domingo, 30 de junho de 2013

Langston Hughes e o Harlem Renaissance (A Nação)


Langston Hughes e o Harlem Renaissance
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 297, de 9 de maio de 2013, p. A40.
Movimento de enorme alcance entre os negros norte-americanos na década de 1920, o Harlem Renaissance – ou New Negro, ou Black Renaissance – é motivado pelo deslocamento maciço de negros do sul dos Estados Unidos para as cidades de Chicago e Nova Iorque, fugindo do racismo explícito e violento do sul do país, ainda inconformado com o fim da escravidão. No Harlem, bairro nova-iorquino, os negros deparam-se com um ambiente de menor discriminação racial, favorável para a valorização e celebração das manifestações culturais e políticas negras, têm acesso a empregos e tornam a cidade de Nova Iorque a de maior comunidade negra dos EUA. Esse movimento multicultural busca no “renascimento” do negro a vontade exacerbada de renovar as artes negras a partir de uma herança afro-americana. Artes plásticas, teatro, dança, literatura e música encontram o seu momento de efervescência e da união de talentos como Bessie Smith, Louis Armstrong e Claude McKay.
Vários são os livros na década de 1920 que marcam uma nova representação do negro na literatura e contribuem para combater o preconceito racial. James Mercer Langston Hughes (1902-1967) é o poeta de maior expressividade do período. Filho de pai branco e mãe negra é logo reconhecido pela qualidade poética assim que seus textos passam a ser publicados. Hughes inova ao trazer para a poesia a oralidade do negro norte-americano, inspira-se nas sonoridades do blues e do jazz como manifestações genuínas do seu povo e imbui-se da tarefa de ser a voz capaz de interpretar e revelar o cotidiano dos seus pares.
O contato com África e Europa a bordo de um navio como camareiro nos primeiros anos da década de 1920, quando trabalha em subempregos na França, na Itália e nos Estados Unidos, aumenta sua percepção para os dramas dos negros em contato com os brancos. Toda essa vivência molda sua poesia com a experiência de ser negro no mundo. Dessa forma, os poemas percorrem o trajeto da experiência individual para a coletiva, passam a ser incisivos na defesa de sua etnia e na denúncia dos problemas enfrentados pelos negros. Para isso, sua poética desenvolve-se simples como a fala das pessoas dos lugares que convive, dialoga com os ritmos do blues e do jazz em ascensão na época. O poema “Eu também canto a América” é representativo dessa nova guinada:
Eu também canto a América.// Eu sou o irmão mais escuro./ Eles me mandam comer na cozinha/ Quando chega visita,/ Mas eu rio,/ E como bem,/ E vou crescendo.// Amanhã,/ Eu me sentarei à mesa,/ Quando houver visita./ Ninguém se atreverá/ A me dizer.// “Vai comer na cozinha”,/ Desta vez.// Além disso,/ Eles verão como sou belo/ E ficarão envergonhados./ Eu, também, sou América.
Neste poema a blackness reivindica o seu espaço de plena cidadania americana. O sujeito lírico identifica-se como “o irmão mais escuro” da América e quer igual tratamento ao enfrentar a segregação assumida. Poema de devir, o uso do gerúndio – “crescendo” – confirma o desenvolvimento da afirmação identitária; o tempo futuro demarcado pela aceitação do sujeito, pela ocupação do mesmo espaço. Agora, ele sabe da sua importância para a construção da América e a necessidade urgente para uma mudança de postura e de autoafirmação ao se reconhecer como “belo”, ofensa maior para uma sociedade racista. Com essa identificação, Hughes atenta a coletividade negra da América e das Américas para o orgulho negro, para a incontestável participação nas sociedades onde habitam.

O Harlem Renaissance perdura com menor intensidade nas duas décadas posteriores com destaque para os nomes de Richard Wright e Billie Holiday. Porém, o esplendor dos anos 1920 marca a cultura norte-americana e a dos negros, em especial. Lugar de redefinição da identidade negra, as trocas do Harlem Renaissance influenciam gerações de artistas – como as escritoras Alice Walker e Toni Morisson – e encontram na atuação poética e intelectual de Langston Hughes um dos seus momentos mais brilhantes.

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