (...)
Na normalidade do quotidiano a violência ganha espaço e afirma-se. Alguns defendem que a nossa dureza vem das rochas, da fome e das secas. Outros encaixam-na na escravatura.
E vamos fabricando teorias para justificar a insensibilidade e o ser cruel que existem em nós. Em todos nós.” (Ibid, ibidem, pp. 53-54)


A violência atinge os lares, destrói a harmonia do casal que incompreensivelmente permanece junto após anos de brigas e desentendimentos, “num desafio permanente à vida, à morte, ao direito de viver” (p. 21), levando a mulher a assassinar o marido. É a denúncia do conto “Foram as dores que o mataram”. A autora trata de outro problema universal, a violência doméstica. Só que no caso relatado, a mulher rebela-se contra as pancadas e abusos do seu corpo que dilaceraram a sua vida, o seu amor, a sua esperança:

“Via-o partir e ali ficava horas e dias à espera de que as coisas iriam mudar. Nesse dia não lembraria mais os tempos duros, os paus de pedra que me roíam e me desgastavam as entranhas. Mas para mim, não voltava nunca. Apenas para pedaços do meu corpo que esquecia logo. (...)
Ele matou-se. Criou um espaço onde coabitavam a violência, a destruição, a miséria, o animalesco. E nós.
Deu-me as armas e fez-me assassina.” (Ibid, ibidem, p. 22)

No corpus literário cabo-verdiano o espaço físico do arquipélago marca sua presença, sendo a insularidade um dos seus aspectos mais representativos. Em palestra sobre a identidade cultural cabo-verdiana, David Hopffer Almada afirma que:

“A insularidade, dado o caráter arquipelágico das ilhas, circundadas por ar e mar, criando no espírito ilhéu o eterno dilema: ‘querer partir e ter que ficar’ e/ou ‘ter que partir e querer ficar’, a base do espírito evasionista e anti-evasionista tão cantado na literatura cabo-verdiana.” (ALMADA, 1989, p. 65)

Em razão das condições adversas da geografia, clima, desemprego e miséria o ilhéu convive com este impasse: ter que abandonar sua terra, conflitando os sentimentos de evasão e anti-evasão. O escritor e ensaísta Gabriel Mariano aprofunda um pouco mais a questão ao demonstrar o quanto é doloroso para o cabo-verdiano abandonar sua terra:

“É sabido que o isolamento provoca ou excita a ânsia de convivência. (...) a temática da ‘hora di bai’ ou da evasão não são mais do que a contra-prova do desejo de convívio, não são mais do que expressões de quanto é doloroso para o crioulo o corte de raízes, a interrupção do diálogo, a fuga do convívio familiar. (...) Querendo ficar, mas também querendo partir. (...) partindo, mas subordinando a partida ao regresso; não se desprendendo nunca em absoluto do seu solo nativo” (MARIANO, 1991, p. 77)

A insularidade atinge as relações amorosas, demarca os destinos das pessoas. A interrupção do amor é explorada por Dina Salústio no conto “Uma viagem de saudades”. Neste, a autora inverte a situação de despedida, porque a diáspora tem preponderância masculina, ao narrar a partida de uma adolescente que parte da ilha Brava aos dezessete anos, deixando o seu amor, contudo comprometendo-se em retornar brevemente:

“Ela saíra aos dezassete anos, trinta anos atrás. Deixou noivo e a promessa de emigrarem juntos para a América logo que voltasse da viagem que duraria três meses. Ia conhecer o pai, que por causa de uma hipótese de traição tinha jurado nunca mais voltar à Ilha Brava.” (SALÚSTIO, 1999, p. 19)

Após trinta anos, a mulher retorna com a esperança de encontrar o seu antigo amor adolescente. A narradora-personagem apenas escuta as experiências vivenciadas pela mulher no estrangeiro, o desejo de retomar a relação interrompida. Ela não emite opinião para não decepcioná-la, apesar de saber que o homem descrito não corresponde ao aspecto físico atual:

“Voltava agora. Intacta. Para casar com o primeiro namorado, moço bonito, branco e de cabelo fino (...) Voltava e nunca mais, em nome de coisa nenhuma se separariam.
Contou-me todos os sonhos da sua juventude, os segredos, os jogos partilhados com o noivo, as esperanças e as certezas. (...)
Disse-me o nome do homem e teve que o repetir umas duas vezes para eu o ligar à pessoa que conhecia, atarracado pelos anos e pelas gorduras, careca, avermelhado pelo grogue. (...)
Ela casara em França, foi feliz, foi infeliz, viveu e morreu como todos nós nesses anos todos; mas era como se o tempo lhe tivesse poupado o coração; como se a esperança não tivesse sofrido um lanho que fosse, enquanto estivera ausente.
Podia ter-lhe dito que voltasse para a França, para junto da filha e dos netos e que esquecesse os antigos amores que só devem existir na lembrança guardada, mas fiquei calado e nem pude sorrir para ela e desejar-lhe sorte quando se levantou do caixote para embarcar no Furna a caminho da sua ilha e do seu homem.” (Ibid, ibidem, pp. 19-20)

É importante frisar a polêmica questão da insularidade no corpus literário cabo-verdiano, pois sempre foi representada nas letras do arquipélago, causando diversas rupturas no decorrer do século XX, por exemplo: entre a geração da revista Claridade e os pós-claridosos. A autora não foge do embate e tece algumas considerações a respeito:

“A literatura cabo-verdiana revela o cabo-verdiano, ele próprio, que só se compreende na insularidade. (...) E nesta viagem ao encontro da literatura, antes de qualquer outra visa, surge-nos o mar enorme e sem fim, ditando o rumo, traçando rotas, revelando distâncias, marcando o silêncio. Imposições que vão definir as relações entre a ilha e o ilhéu. (...) cheiros do mar que o isola do resto do mundo, (...) e em atitude quase mítica entrega-se desarmado e só à insularidade, relação e sentimentos que constituem um autêntico maná, matéria prima para a escrita. (...) já cheguei a pensar que o recurso à insularidade poderia ser uma forma do escritor se vingar dela.” (Apud: SALÚSTIO, 1998, Insularidade, pp. 33 e 34)

No conto “Please come back to me” a irrealização do amor dar-se de forma inusitada. Novamente, o aspecto insular faz-se presente na narração da relação amorosa de uma mulher por um estrangeiro e a dificuldade de comunicação entre o casal, pois esbarram na barreira da língua:

“Devo confessar que sou dura para a aprendizagem de línguas e do inglês apenas sabia quatro palavras e o meu amigo John que é também fraco de idiomas, igualmente sabia outras quatro em português, e o nosso relacionamento era apenas silêncios e ternuras.” (Ibid, ibidem, p. 51)

É a partir da ausência do amor vivenciado por esta mulher, que recorremos a Roland Barthes, em “Fragmentos de um discurso amoroso”:

“Ora, só há ausência do outro:é o outro que parte, sou eu que fico. O outro vive em eterno estado de partida, de viagem. Ele é, por vocação, migrador, quanto a mim, que amo, sou por vocação inversa, sedentário, imóvel, disponível, à espera, fincado no lugar , não resgatado como um embrulho num canto qualquer da estação. A ausência amorosa só tem um sentido, e só pode ser dita a partir de quem fica – e não de quem parte. (...) Historicamente, o discurso da ausência é sustentado pela Mulher: a Mulher é sedentária, o Homem é caçador, viajante; a Mulher é fiel (ela espera), o Homem é conquistador (navega e aborda). É a Mulher que dá forma à ausência.” (BARTHES, 1977, p. 27)

Retomando o conto, ao fazer um pedido ao companheiro no seu parco inglês, o estrangeiro espanta-se com a solicitação e ela com a reação dele, o que levou ao fim do relacionamento. Sem compreender o sucedido, pede explicação a um amigo que revela o mal entendido. A partir daí, entra em um curso de inglês, mas já é tarde para uma reconciliação com o amante estrangeiro, porque este já não se encontra mais na ilha:

“Virei-me para o meu companheiro e, no inglês balbuciante que já ousava, pedi-lhe que me abraçasse. (...)
Ao meu pedido, John interrompeu o percurso de um pensamento que me desenhava o corpo, olhou-me espantado como se me estranhasse e quando lhe repeti ‘abraça-me’, (...) começou a bater-me, a princípio suave, muito suavemente, aumentando depois de intensidade e de fúria (...).
Por fim deixei de lhe suplicar que parasse, em português, claro, para apenas ser o momento que vivia.
Depois, sem Lionel, Hello ou pancadas; sem amor, friozinho e sem nada vi o John levantar-se, olhar para mim de modo incompreensível e sair.
Passados dias, ainda confusa, contei a um amigo comum o que acontecera entre nós (...).
Fez uma cara desconsolada, chamou-me burra e explicou-me que em vez de dizer ‘abraça-me’ tinha dito ‘bate-me’(...).
(...) decidi que ia aprender inglês, custasse o que custasse, para poder entender-me com ele (...) inscrevi-me num curso intensivo de inglês e com muita dificuldade, ao fim de cinco meses, aprendi mais cinco palavras ‘Please come back to me’.
Entretanto rebentou a guerra do Golfo e perdi o contato com o Koweit e com o John. Odiei Saddam, o poder e a paixão e soube que nunca mais iria poder dizer-lhe: Por favor, volta para mim.” (SALÚSTIO, 1999, pp. 51-52)

