domingo, 30 de junho de 2013

50 anos de Seló (A Nação)

50 anos de Seló
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 261, de 30 de agosto de 2012, p. E14
No dia 25 de maio de 1962, incorporada ao jornal Notícias de Cabo Verde, nº 321, surgia o primeiro exemplar de Seló – Página dos Novíssimos, organizada por Rolando Vera-Cruz Martins, Jorge Miranda Alfama e Osvaldo Osório, com modestíssimas duas páginas contendo contos e poemas dos nomes supracitados mais a participação de Mário Fonseca. Três meses depois, em 28 de agosto, sairia o segundo e derradeiro número de Seló, o mesmo número de páginas, os integrantes da edição inicial acrescidos do vate Arménio Vieira e da ilustre presença feminina de Maria Margarida Mascarenhas, sendo um conto a sua contribuição.
Celebrar este primeiro cinquentenário vejo como um dever com a história da literatura cabo-verdiana. Seló surge em um contexto histórico de enorme efervescência com as lutas contra o colonialismo espalhadas por todo o continente africano, os países tornavam-se independentes, ainda que poucos com líderes pan-africanistas e propostas progressivas, casos de Gana, sob liderança de Kwame Nkrumah, e Guiné, com Sekou Touré. Amílcar Cabral liderava o PAIGC e inflamava a mente dos jovens nesse tempo de utopia. Apesar de toda essa avalanche que percorria a África, Portugal mantinha-se irredutível ao negar a ruína do império ultramarino, restando apenas a opção pela guerra colonial. Legítima, por sinal.
No meio desse processo, a repressão nas colônias portuguesas aumenta consideravelmente, os jornais passam a ter maior vigilância, os jovens escritores não encontram espaços generosos para mostrar seus trabalhos, basta recordar as duas experiências ao final dos anos 1950, Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes e Suplemento Cultural. Porém, o recrudescimento da repressão imposta pela PIDE não inibe a coragem desses neófitos escritores, que não abandonam a palavra insurreta e fazem do texto literário o veículo de conscientização de seus pares. Como uma espécie de nota introdutória do suplemento, Osvaldo Osório revela no texto “Reflexões” as propostas incisivas dentro de um discurso contra-hegemônico que orientam esse pequeno grupo de escritores: “e a Seló, (...) continuará a aflorar problemas e vivências do espírito ‘aqui’ e no tempo a que este se concerne – quase condicionada, na sua expressão, pelos problemas cíclicos do homem caboverdeano”.
Bom exemplo disso é a veemência de alguns poemas de Mário Fonseca, tal como “Fome” no qual o poeta escancara a miséria que assola o arquipélago com um expressionismo enfurecido: “Gargalhadas de escárneo/ Rasgando/ Até as comissuras dos lábios/ Máscaras irônicas/ Mascarando dores/ Sorrisos de hipocrisia/ Desfazendo em blocos/ Caras mulatas/ Escondendo a fome (...) E a fome a desfazer-se/ Em sorrisos de hipocrisia/ E a fome a desfazer-se/ Em irônicas gargalhadas”; ou ainda na habilidade do sujeito lírico posicionar-se tanto de forma distante quanto de se incluir no drama com a mudança pronominal no primeiro verso de “Os Estrangeiros”: “Lá vão eles! Vedê-os! Vedê-nos!”. A ênfase exclamativa chama atenção para uma realidade que não pode mais passar despercebida e o poeta assume o seu comprometimento ao lado dos desfavorecidos: “Eles caminham cambaleantes/ E eu vou com eles/ Pelos caminhos/ Do desespero e da angústia/ Rumo à noite mais profunda do nada”.
Tais como “crianças rejuvenescidas/ que já não temem o lobisomem/ que vinha à meia-noite chupar-lhes o sangue”, em versos de “No fim da jornada”, poema de Jorge Miranda Alfama, esses escritores fortalecem-se na concretização do sonho da pátria livre, renovam a esperança, denunciam sem medo os problemas de seu tempo. Partem para a reconfiguração dos sentimentos, necessários e urgentes como pede o momento, e assim versa Arménio Vieira: “Mar!/ do não-repartido/ do sonho afrontado// Mar!/ Quem sentiu mar?”

Coragem, ousadia e determinação para tornarem-se agentes da história, esses escritores assumiram a missão de seu tempo e todas as homenagens são poucas para este primeiro cinquentenário de Seló – Página dos Novíssimos.

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