na edição 118 do jornal cabo-verdiano A NAÇÃO - 03 de dezembro de 2009 - resenhei o livro Se a luz é para todos (Praia: Publicom, 1998) de Mário Fonseca. Foi uma maneira de homenagear o poeta, falecido recentemente, e que tive o prazer de conhecer em um congresso sobre cultura cabo-verdiana na Universidade de São Paulo em novembro de 2008 e constatar sua fala serena, sincera e combatente em defesa da literatura e da cultura de seu país.
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A seguir, a resenha publicada nesta edição.
Abraços,
Ricardo Riso
Mário Fonseca – a luz da liberdade em forma de poesia
O teórico brasileiro Alfredo Bosi em O ser e o tempo da poesia afirma que a poesia há muito não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade (BOSI, 1977, p. 143), o que ficou evidenciado com o predomínio do sistema capitalista e sua voracidade em concentrar a riqueza entre poucos. Caberia a uma determinada categoria de poetas, aproveitando a eloquência natural e o olhar visionário, o dever de denunciar as mazelas impostas às classes desfavorecidas.
Nascido na Ilha de Santiago, Mário Fonseca (1939-2009) no seu livro Se a luz é para todos (Praia: Publicom, 1998) expõe sua solidariedade e humanismo exacerbados. Ele pertencia a essa classe de homens que, parafraseando Aimé Cesaire, possuía uma “postulação irritada de fraternidade” (p. 166), e assim versa: talvez / não viva / a minha / própria vida. / Pouco importa. / Vivo / a que / os outros / terão. / Mesmo se / dentro / de séculos! (p.111).
A defesa intransigente dos desfavorecidos percorreu toda a trajetória poética de Fonseca. No histórico suplemento literário Seló (1962), inserido no jornal Notícias de Cabo Verde, o então jovem poeta confirmava sua posição e escancarava as crueldades sofridas pelos seus conterrâneos sob o jugo colonial português: Lá vão eles / Vedê-os! Vedê-nos! / (...) Estrangeiros na noite e na vida (p. 16-18).
Contrapondo-se à longa noite (metáfora do colonialismo) e às injustiças impostas pelo poder ao redor do mundo, sua poesia escora-se na iluminação do fazer poético para, em metáforas e imagens virulentas de intensa luz, demonstrar a crença na vitória contra a opressão, mesmo que para atingir seu objetivo se perca a vida: Luzes! Luzes! (...) Que venha o dia (...) / Afastai de mim a noite (...) / Dai-me luzes e matai-me! Matai-me mas ilumina-me / Ilumina-me / Afogado em luzes / morrerei sorrindo (p. 82-83).
Incondicional, revela as desigualdades sociais no mundo porque sou poeta para as cantar (p. 76), Fonseca vale-se de sua erudição literária para convocar poetas maiores da cultura ocidental, revolucionários tanto na literatura quanto em suas posições a favor dos excluídos. Por isso clama por Maiakovsky, Rimbaud, Garcia-Lorca, Whitman, Eluard, Keats, ora inseridos em versos, ora em epígrafes, e também para mostrar metapoeticamente que a poesia / sol verdadeiro do nosso sistema solar / passe ao combate (...) passe ao ataque contra as bandeiras / por demais desfraldadas / da fealdade / da estupidez / da estreiteza de longos dentes / com todas as armas / com todos os gumes / da rima / do ritmo / da melodia (...) é preciso / urgente / necessário (...) para que / de pólo a pólo / o animal humano / entoe enfim / (...) o primeiro canto verdadeiramente humano (p. 86-88).
Demasiadamente humano, realizando a poesia / no próprio corpo da vida (p. 89), o combatente sujeito lírico de Fonseca saúda grandes líderes como Lénine, Patrick Lumumba e Che Guevara (p. 89), e sua indignação não se esgota, não tem fronteiras: Caboverdianamente vos digo / Enquanto houver um só / Homem algemado – um só! / Enquanto houver um só / Grito sufocado – um só! / (...) Daqui da frente poética / Pleno do vosso grito ouvido / Aos meus versos guerrilheiros / À plena voz gritarei: ao ataque! (p. 90)
A universalização da sua luta faz a travessia do Atlântico, relembra líderes como Langston Hughes e W. Du Bois, atinge as Américas, Chorai negros da América (...) Do Norte / do Centro / do Sul (p.101), alcança a Ásia e o necessário pan-africanismo do poema Eis-me aqui África, ou seja, sua solidariedade expande-se por todo o globo: Vale é querer / com força lutar / com força viver / na terra / de todos / por todos semeada. (p. 107)
De quem dedicou a vida a combater os regimes opressores do mundo, e não foram poucos. Mário Fonseca legou à Humanidade uma obra consistente, coerente e bela. Uma poesia para enquanto houver um ser humano sofrendo injustiça jamais se calará, nunca ficará ultrapassada, sempre será recordada e cantada.