A vida sem maiores perspectivas de uma prostituta é retratada em “Um ilegítimo desejo”. Como muitos navios estrangeiros aportam nas ilhas de Cabo Verde, a prostituição é o caminho encontrado por algumas mulheres para sobreviver. Nha Djina, ou apenas Djina, era saudosa desses amores de porto, amava um francês que nunca mais o viu:

“Um dia ansiou pela volta do francês que colocou na mesa de cabeceira de pinho, em cima dos dólares franceses, um sabonete verde que cheirava a encontro suaves, palavras doces, análises ternas e urgências várias.
O francês não voltou, nem o cheiro e a cor do sabonete.” (Ibid, ibidem, p. 36)

O conto narra as desventuras que tal profissão pode trazer às mulheres que se encontram indefesas diante das vontades e desejos sádicos. Uma vez expôs a um cliente o medo que tinha de cemitérios. O cliente pagou-a e forçou-a a entrar, como não conseguiu superar seu medo, apanhou e perdeu o dinheiro:

“Um dia, distraída, falou do seu medo de entrar no cemitério a um cliente que, sádico, a troco de mais uns trocados, a obrigara a ir com ele até... só até a entrada.
A caveira da porta arrepiou-a e, apesar do dinheiro se ter triplicado, não conseguiu coragem com o desempenho pretendido. Preferiu os bofetões e insultos que apanhou sem refilar. Preferiu ficar também sem a renda da casa. Pelo menos por aquela noite.” (Ibid, ibidem, p. 37)

Certo dia, a vida sofrida de Djina chega ao fim e deixa para seu sobrinho a tarefa de cumprir o seu último desejo, uma música, mas não a morna cabo-verdiana, mas sim algo que lembre o seu amor insular, que represente, talvez, o único momento de alento em sua vida:

“Um dia a esquina acordou sem ela.
No ar, no único gemido, o seu testamento: – Música a acompanhá-la ao cemitério – o seu último e ilegítimo desejo.
O sobrinho (...) ao décimo dia o peito minguado encheu de esperança: um senhor e seu violino choravam na campa de alguém . Raúl arranjou coragem e pediu-lhe, quase soluçando, que tocasse uma música para tia Djina. Uma só. Não a clássica morna hora di bai, mas uma canção francesa que falasse de amor – com todo o respeito, senhor – soluçou o sobrinho. (...)
Djina sorriu no outro mundo e descansou para sempre ao lado de um anjo que falava francês.” (Ibid, ibidem, pp.37-38)

A condição marginalizada da mulher inquieta a narradora-personagem em “Álcool na noite”. No conto, o estado despudorado, obsceno e agressivo de duas mulheres bêbadas que choram suas mágoas e revoltas enquanto cantam uma morna, assustam a narradora-personagem que não compreende o comportamento de ambas e o seu próprio:

“(...) De lá das bandas do cemitério uma voz canta uma morna. Tudo normal se a voz não parecesse sair dos intestinos de algum bicho em vez de uma garganta humana, por muito desafinada que fosse. (...) Aliás, eram as vozes de duas mulheres. A segunda faz coro com obscenidades e a desarmonia, o desleixo transparecido e o despudor agridem os ouvidos. Há um sentimento incomportável nas palavras quotidianas. Vêm-se aproximando. E estão bêbadas. Depois um palavrão. Talvez o eco de uma topada. E outro. E gargalhadas. Não consegui entender a felicidade dos risos debochados. Mas haveria mesmo felicidade? Quem me encomendou o sermão? Sinto raiva. (...)” (Ibid, ibidem, p. 56)

A deplorável situação das mulheres agride a narradora-personagem que se impressiona ainda mais com os maus tratos dados à filha de uma das mulheres. Tamanha amargura de tal passagem aumenta a sua angústia, a crise instala-se diante de vidas desperdiçadas, e pensa em um problema universal da condição feminina:

“– Mamã, és tu mamã? – Angústia e alívio na filha que encontra a mãe.
– Que mania essa de andares atrás de mim feito cachorro? Qualquer dia ainda te desfaço. – Mais insultos. (...)
A noite não tinha mais magia. Acho que nem estrelas. Apenas uma ferida num sentimento antigo de ver nas mulheres, para além de tudo, seres diferentes. Porque um estatuto de pureza para elas? Porque esta incompreensão para sua embriaguês? Porque o preconceito contra as fraquezas que não são as minhas? E vou pensando, enquanto desço as escadas.
E os passos falam vergonha, humilhação e revolta. E pena.” (Ibid, ibidem, pp. 56-57)

Dina Salústio narra outro problema universal: a crise de uma mulher de meia-idade é abordada em “O que é isso de liberdade”. Trata-se de uma mulher recém-separada após vinte anos de relacionamento. Agora, aos quarenta anos de idade, busca adaptar-se à nova vida sem o companheiro, mesmo tendo-o ainda na memória. O tempo cronometrado do início da separação é recebido com ironia pela narradora-personagem; a mulher procura mudar o comportamento, amigas, tudo na tentativa de recomeçar:

“Estou mais magra, vês? Perdi doze quilos. Foi o divórcio, sabes? Há treze meses e onze dias que me divorciei. Agora não estou a sofrer, mas a princípio custou muito. Foram vinte anos juntos...
(...) mentalmente concordei com um amigo que diz que ser-se inteligente é tirar proveito dos desaires. Há mil anos que o não vejo. Mil anos e sete horas.
(...) pensei para mim que afinal ela ainda não estava divorciada, porque entre as várias fases de um divórcio há duas absolutamente decisivas: o veredicto e a conscientização de que a cena acabou. Para ela, a última ainda não chegara.
Tem quarenta anos, imagina-se com vinte e só anda com miúdas de dezassete. Vê lá o disparate.” (Ibid, ibidem, pp. 60-61)

Como uma nau sem rumo, a mulher tenta convencer-se de que está melhor. Contudo, o recomeço é dolorido, as lembranças do ex-marido são constantes, quer crer na sensação de liberdade adquirida rompendo antigas castrações. Porém a metáfora do barulho do comboio demonstra que ainda está presa ao passado, seu discurso não é escutado:

“(...) Estou livre e faço tudo o que quero sem ter que dar satisfações a ninguém, sem medos, sem culpas. (...)
... ouço as músicas que eu gosto e abro as janelas e deixo entrar o sol e o frio. Ele detestava abrir janelas e eu fazia-lhe a vontade. Para o poupar, sabes? Durante vinte anos. Agora abro as janelas. Agora sou livre.
O barulho do comboio que chegava abafou a sua declaração de liberdade.
Hoje, dias depois do nosso encontro, penso nela. Terá dançado na passagem de ano ou apenas abriu a janela para imaginar a vida lá fora?” (Ibid, ibidem, p.61)

A sensibilidade em lidar com os problemas femininos e discorrer sobre eles prendem a atenção do leitor em “Mornas eram as noites”. Como boa ouvinte e excelente narradora, valendo-se do lirismo imposto aos textos a encantar as situações cotidianas. O amor, a dificuldade em lidar com o ser amado e as crises existenciais são discutidos abertamente em “O conhecimento em debate”:
“(...) - O conhecimento destrói a fantasia, o vocabulário irracional e os sentimentos. Amor é ingenuidade, é vulnerabilidade, é incerteza. É ficção. Conhecimento é transparência, nudez e crueza e actua sobre o estímulo esvaziando-o, reduzindo-o ao nada existente antes do desejo.
- É cruel dissecar a coisa do amor. Penso que o conhecimento dá a possibilidade de não se violentar o outro.
- Engano. Enquanto há amor ninguém violenta ninguém para além do que a normalidade exige. E isso tem outro nome. (...)
Um amigo disse-me que o conhecimento dá nojo – disse uma voz vinda de um interior sofrido.
Nojo? É isso. Nojo é a palavra certa. Quando nos conhecemos uns aos outros, sentimos nojo porque o tempo todo fingimos o que não somos, o que não podemos ser, o que desejaríamos ser e o conhecimento mostra a realidade, as tripas fora, a pequenês. É por isso que querer conhecer alguém é querer violentá-lo, despir-lhe a armadura, exibir-lhe as cicatrizes, o intestino.” (Ibid, ibidem, p. 46)


Já em “Conversa de comadres”, a cumplicidade feminina dá a tônica do conto. Um grupo de amigas preocupa-se com o estado arredio, porém feliz de uma companheira, exige que compartilhe o que está sentindo, o que não é aceito por ela:

"Era uma verdade grande, bonita e tão minha que a escondia de toda a gente, incluindo os compadres e comadres com quem compartilho os segredos mais secretos. (...)
Alguns dias depois, à minha volta, comecei a notar uns cochichos, uns olhares desastrados e até certas reservas nos mais próximos. (...)
Como estava lá alguém que desconhece o tacto social, aliás despreza tudo o que é tacto, ao ver-me disse:
- Estamos preocupadas, porque já não és mais a mesma e damos conta que algo de grave se passa contigo. (...)
acordei. Afinal a lengalenga era comigo e procurei logo cortar as suas preocupações, afirmando e jurando que estava tudo bem e que não havia crise.
Muito bem até. Isso estamos a ver e que aqui é que está o problema – Sempre fomos todas uma por uma e uma por todas e agora com o teu alheamento, sentimo-nos penalizadas, porque sem dúvida, e isto é facto assente, tu estás feliz e nós resolvemos que devemos participar. (...)
Elas queriam participar para se sentirem vivas, concluí rapidamente, e, dispus-me a contar-lhes algo da minha felicidade." (Ibid, ibidem, pp. 83-84)

O clima adverso de Cabo Verde a flagelar o crioulo é o tema de a “Traição do tempo”. A escassez de chuva é um sério problema no arquipélago, como lembra a Professora Simone Caputo em suas aulas, Cabo Verde tem 360 dias de sol ao ano. Durante muitas décadas o clima hostil do país foi acusado pelo sofrimento do cabo-verdiano, mas Dina Salústio renega tal acomodação e questiona o fatalismo da ausência das águas do céu e a conseqüente seca:

"Não sei se pescado no discurso oficial, se por conta própria , a verdade é que a jornalista disse ao longo da reportagem que os problemas de São Nicolau e, quiçá, os problemas de Cabo Verde só se resolverão com as chuvas. Possivelmente nem terá dito isso e eu ouvi mal, ainda pensando na notícia anterior. Mas, se ela fez de facto a afirmação acima e se referia ao desemprego sem fim, à falta de bens e a inúmeras outras situações ligadas à pobreza, então eu não estou de acordo porque seria condenar desnecessariamente todo um povo à dependência de uma incógnita que há muito deixou de o ser para tomar corpo de uma certeza. Somos um país seco, de seca garantida. Se ela se referia aos humores do crioulo, então sim, tem razão, porque, cá entre nós, pensando como eu penso, só poderia estar certa. (...)" (Ibid, ibidem, p. 72)

Salústio ataca a postura conformista que acusa a seca como a desgraça maior, para isso aponta os problemas sociais e econômicos que revoltam o ilhéu. Rompe com a antiga afirmação de que o cabo-verdiano seria um ser pacato e benevolente como justificava Gabriel Mariano nos seus ensaios dos anos 1950. Esclarece que o crioulo rebela-se contra as agruras do tempo, com as chuvas que não vêm na estação esperada e transfere sua indignação para outras situações ou pessoas:

"O crioulo, a partir de Junho, começa a incubar dentro de si um ser ruim, desconfiado, medroso, inseguro. (...) resmungando por tudo e nada sobre a ingratidão das chuvas, a maldição das ilhas, os pecados cometidos. Traído, porque as nuvens maninhas mais uma vez cumpriram o seu destino de negar à terra o consolo da água, o crioulo enraivece-se contra tudo o que o rodeia. Torna-se insuportável de tão intolerante, tão feio, tão desamado. (...)
Eu fujo dos meus patrícios nos meses das águas frustradas. (...)" (Ibid, ibidem, pp. 72-73)

Como já mencionamos anteriormente, as condições climáticas ruins, os limites geográficos impostos pela insularidade participam ativamente da literatura do arquipélago, o que é constatado em diversos autores. O desejo de evasão aparece diante de tantos transtornos e dificuldades às quais o crioulo é obrigado a suportar, e a narradora busca a fuga, no sonho o lugar da utopia:

"Eu fujo de mim. (...)
Afasto-me e, no engano do sonho que me ensinaram a sonhar, vejo uma rua, uma aldeia, uma ilha, todas as ilhas do regadas, verdes de chuva clara, com gargalhadas de chuva na boca dos meninos, com risos de chuva nos olhos dos homens, com o perfume da chuva nos corpos das mulheres.
Tudo fica calmo.
Depois, recuso acordar, temendo enfrentar a cidade seca, as gentes secas, os amores secos." (Ibid, ibidem, p. 73)

A crise econômica e as adversidades por que passam a população também são denunciados nos contos de Dina. A exclusão social, os sonhos que não se realizam, os pequenos desejos de consumo de crianças à beira da miséria são mostrados nos textos que expõem a indiferença da sociedade. Indiferença não compartilhada pela autora no conto “Natal”, em que descreve com sensibilidade a entrada de um pequeno grupo de crianças humildes, fascinadas, ao entrar em uma loja no período das festas natalinas:

"Três mocinhos semi-esfarrapados entram. Não têm pressa. Não pedem para serem atendidos. Os olhitos passam de um brinquedo para o outro e neles vejo o mesmo brilho dos olhos dos meus filhos.
Timidamente, quando não se sentem observados pela vendedora, passam a mão – um dedo só – pela carroçaria de um camião. Estão mudos, num mundo à parte e nem sequer trocam olhares uns com os outros. Cada um vivendo o sonho de uma viagem, aventura de uma corrida." (Ibid, ibidem, p. 68)

Quando são percebidos na loja pelos clientes, explode o preconceito, insatisfeitos com a presença de moribundos, autênticos representantes do refugo humano citado pelo filósofo contemporâneo Zigmuth Baumann, pequenos ladrões que ameaçam as compras, suas consciências tranqüilas que não podem ter contato com a miséria:

“Um dos miúdos distrai-se e solta uma exclamação. Os clientes olham para ele, para eles e para vendedora e apertam com mais força os embrulhinhos de Natal. E a raiva e as frustrações que a contabilidade provoca soltam-se e aparecem nos olhos e nos murmúrios. São gente de bem que não podem aceitar a vadiagem que os fatinhos rotos deixam perceber.” (Ibid, ibidem, p. 69)

Tal situação leva a autora a questionar a hipocrisia da festa natalina, do consumo exacerbado ao qual as pessoas se sentem obrigadas a satisfazer, e a atitude tomada pelas crianças redimensiona o problema, porque estão acostumadas a enfrentar semelhantes situações e à margem da festa católica curtem “o seu Natal, tecido com olhares e imaginação: um Natal de espreita”.

“(...) o que os compradores queriam era que as lojas fechassem, que não houvesse coisas para comprar e que um decreto proibisse aquela mascarada toda. A sua consciência ficaria tranqüila, o orgulho salvo. Talvez o natal passasse a ser mais humano, mais de compromisso, porque não artificial.
Há um sorriso nos mocinhos que eu não percebo, como se não fizessem parte de nós. Como se fôssemos uns palhaços para os divertir. Ou quem sabe, uma certa nostalgia de não serem palhaços como nós.
Tranqüilamente saem, em busca de outras lojas de sonhos.” (Ibid, ibidem, p. 69)

Há espaço para as tradições crioulas nos contos de Dina Salústio. Em “A indústria dos tambores” apreendemos o conflito entre tradição e modernidade representado pela comunicação feita por tambores. Através dos sonhos uma personagem deseja recriar a tradição de sua ilha: do tambor como canal de informação. Pelo tambor, o renascer de antigos hábitos cabo-verdianos, tambor como intermediador de conflitos sociais, em sintonia com o canto do galo, ajudando a valorizar a comida local e comunicando breves assuntos entre as pessoas. O tambor como expressão destacada da cultura cabo-verdiana:

“... Sonhei um Cabo Verde despertado cada manhãzinha pelo som repicado do tambor, substituindo a horrenda música do programa radiofônico Bom dia Cabo Verde, abafando para sempre a inestética publicidade, rivalizando harmoniosamente com o cantar dos galos, o riso das galinhas, os motores, catchupa na frigideira, trapiches e computadores.
Sonhei que a tradição seria reposta e o jornal e a rádio não seriam os veículos monopolizadores das gostosas fofocas e mal dizeres e o tambor retomaria o seu tan tan para trazer e levar mensagens, mantenhas, recados, avisos, boas novas e também as más, porque infelizmente a vida é assim, Sr. Diretor.
Sonhei que o tambor voltaria a ser um complemento do aparelho judiciário e (meu Deus, como sonhei!) que cada indivíduo que ofendesse a moral, a sublime nobreza do parceiro, conhecido ou desconhecido, viria para a rua atrelado ao seu tambor e desdiria nas praças, nas ruas, nos largos, nos becos e avenidas o que houvera dito. (...)
‘... desdigue o que tenho digue, desdigue o que tenho digue sobre fulano ou beltrano.’” (Ibid, ibidem, pp. 48-49)

Até a atitude masculina é reavaliada no conto “Campeão de qualquer coisa”, em que o comportamento masculino é tratado por um prisma distante do lugar-comum e esteriotipado do homem. Apresentando um personagem discreto que não se vangloria de seus feitos, que não segue a tradição de poder comum aos homens, a autora redimensiona não só a masculinidade, mas também a postura feminina da narradora-personagem em relação ao homem, mostrando que novos caminhos podem ser trilhados na relação homem/mulher sendo apenas o que de fato são: homens ou mulheres.