O teórico brasileiro Alfredo Bosi em O ser e o tempo da poesia afirma que a poesia há muito não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade (BOSI, 1977, p. 143), o que ficou evidenciado com o predomínio do sistema capitalista e sua voracidade em concentrar a riqueza entre poucos. Caberia a uma determinada categoria de poetas, aproveitando a eloquência natural e o olhar visionário, o dever de denunciar as mazelas impostas às classes desfavorecidas.
Nascido na Ilha de Santiago, Mário Fonseca (1939-2009) no seu livro Se a luz é para todos (Praia: Publicom, 1998) expõe sua solidariedade e humanismo exacerbados. Ele pertencia a essa classe de homens que, parafraseando Aimé Cesaire, possuía uma “postulação irritada de fraternidade” (p. 166), e assim versa: talvez / não viva / a minha / própria vida. / Pouco importa. / Vivo / a que / os outros / terão. / Mesmo se / dentro / de séculos! (p.111).
A defesa intransigente dos desfavorecidos percorreu toda a trajetória poética de Fonseca. No histórico suplemento literário Seló (1962), inserido no jornal Notícias de Cabo Verde, o então jovem poeta confirmava sua posição e escancarava as crueldades sofridas pelos seus conterrâneos sob o jugo colonial português: Lá vão eles / Vedê-os! Vedê-nos! / (...) Estrangeiros na noite e na vida (p. 16-18).
Contrapondo-se à longa noite (metáfora do colonialismo) e às injustiças impostas pelo poder ao redor do mundo, sua poesia escora-se na iluminação do fazer poético para, em metáforas e imagens virulentas de intensa luz, demonstrar a crença na vitória contra a opressão, mesmo que para atingir seu objetivo se perca a vida: Luzes! Luzes! (...) Que venha o dia (...) / Afastai de mim a noite (...) / Dai-me luzes e matai-me! Matai-me mas ilumina-me / Ilumina-me / Afogado em luzes / morrerei sorrindo (p. 82-83).
Incondicional, revela as desigualdades sociais no mundo porque sou poeta para as cantar (p. 76), Fonseca vale-se de sua erudição literária para convocar poetas maiores da cultura ocidental, revolucionários tanto na literatura quanto em suas posições a favor dos excluídos. Por isso clama por Maiakovsky, Rimbaud, Garcia-Lorca, Whitman, Eluard, Keats, ora inseridos em versos, ora em epígrafes, e também para mostrar metapoeticamente que a poesia / sol verdadeiro do nosso sistema solar / passe ao combate (...) passe ao ataque contra as bandeiras / por demais desfraldadas / da fealdade / da estupidez / da estreiteza de longos dentes / com todas as armas / com todos os gumes / da rima / do ritmo / da melodia (...) é preciso / urgente / necessário (...) para que / de pólo a pólo / o animal humano / entoe enfim / (...) o primeiro canto verdadeiramente humano (p. 86-88).
Demasiadamente humano, realizando a poesia / no próprio corpo da vida (p. 89), o combatente sujeito lírico de Fonseca saúda grandes líderes como Lénine, Patrick Lumumba e Che Guevara (p. 89), e sua indignação não se esgota, não tem fronteiras: Caboverdianamente vos digo / Enquanto houver um só / Homem algemado – um só! / Enquanto houver um só / Grito sufocado – um só! / (...) Daqui da frente poética / Pleno do vosso grito ouvido / Aos meus versos guerrilheiros / À plena voz gritarei: ao ataque! (p. 90)
A universalização da sua luta faz a travessia do Atlântico, relembra líderes como Langston Hughes e W. Du Bois, atinge as Américas, Chorai negros da América (...) Do Norte / do Centro / do Sul (p.101), alcança a Ásia e o necessário pan-africanismo do poema Eis-me aqui África, ou seja, sua solidariedade expande-se por todo o globo: Vale é querer / com força lutar / com força viver / na terra / de todos / por todos semeada. (p. 107)
De quem dedicou a vida a combater os regimes opressores do mundo, e não foram poucos. Mário Fonseca legou à Humanidade uma obra consistente, coerente e bela. Uma poesia para enquanto houver um ser humano sofrendo injustiça jamais se calará, nunca ficará ultrapassada, sempre será recordada e cantada.
(Ricardo Riso)
2 comentários:
Ricardo,
bom dia!
Eu gostaria de receber a versão digital do semanário A Nação.
Obrigada,
Márcia
Oi, Márcia! Tudo bem?
Deixe o seu e-mail ou envie uma mensagem para risoatelie@gmail.com
Obrigado pela visita!
Abraços,
Ricardo Riso
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