"A noite ia a mais de meio. Grupo de homens e grupo de mulheres convenientemente estabelecidos. Eu fazia o protocolo e chegaste e como manda a praxe, fui-te passando um copo para as mãos e porque não te conhecia disse-te: os campeões das anedotas estão ao fundo, ao lado, os campeões da política internacional, à esquerda os do futebol, os do sexo, debaixo do abacateiro, os do copo, junto ao bar (...)
Espantado com o acolhimento (...) foi então que me disseste que não eras campeão de coisa nenhuma e nem sequer eras bom em qualquer coisa e que eras um tipo normal.
Não havia tristeza nas tuas palavras e, como pensei que um homem normal o mínimo que se devia sentir era triste pela revelação e porque já havia percorrido vários grupos onde cada um era melhor que todos e estava com uma espécie de raiva concentrada, disse-te não te preocupes, pois há um campo onde não precisas provar nada. Vai para debaixo do abateiro. (...) Conta as tuas fantasias e os teus fantasmas. Os teus e os dos outros, como coisa resolvida. Incarna os atores do hardcore. Inventa situações, viagens e encontros, princesas e prostitutas, virgens e lésbicas, homossexuais, mulheres casadas, ninfomaníacas, colegiais e o resto. Inventa. Inventa o mais que puderes. Faz como os outros. Dá nomes e moradas e não te preocupes porque não vão te julgar pela baixeza porque é prática aceite. (...) Mente. Mente muito. E sobretudo exagera. Exagera até o impossível. Vá. Campeão é assim.
Teimosamente dissste que não podias, que não querias fazer-te de atleta de façanhas tantas, porque eras adulto e há muito passaras os dezassete anos e que as tuas necessidades e os teus interesses eram outros e que as tuas fantasias eram as tuas parceiras e expô-las em público seria como veres-te ao avesso num grande écran. (...)
Ensinaram-nos que devíamos ser heróis de qualquer coisa. Exigem que façamos permanentemente exercícios de auto afirmação. Não nos educaram para corajosamente debatermos os nossos medos, falhas, hesitações, infernos. Apetrecharam-nos com o mito de super-machos e esperam que sejamos vencedores, fazendo-nos inimigos da própria maneira de estar, escamoteando a verdade, falseando as fronteiras. E porque somos apenas normais e temos vergonha da nossa normalidade, passamos o tempo todo a pensar numa roupagem que impressione. (...)
Alguém chamou-me porque o meu carro estava impedindo a saída. A conversa não podia ser retomada. Hoje lembrei-me de ti e pensei como podemos ser tão bonitos quando conseguimos ser nós próprios: homens ou mulheres." (Ibid, ibidem, pp. 13-15)

E é assim, inferindo diversos aspectos da condição feminina, “de mulher que se pensa e se escreve, procurando, além de expressar a intimidade de uma voz, dar voz a todas as mulheres” (GOMES, Ecos... p. 11) ora tratando um drama local, ora universalizando os sentimentos da mulher cabo-verdiana, lidando com problemas masculinos, dialogando com a insularidade e o eterno dilema evasão e anti-evasão, com os flagelos da seca e as características geográficas do arquipélago são alguns dos condutores da prazerosa leitura das curtas, porém belas e surpreendentes, narrativas de “Mornas eram as noites”.

Os contos deste delicado livro vão muito além da modesta declaração da autora que afirma: “Sou uma mulher que escreve umas coisas”. Contos que celebram o ato de narrar, distinguem Dina Salústio como uma voz marcante da literatura de autoria feminina de seu país e a equiparam aos grandes nomes das literaturas africanas de língua portuguesa. São contos que falam, sim, de Cabo Verde, mas, ultrapassam as fronteiras geográficas, e, sobretudo, nos fazem refletir sobre a condição humana:

“Se eu algum dia estive presa à cabo-verdianidade, acho que já ultrapassei esta fase (...) Ser cabo-verdiano é assumir um lado bonito, mas assumir também todos os lados horríveis (...) É uma sociedade de stress, de conflitos, porque somos de raças diferentes e pobres, pelos ciclos de fome. Mas eu não acho que sejamos diferentes, acho que todas as outras gentes têm os mesmos lados. Não tenho tido necessidade de afirma-me como cabo-verdiana. (...) As nacionalidades são defesas que nos afastam de outras pessoas.” (Apud: Sepúlveda, 2000, p. 123)


BIBLIOGRAFIA:
ALMADA, David Hopffer. A identidade cultural cabo-verdiana. In: Caboverdianidade & Tropicalismo – 2ª Jornada de Tropicologia. Recife: Massangana, 1992.

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Franscico Alves, 1986.

BAUMANN, Zigmuth. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Magia, Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas – Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.

GOMES, Simone Caputo. Mulher com paisagem ao fundo: Dina Salústio apresenta Cabo Verde. In: SEPÚLVEDA, M. C. & SALGADO, M. T. (ORGs). África & Brasil: letras em laços. Rio de Janeiro: Atlântica, 2000.

MARIANO, GABRIEL. Mestiçagem: seu papel na formação da sociedade caboverdeana. In: Cultura Caboverdeana – ensaios. Coleção Palavra Africana. Lisboa: Vega, 1991.

SALÚSTIO, Dina. Mornas eram as noites. Colecção Lusófona. Lisboa: Camões, 1999.

SALÚSTIO, Dina. Insularidade na literatura cabo-verdiana. In: Cabo Verde: insularidade e literatura. Paris: Karthala, 1998. p. 33-34.

INTERNET:
GOMES, Simone Caputo. Ecos da caboverdianidade: Literatura e Música no Arquipélago. Artigo acessado em
www.simonecaputogomes.com no dia 28/01/2008.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Antologias da literatura angolana na UEA

A União dos Escritores Angolanos (UEA) disponibilizou em seu sítio – http://www.uea-angola.org/index_antologia.cfm – algumas antologias sobre a literatura angolana. Ao todo são seis edições, sendo que uma dedicada a contos infantis e as outras cinco abordando diferentes aspectos da poesia angolana.
A antologia poética “É em momentos depois de ter sonhado – dimensão formalista da poesia moderna angolana”, organizada por Nilton Saraiva Botelho de Vasconcelos, divide-se em quatro gerações: a de 1945, 1970, 1980 e 1990. Procura apresentar os poetas que se preocuparam com propostas formalistas na confecção poética. Estão presentes poetas como Jorge Macedo, Arlindo Barbeitos, Ruy Duarte de Carvalho, João Maimona, José Luiz Mendonça, João Tala e Abreu Paxe.

Ao prefaciar a antologia, NSBV diz que “os poetas aqui representados, apesar de suas especificidades, têm compromissos com as estéticas mais exigentes em termos de plástica, futurismo, imagimos e concretismos, labor criativo que passa também pelo recurso constante ao contraditório não só por justaposição de palavras contrárias quanto ao que significam, mas como conotações possíveis, formando até sinestesias”.

Com isto, o organizador pretende encerrar uma acusação sofrida pela literatura angolana: “cai por terra a idéia ideológica que só existe uma literatura baseada em chavões revolucionários que têm como essência temática as aspirações dos operários e camponeses, sempre numa lógica de exclusão, de confronto de classe e de esvaziamento da dimensão espiritual do homem. (...) o leitor entenderá que o que vai enriquecer a nossa literatura é essa diversidade plástica com temáticas abertas que expressem os diversos ‘mundos e faces’ porque a matriz social angolana tem até elementos culturais profundos que podem tornar mais peculiar a atual poesia.”
Em “Nuvem Passageira”, organizada por Filomena Gioveth e Seomara Santos, há o interesse em prestar tributo a poetas já mortos, porém como destaca em título de posfácio a Profa. Dra. Laura Cavalcante Padilha (UFF/RJ): poetas mortos, poesia viva, que sedimentaram a trajetória da poesia angolana, “os homens e mulheres que contribuíram para o enriquecimento do imaginário poético angolano”. Constam na antologia nomes como José da Silva Maia Ferreira, Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Henrique Abranches, Cordeiro da Mata, Antonio Jacinto e Alda Espírito Santo.
Em “Todos os sonhos – antologia da poesia moderna angolana”, temos um amplo panorama da poesia angolana com poemas selecionados pelos próprios autores. Nomes como Lopito Feijoó, Trajano Nankhova Trajano, Ondjaki, Sapyruka, Kudjimbe, Maria Celestina Fernandes, Fernando Kafukeno, E. Bonavena e tantos outros poetas estão nesta robusta edição de mais de seiscentas páginas.
Em “O amor é sempre agora – antologia do Éden angolano” os poemas selecionados têm como tema principal o amor, pois como justifica Adriano Botelho Vasconcelos: “ressalvo que a maior pujança temática da nossa literatura pós-independência, concretamente, até ao ano de
2002, esteve implicitamente relacionada com o apogeu da revolução marxista-leninista, numa ditadura cultural que só valorizava o discursivo e pouco espaço sobrou para o jogo de luzes e luas onde as palavras pudessem alcançar a maior plenitude. (...) Decidi organizar a antologia de poemas de amor porque muitos leitores necessitam das nossas «febres e luas». E também para que o caos existente nos dias de hoje, a solidão da sociedade moderna, a poluição sonora e de gritos de angústia não se sobreponham aos valores de afecto e de ternura, valorizando-se a interioridade humana, a sua fragilidade e as suas incansáveis utopias. «O amor é o sal da
vida», os mais-velhos têm razão.”

Nesta antologia também podemos conferir uma breve seleção de poemas de poetas universais como Fernando Pessoa, Camões, Charles Baudelaire, Pablo Neruda e outros que influenciaram os escritores angolanos. De Angola encontraremos Paula Tavares, Manuel Rui, João Melo, Costa Andrade, Arnaldo Santos e outros mais.
A poesia de autoria feminina está presente em “O amor tem asas de ouro – antologia da poesia feminina angolana”, organizada por Filomena Gioveth e Seomara Santos. Como a poesia de autoria feminina ainda é pouco representada na história literária angolana, esta fundamental antologia preenche este espaço e deparamo-nos com importantes nomes como Paula Tavares, Maria Alexandre Dáskalos, Alda Lara e Isabel Ferreira.
A única antologia dedicada à prosa, apresenta um segmento ainda tímido não só nas letras angolanas, mas nas literaturas dos outros quatro países africanos de língua portuguesa, que é a literatura infantil. Em “Boneca de pano – coletânea de contos infantis”, percebemos a influência da tradição oral nos contos dos doze autores selecionados, o extraordinário e o fantástico também comparecem na personificação de animais e plantas contracenando com seres humanos. Uma bela iniciativa com textos de John Bella, Raúl David, Abreu Paxe entre outros.

As antologias estão na União dos Escritores Angolanos – http://www.uea-angola.org/index_antologia.cfm Vale o acesso ao sítio para conhecer o seu vasto conteúdo com entrevistas, textos críticos e outros ensaios que abordam a literatura angolana.

A seguir alguns poemas das antologias.

Riso

Ruy Duarte de Carvalho

5.
Nada mudou para quem delega a glória.
Nada é tão grave que nos impeça os corpos.
Estamos aqui, sentados, sabendo que o conforto
é só cá dentro e a casa é cheia de alegria e festa
e a carne é fresca porque viva e alheia
à carne longe, retalhada e fria.
Somos de facto, em nosso apuro e com o nosso dote,
uma versão apenas indecisa
do nó que nos habita bem no centro.
Rapazes, raparigas,
que cada um empunhe a flor oculta
para inseri-la entre pernadas jovens.

A morte será longe enquanto nos arder
à flor da boca
esta atenção pelas florações dos outros.
(É em momentos depois de ter sonhado. P. 57)


João Maimona

Ramos de grito
entre a estrada e a catástrofe
entre a sombra e o naufrágio
as abelhas descobrem a espuma
azul e solitária.

no silêncio distante, ardente silêncio
no íntimo das nuvens, tombam chamas
que agasalham as lágrimas.

e das lágrimas da garganta sem universo
vejo os crepúsculos que se diluem em penumbra
e dos dias tristes, das noites que murmuram
dores e suspiros rampantes
apenas sobressaíram corpos envoltos em gritos

doces gritos que escorrem pela estrada.
(É em momentos depois de ter sonhado. P. 84)


José Luís Mendonça

O fruto das Palavras
Um hálito de pedra. É o que és
neste inventário de invenção.
Um rio que não dorme talvez o verão
de um fruto visitado pelos dentes da palavra

Ébrio de vento como um barco no deserto
acendi a rã adormecida no teu ventre
e o gume do meu canto escorre
o sangue ainda quente de tu seres
a fêmea do dia que me ocupa.

O fruto das palavras. É o que és
neste inventário de invenção. Quem sabe
o verão de um rio
visitado pelo hálito da pedra que não dorme
(É em momentos depois de ter sonhado. P. 98)


Fernando Kafukeno

no túnel
eu incendiava as mãos do enxofre

dos olhos via a foz do meu receio
na boca do sol grelhas louvavam
a santa no meu ventre vazio e o
sal do luando gota a gota caia como
a saliva da colmeia

eu tinha xatas para as lágrimas de túnel
(É em momentos depois de ter sonhado. P. 121)


João Tala

nossos olhos abriam o chão…
Quando a mentira cai das mãos regressa ao ódio.
Hoje as mesmas mãos desprendem rochas e
costuram pequenas harpas com que as vogais
abrem a terra.

Por isso as trincheiras mentem;
com a esperança da mentira os flagelados
cantavam as dores
porque as falsas trincheiras amanhecem
sempre que nós caímos; sempre que nos calamos.

Não nos calemos, estamos a escasso tempo do
chão; o chão mais profundo, inevitável;
o chão que os nossos olhos abriam quando
comiam a terra.
(É em momentos depois de ter sonhado. P. 129)


Amélia Dalomba

Mão
Mãos desenham raízes dos cânticos da terra
Geram vida na identidade da flor entre o espírito da letra
Engendram salmos na inserção da cruz
Cristo às preces das dores
Mãos são séculos de páginas aos joelhos de Fátima
São lágrimas ao altar do desespero
(É em momentos depois de ter sonhado. P. 129)


Abreu Paxe

o lago envelhecido sintoma
um pedaço de sorriso adere vertical ecrã o sino
louco o beijo artérias do beijo
nova voz estende-se o quintal nua geração a árvore
capilar sossegado presságio o lagarto com descrição
a cidade humedecido mergulho sem dobrar o mundo
sinais de vanguarda permanecem os cemitérios utilizáveis
telhas nevadas, elásticas despem-se do alto as esgrimas
consomem do tarso ao ilíaco as flores do campo
lago envelhecido sintoma alarga o passo turvo brilho


Alda Lara

Maternidade
Dentro de mim,
é que trago
a voz que se não cala,
e a força
que não mais se apaga...

Dentro de mim
é que o caudal-anseio alaga,
e correndo
há-de ir, de mar em mar,
levar
ao fim da terra,
um sinal de infinito...

Dentro de mim,
do meu sangue nutrida,
e sustentada,
é que a voz não é soluço
mas grito!

Dentro de mim,
eco de paz ou de alerta,
dentro de mim,
é que a eternidade é certa!...
Lisboa, Fevereiro de 1959
(Nuvem Passageira, p. 45)

Agostinho Neto

Sinto na Minha Voz…
Sinto na minha voz as vozes duma multidão
No coração sinto um mundo
No meu braço um exército

A multidão calou
O mundo perdi-o
O exército foi vencido

Mas a multidão silente não morreu
O exército vencido não desapareceu
E no coração tenho a certeza

De que o amanhã
não será só Ilusão
(Nuvem Passageira, p. 89)


Antonio Jacinto

O Ritmo do Tantã
O ritmo do tantã não o tenho no sangue
nem na pele
nem na pele
tenho o ritmo do tantã no coração
no coração
no coração
o ritmo do tantã não tenho no sangue
nem na pele
nem na pele
tenho o ritmo do tantã sobretudo
mais no que pensa
mais no que pensa
Penso África, sinto África, digo África
Odeio em África
Amo em África
Estou em África
Eu também sou África
tenho o ritmo do tantã sobretudo
no que pensa
no que pensa
penso África, sinto África, digo África
E emudeço
dentro de ti, para ti África
dentro de ti, para ti África
Á fri ca
xxxxxxÁ fri ca
xxxxxxxxxxxxÁ fri ca
C.T, Chão Bom, 28.06.70
(Nuvem Passageira, p. 100)

David Mestre

Obra Cega
Escrito a cal
este reboco
Obra Cega
de merda
seca e sal

Boa noite
Anjo Azul
olhar
com menino
por trás Só

a dor imita
o cursivo oculto
da adaga
tinta
de sonhos
(Nuvem Passageira, p. 156)


Henrique Abranches

História de Uma ideia Franzina
Na aurora de uma ideia que parte para a guerra
grisalha ainda o engano duma esperança fútil.
Frágil segurança
como a prece inútil, que foi rezada em Fátima.

E cresce o desengano
como um novo anátema,
guinada dolorosa
de um velho quisto.
Apenas um curto momento
de piedade de nós mesmo.
Apenas um momento a esmo,
chorando tudo isto...

E a bandeira a duas cores que flutua orgulho
caída na armadilha do tempo inexorável
desbota lentamente
enche-se de humores,
de pus e de aguadilha,
do veneno delicioso do tortulho,
e balança no alto do mastro imponente
uma dança velha e lamentável
como a marcha trôpega de um veterano.

No curso duma ideia que voltou da guerra
e esperança empalidece,
cala-se o choro,
vai mirrando a prece.
Fica apenas o sóbrio desengano
que não pontifica, não constrói
nem erra...
(Nuvem Passageira, p. 229)


Viriato da Cruz

Makèzú
«Kuakié!... Makèzú, Makèzú…»
.....................................................

O pregão da avó Ximinha
É mesmo como os seus panos,
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos.

Avó Xima está velhinha
Mas de manhã, manhãzinha,
Pede licença ao reumático
E num passo nada prático
Rasga estradinhas na areia...

Lá vai para um cajueiro
Que se levanta altaneiro
No cruzeiro dos caminhos
Das gentes que vão p’ra Baixa.

Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Das «venidas de alcatrão»
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira.

– «Kuakié!... Makèzú, Makèzú...»
– « Antão, véia, hoje nada?»
– «Nada, mano Filisberto...
Hoje os tempo tá mudado...»
– « Mas tá passá gente perto...
Como é qui tás fazendo isso?»

– «Não sabe?! Todo esse povo
Pegô um costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão...

E diz ainda pru cima,
(Hum... mbundo kène muxima...)
Qui o nosso bom makèzú
É pra veios como tu».

– «Eles não sabe o que diz...
Pru qué qui vivi filiz
E tem cem ano eu e tu ?»

– «É pruquê nossas raiz
Tem força do makèzú!...»
(Nuvem Passageira, pp. 329-330)


Ana de Santana

A Canção do silêncio
A canção do silêncio é um poema ao suspiro
Mergulhado
Na profundeza do Índigo

O olhar de uma santa de barro

A linha do equador à deriva do pensamento
Gelo e sal e larva e mel

A canção do silêncio
(Todos os sonhos, p. 107)


Beto Van-Dúmen

Esperança
A lua assoma entre as nuvens
Em rodopio com o contraste dos ventos
Raios de luz desfilam pelos matagais
Abafando prantos de ansiedade

E nas sanzalas solitárias
Quebram-se as trevas da noite
E renasce a esperança do amanhã
(Todos os sonhos, p. 213)


E.Bonavena

A Espera de Ti
Por agora,
deixa os sinos do teu corpo
tocarem todos,
deixa a vaga de vento
te levar para as portas do céu.

Poisa levemente os pés
na lã dos caminhos e
vai segura pela minha mão
que voltarás ao amanhecer

com as águas das montanhas
entre o coaxar das rãs
saindo do teu peito.

Os dias serão maduros
de azul, cânticos de amor e pão.

Haverá mel nos lábios
e em todas as esquinas
estarei
à espera de ti!
(Todos os sonhos, p. 306)


John Bella

Agora sim… não é poesia
Venham ver por favor
hipocrisia do ovo
nesta terra da graça
são poetas que gritam
por um pouco de justiça
são pedras que dizem
não ter nada para dar
ah! e o diamante
nos olhos da minha namorada???...
o ouro jorrado preto
no caderno dos políticos???...
a (des)graça nesta terra
só cai do «empire state»
direito à caneta do poeta?!...
oh, por favor
inventem outros planetas
que até mesmo em Marte
o poeta lá torra milho
depois o reserva paciente
em jura gaveta escolhida
mas venham por favor ouvir
gemido dessas areias
já invadiram mar
agora vão a caminho
das pálpebras lunares
e eles repetem...
Agora sim... não é Poesia
é desabafo!...
(Todos os sonhos, p. 450)


Lopito Feijoó

A nona brisa
No espaço sepultado pela ventura
a Nona Brisa escorre intimamente
... qual menina(s) do(s) meu(s) olhos(s)...
sacudindo as pétalas do aroma temporal em

escala profética ao fruir súbito
das fricções encarnadas num ser qual quer nas
hostes dos demónios pernilongos!

A Nona Brisa ilimitada pela dimensão erótica
do corpo veloz traz no rosto
a extensão do sangue e o exercício do pudor

memorial
de carne espessa ou sombra encantatória
miserável determinista no circuito dos anjos
amantes testamentários da violência mitológica!
(Todos os sonhos, p. 511)


Luís Kandjimbe

O Aroma Ervanário
Na minha casa durmo sono profundo
Se a mulher nas entranhas estremece
E me fizer massagem de água quente
Com ervas aromáticas da sua mão

A mulher dorme e levita o sonho profundo
Quando ouve enorme
Meu respirar profundo

A mulher não levita, estremece nas entranhas
Doa meu respirar profundo
O aroma ervanário de sua mão.
(Todos os sonhos, p. 525)


Sapyruka

Estratagema
Tudo o que se come tem sabor a vómito
Aqui tudo é tão estranho
Que até o preço da utopia
Vem disfarçado nos noticiários da televisão

E quantos lábios confessam solidariedade?
Oh! Que penoso calote.
(Todos os sonhos, p. 623)


Trajanno Nankhova Trajanno

Retrato onírico de meu rosto
ledo alado e brando elevei-me
para além de mim ungido de mito rito e ansiedade

ignorei o oceano de porta escancarada ajoelhado a meus pés
ledo alado e brando
encontrei-me mais vezes viçoso trepando árvores
derrubadas do que a plantar sentimentos e dar sentido azul
a sedimentação das dunas
as mãos fecundas do tempo acenando a idade
ao ridente horto de tetas ridentes
a ondulação das ancas dos cavalos-marinhos
desconhecidos das capitanias

a todo instante ledo alado e brando
anda uma geração
distante da intimidade azul quando o céu o é bastante azul
(Todos os sonhos, pp. 636-637)


Arnaldo Santos

Poema Da Intenção
Se eu pudesse deitar-me
entre a terra e o sol
na crina
de todas as copas mulembeiras
e no caminho dos túneis
dos ventos decompor
o espectro de sons
o marulhar
que se quebra
nas margens dos nossos sonhos

Colheria
para ti apenas
o canto das viuvinhas

e dar-te-ia
uma nova respiração
num tapete
de altos-cúmulos de Novembro
prenhe de grandes chuvas
sementeiras.
(O amor é sempre agora, p. 86)


Carlos Ferreira

(Para ti)
Tuas mãos tua pele tua voz
teu saber entender o mundo
tua boca teus olhos teu palco
tua plateia calada estupefacta
tua lágrima teu saber estar viva
nossa morte paulatina
tua lição de repensar a esperança
(O amor é sempre agora, p. 97)


João Melo

Ela disse: beija o meu corpo com a tua poderosa língua, vibrante como uma canção, terrível como uma ciência antiga, espessa e doce como um pecado; captura suavemente os bicos túrgidos dos meus seios, como se fossem dois pequenos pássaros desesperados; ilumina
a minha carne sombria com os teus dedos múltiplos e tenazes; abre o suplicante coração das minhas pernas, e, com o teu ombro duro como uma estátua de bronze, fá-lo deleitar-se até à completa exaustão do tempo.
(O amor é sempre agora, p. 153)


Jofre Rocha

Dá-me O Luar
dá-me o luar
e toda a verdade
enquanto minhas mãos percorrem
o mapa do teu corpo
e minha língua impaciente
freme em tua boca

dá-me apenas o luar
e a lembrança que não morre
até seres capaz de saciar
a sede e a fome que me devoram

dá-me o luar
e toda a verdade
para contigo ficar
eternamente
(O amor é sempre agora, p. 187)


Manuel Rui

Trazias Tanto Mar Na Pele Dos Dedos
Trazias tanto mar na pele dos dedos
onde o teu corpo é sempre o meu princípio
de nunca querer chegar
ao fim a voz da vaga
quantas vezes te disse e te cantei?
Quantas vezes sal de pôr na boca
Quantas vezes concha seios de maré
búzio de carne
um leito de água no teu ventre
de marulhado espasmo musical?

E quando a água aquecia nossa fúria
quantas vezes sentimos que o mar era tudo
e os olhos queriam mais no meio dos ruídos casuarínos
um ximbicar nas coisas sem limite.

Mas põe o nosso corpo nestas dunas
de sol plano e todo destapado
alimentando o lago da miragem
que se descobre na esquina onde só era
o nu da luz na escassez de arbustos
de um pouco-a-pouco deste ar sopro quente
que a nossa boca expira para a boca
e nossos olhos prolongam para sul.

Aqui pressinto o que faltava quase
ao nosso mar
para que fosse a imensidão
mais simples mais essencial.
Ouve-me então nesta coragem de planta
Erecta em solidão da tua ausência
Depois que trouxeste tanto mar na pele dos dedos.
(O amor é sempre agora, p. 234)


Carla Queirós

Eternas Vítimas
Acorrentem as vozes
de quem não tem bico
Feiticeira hora
que julga os insepultos
Castiguem a mancha berrante
retida nos olhos
Suspirem os sonhos
Como louca mania
Sob os auspícios da lua e da poesia

Violentem as epopeias mestiças
Cuspidas nas heces-fecais dos Deuses
Odisseias e prosopopeias
Darão corpo
À mística corrosão
De que sois, afinal,
Eternas vítimas
(O amor tem asas de ouro, p. 68)


Isabel Ferreira

Desilusão
Caí em letargia…
Meu sonho adormeceu profundamente…
Ficou num par de fronhas virgens…
Estreadas em noites de volúpia…

Sonho bordado
Nas fronhas dum hotel
Vidas aneladas
Pontos cheios de suspiros sem gemidos…

Juntos dormimos
Mas nossos sonhos
Esses!
Adormeceram
Num par de fronhas…
(O amor tem asas de ouro, p. 104)


Leila dos Anjos

Um Grito no Escuro
Na escuridão da noite o silêncio
é sepulcral na boca daquele que
nem uma palavra pode pronunciar,
no peito, o bater descompassado do
seu coração, nas mãos os calos
manchados pelo trabalho forçado,
nos pés, o tique-taque do cansaço
da caminhada do dia, na mente,
a esperança dividida da salvação.

Um suspiro prolongado, denuncia a
saudade que sente da pessoa amada,
uma lágrima caída, fortifica a esperança
de vitória, no sono um sonho cheio de
alegria floresce, e ao acordar a realidade
irradia-o com o raiar do sol.

No peito a pergunta incessante do
futuro que se anuncia. Conto os
dias, conto as noites, conto as horas
que ainda faltam. Fala ao sol, falo à
lua, falo à água que por aqui corre,
serei eu ou serás tu que romperás as
algemas do silêncio e anunciarás a
minha e a tua liberdade de expressão?
(O amor tem asas de ouro, p. 121)


Maria Alexandre Dáskalos

A ternura de um pequeno adeus
tem o sabor
de um vinho adamascado sem idade.

O teu olhar lembra-me
o cheiro do seu mosto.

Cantamos o vinho
bebemos despedidas.
(O amor tem asas de ouro, p. 134)


Paula Tavares

O Lago da Lua
No lago branco da lua
lavei meu primeiro sangue
Ao lago branco da lua
voltaria cada mês
para lavar
meu sangue eterno
a cada lua

No lago branco da lua
misturei meu sangue e barro branco
e fiz a caneca
onde bebo
a água amarga da minha sede sem fim
o mel dos dias claros.
Neste lago deposito
minha reserva de sonhos
para tomar.
(O amor tem asas de ouro, p. 189)

O Cercado
De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
feito pelas tuas mãos
e fios do teu cabelo
cortado na lua cheia
guardado do cacimbo
no cesto trançado das coisas da avó

Onde está a panela do provérbio, mãe
a das três pernas
e asa partida
que me deste antes das chuvas grandes
no dia do noivado

De que cor era a minha voz, mãe
quando anunciava a manhã junto à cascata
e descia devagarinho pelos dias

Onde está o tempo prometido p’ra viver, mãe
se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
p’ra lá do cercado
(O amor tem asas de ouro, p. 192)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Anjo Malaquias


Anjo Malaquias, peça inspirada na vida e obra de Mario Quintana, encerra sua temporada no Centro Cultural Justiça Federal no próximo domingo, dia 27/01. O espetáculo inspira-se no universo onírico para descrever fatos da vida do poeta e fazer declamações dos seus poemas. Ao utilizar meios múltiplos, conhecemos detalhes íntimos de Quintana, como sua paixão pelo cinema de Charles Chaplin e O Gordo e o Magro, e suas paixões pelas atrizes Bruna Lombardi, Greta Garbo e Cecília Meirelles.
Com uma sintonia comovente, estão os dois atores Afonnso Drumond e Fabrício Polido. O primeiro interpreta o poeta, declama os poemas sem exagero e apresenta um belo figurino inspirado no século XIX; o segundo, um músico de talento supreendente responsável por boa parte da sonoplastia da peça, faz às vezes o papel de narrador.

É um espetáculo comovente, belo e simples. Ótimo teatro!

Riso


ANJO MALAQUIAS - Da obra de Mario Quintana, Adapt.: Eloi Calage e Afonnso Drumond. Direção: Delson Antunes. Com: Afonnso Drumond e Fabrício Polido. Centro Cultural Justiça Federal (Av. Rio Branco, 241 - Centro. Tel.: 3212-2565). De qui a dom às 19h. Ingresso: R$ 20. Até 27/01.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

L.A.P.A.

Na próxima sexta-feira, dia 25/01, em frente aos Arcos da Lapa, passará o documentário L.A.P.A., de Cavi Borges e Emilio Domingos, dentro da programação do “CINEMA NA RUA – VERÃO 2008. O evento começará às 20h com a apresentação de vários curtas e terminará com o filme do Emilio. A programação completa encontra-se no final deste texto.

Eu tive a oportunidade de assistir ao documentário na 12ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, em novembro de 2007, que agora terá sessão aberta ao público. O documentário retrata como o bairro da Lapa serve de ponto de convergência entre MC’s e rappers de todo o Rio de Janeiro. Além disso, a proposta é mostra o cotidiano, muitas vezes conturbado, desses artistas: onde moram, o que fazem, como ganham a vida, como produzem suas músicas entre outros detalhes.

Estão presentes no documentário nomes de destaque no movimento hip-hop carioca, tais como Black Alien, B Negão, Marcelo D2, MC Macarrão, MC Chapadão, MC Aori e tantos outros que aos trancos e barrancos tentam fazer sua arte. São jovens sem condições financeiras, nascidos em famílias humildes dos subúrbios da cidade maravilhosa, mas que com garra, talento, humor, indignação e revolta procuram expressar o que sentem os garotos excluídos do consumismo imposto pelos meios de comunicação, que sofrem na pele o preconceito da sociedade e convívio diário com a violência policial, e a falta de emprego ou o subemprego, a versão neoliberal do eterno regime escravocrata.

Contundente e impactante é o depoimento de Black Alien, ex-Planet Hemp, ao comentar as artimanhas e manipulação da indústria fonográfica. Um bom tapa na cara para aqueles que acham que no meio artístico tudo é festa, mulheres, drogas e você sairá ileso das garras dos empresários. Para quem não se lembra, o Planet Hemp foi uma das principais bandas dos anos 1990. O Planet escandalizou a mídia ao falar abertamente sobre o uso de drogas, a maconha era o tema principal, o que ocultou um pouco o ótimo cd de estréia, chamado “Usuário”.

Também ex-Planet, B Negão é outro que se afastou dos holofotes da grande mídia e manda o seu recado. O outro Planet é Marcelo D2, hoje uma referência na música do país, que conta com muito humor passagens interessantes do início do movimento carioca ao lado do amigo Skank, já morto.

Já que os rappers têm a palavra como o veículo de informação, o documentário acerta ao não apresentar um narrador, mas sim ao deixar que os próprios artistas se expressem. E como nos surpreendemos com os depoimentos desses griots urbanos. A consciência de que estão fora de um esquema considerado normal e social é escancarada por todos, denunciar as injustiças sofridas no decorrer da vida é a principal inspiração para esses garotos. Sendo assim, apresentam um discurso fora da grande mídia, porém sério, fundamentado, sincero e, por que não?, em alguns momentos, hilário.

Macarrão e MC Funkero, mostram a origem humilde, a vida difícil de quem tem que ralar e muito para sobreviver e ainda assim, cantar e sonhar que um dia vencerão com a música, com a própria arte. E o que conseguiram com o rap é apresentado e mostrado com orgulho e devido agradecimento. Sonho compartilhado por Chapadão, que meses depois apresenta uma nova realidade de dificuldade e mesmo assim, com perseverança e ótimo astral, cria um rap de improviso durante o seu emprego como eletricista.

Ao demonstrar como é o cotidiano desses artistas, tanto nas apresentações como a vida nas casas e trabalhos, o documentário L.A.P.A. marca com imenso interesse, leveza, seriedade e humor como são as pessoas que integram a cultura hip-hop no Rio de Janeiro. Um belo registro desses tempos em que se insiste em mostrar que favela e subúrbio só tem miséria, tráfico e violência, e só uma tropa de elite para contê-los.

L.A.P.A. mostra que há vida inteligente, pessoas honestas e conscientes que buscam de alguma forma apresentar que o destino de um jovem pobre não é na boca-de-fumo ou ser morto por tiros antes de completar 25 anos. O grande mérito de L.A.P.A. é mostrar que ainda há esperança, e ela jamais morrerá. Vale a pena conferir!

Aqui deixo meus parabéns ao meu amigo Emilio, o DJ Saenz Peña da festa Phunk!, parceiro para qualquer parada desde os tempos da adolescência, IFCS/UFRJ...

Todo o sucesso do mundo para você, brother!!!

Riso
22/01/2008

CINEMA NA RUA - VERÃO 2008.
Um mix de exibições de filmes, free-styles, pré-lançamentos, rap. Nos arcos da lapa, com um telão de 8X18 mostrando nossas queridas e apreciadas produções.
Dia 25 de janeiro, a partir das 20h nos Arcos da Lapa. Gratuito

filmes:
20h
. CORUJA de Simplício Neto e Márcia Derraik;
. SETE MINUTOS de Cavi Borges, Paulo Silva e Júlio Pecly;
. O LOBINHO NUNCA MENTE de Ian SBF;
. O FILME DO FILME ROUBADO DO ROUBO DA LOJA DE FILMES de Marcelo Yuka, Paulo
Silva e Júlio Pecly;
. AFINAÇÃO DA INTERIORIDADE de Roberto Berliner;
. PRETINHO BABYLON de Emílio Domingos e Cavi Borges;
22h
. PRÉ-ESTRÉIA - PRETÉRITO PERFEITO de Gustavo Pizzi
23:30h
. PRÉ-ESTRÉIA - L.A.P.A de Cavi Borges e Emílio Domingos

Entre as sessões intervenções sonoras com "bastardos" e participação especial de MC Ramon.
FECHANDO O EVENTO: pocket- show com INUMANOS, MARECHAL, FUNKERO, IKY, CHAPADÃO.

Albert Memmi: Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador


No final do ano passado a editora Civilização Brasileira relançou o livro de Albert Memmi, Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador. Publicado pela primeira vez nos anos 1960, este livro é fundamental para a compreensão dos estudos das literaturas africanas de língua portuguesa.
A seguir uma resenha de Ronaldo Vainfas (História-UFF/RJ) publicada no Caderno Mais!, página 9, de 06 de janeiro de 2008, no jornal Folha de São Paulo.

Psicologia colonial – ensaísta tunisiano oferece instrumentos para entender a dificuldade atual de europeus em viver em sociedades cada vez mais plurirraciais

A obra de Albert Memmi figura entre as clássicas para pensar o colonialismo e mesmo sua versão atual, mais complexa, imersa na chamada globalização. Tunisiano de origem judaica, Memmi nasceu em 1921 e migrou para a França logo após a independência do país, em 1956. concluiu na Sorbonne os estudos iniciados em Tunísia, que prosseguiu na Universidade de Argel. Nos idos de 1943, passou por tremendas dificuldades em campo de trabalhos forçados da Tunísia. Hoje é professor honorário da Sorbonne e ganhou, entre outros títulos, o Prêmio de Francofonia, em 2004.

As novas gerações talvez não façam idéia do impacto causado pelo primeiro grande livro de Memmi, publicado em 1957, Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador, obra surgida no contexto de descolonização da África, antes da dramática guerra franco-argelina de 1961-62.

Memmi escreveu enquanto intelectuais do porte de Jean-Paul Sartre condenavam o colonialismo, construindo uma opinião pública, sobretudo no campo da esquerda, apoiadora dos movimentos de independência na Ásia e África.

A originalidade da obra de Memmi encontra-se, antes de tudo, na sua recusa a limitar o colonialismo ao conceito leninista de imperialismo ou à luta de classes marxista, adotando posição audaciosa num tempo em que o marxismo irrigava o ambiente intelectual europeu, particularmente francês.

O fato é que Memmi sempre deixou claro que o privilégio colonial não é fenômeno “unicamente econômico”. É “uma relação de povo a povo, e não de classe a classe”, escreveu no prefácio da edição de 1966.

Memmi se dedica, assim, a refletir sobre as identidades e relações entre colonizador e colonizado, tomados em abstrato, no campo da psicologia coletiva, e dos valores culturais construídos e/ou introjetados em meio ao fato colonial, concebido este último como um conjunto de situações vividas.

É pioneira sua reflexão sobre o colonizador como um exilado voluntário que busca nas colônias os meios de uma ascensão social inalcançável na metrópole, e por conta disso se enraíza ou, quando menos, hesita ao máximo em regressar. Constrói, então, uma identidade ambivalente em parte ancorada nos valores colonialistas, em parte na valorização da colônia, à exceção do nativo.

No retrato do colonizador pintado por Memmi, seja o grande, seja o pequeno colonizador, combinam-se a ambição de lucro, o apego aos privilégios institucionais, a legitimação da usurpação que faz das riquezas do colonizado, o racismo, o sentimento de superioridade cultural. Ainda que a imensa maioria dos colonizadores não tenha consciência nítida de seu papel histórico, todos tendem a compartilhar desses valores.

Nos extremos dessa posição majoritária estariam, de um lado, os colonialistas, isto é, os agentes da colonização, e de outro, os “colonizadores de boa vontade”, porque menos apegados aos valores metropolitanos. Nem todo colonizador, diz Memmi, está fatalmente destinado a tornar-se um colonialista. Mas esses colonizadores são raros, segundo Memmi, “pois o romantismo humanitário é considerado doença grave, o pior dos perigos: não é nem mais nem menos que a passagem para o campo do inimigo”. “No fim das contas, colonialista é a vocação natural do colonizador.”

A atitude generalizada é, portanto, a de rejeitar o colonizado, seu rosto, seu cheiro, sua cor, sua cultura. Só come pela primeira vez o cuscuz movido pela curiosidade, depois o prova por educação, vez por outra, e, se gosta do cuscuz, reclama do barulho da feira, da música árabe, do cheiro de gordura de carneiro que impregna o ar. É nas mesquinharias do cotidiano que se afirma esta identidade de colonizador, segundo Memmi, diante do colonizado.

No pólo oposto, o colonizado é um tipo ao mesmo tempo indignado com a humilhação e opressão inerentes ao fato colonial, porém amante, em graus variados, da cultura do colonizador. O mais dramático é a introjeção dos estigmas lançados pelo discurso colonialista, a exemplo de que todo colonizado é ladrão, preguiçoso, sujo, medíocre, desprezível.

O ressentimento contra a metrópole é inevitável, alimentado pelo desprezo de si e pela desumanização ou despersonalização provocada pelo colonialista. Para enfrentar o drama, os colonizados têm somente duas alternativas. A primeira deriva do paradoxal “amor pelo colonizador e ódio de si mesmo” e, nesse caminho, o mínimo que o colonizado deseja é “mudar de pele”, mudar de cor, deixar de ser este “outro” desprezível. A segunda é a revolta em busca da auto-afirmação.

Não resta dúvida de que há muitos estereótipos na obra de Memmi, combinados a uma boa dose de ressentimento, mas o livro é um documento formidável dos anos 1950-60. De todo o modo, Memmi termina a obra com alguma esperança romântica nos resultados da descolonização, apostando em que o ex-colonizado se poderá transformar “num homem como os outros”, eliminando as diferenças em relação ao ex-colonizador.

Em recente livro, publicado em 2004 e também traduzido pela Civilização Brasileira, Memmi admitiu sua desolação. É o que se pode ler em Retrato do descolonizado árabe-muçulmano e de alguns outros, no qual examina a condição do descolonizado nas ex-colônias e nas antigas metrópoles, enquanto imigrante.

Denuncia as tiranias pobreza e corrupção vigentes nos países africanos e aprofunda o exame das vivências do imigrante, as feridas humilhação, os arroubos pseudolibertários das mulheres que insistem em usar o véu que antes não usavam, o complô dos “homens de turbante”, a situação especial de filhos de imigrantes, cada vez mais ocidentalizados. Nesse ponto, o novo livro de Memmi oferece lições preciosas para compreender a dificuldade atual dos europeus em viver em sociedades cada vez mais plurirraciais e mulitculturais, bem como os dilemas identitários dos imigrantes muçulmanos nesses países.

Albert Memmi conheceu muito bem, há muitas décadas, o drama do fato colonial no plano das vivências. Mas quem é ele exatamente? Colonizador ou colonizado? É Jean-Paul Sartre que responde: “nem uma coisa, nem outra; vocês talvez digam uma coisa e outra; no fundo á no mesmo”.

Ronaldo Vainfas é professor titular do departamento de história da Universidade Federal Fluminense.

Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador
Albert Memmi
Tradução: Marcelo Jacques de Moraes
Ed. Civilização Brasileira

Retrato do descolonizado árabe-muçulmano e de alguns outros
Albert Memmi
Tradução: Marcelo Jacques de Moraes
Ed. Civilização Brasileira