sábado, 31 de janeiro de 2009

SOCIEDADE EM CONSTRUÇÃO: CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA (Livro)

Segue uma ótima dica para auxiliar os educadores na aplicação da Lei 11.645/2008.
Ricardo Riso

SOCIEDADE EM CONSTRUÇÃO: CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA JÁ TÊM LIVROS ESPECÍFICOS

As primeiras publicações que integram totalmente a lei sobre a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena na rede de ensino

Chegam ao mercado os dois primeiros livros que contemplam a Lei 11.645, de 10 de março de 2008, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino (pública e particular) a obrigatoriedade do ensino da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Trata-se dos livros Sociedade em Construção - História e Cultura Afro-Brasileira - O negro na formação da Sociedade Brasileira e Sociedade em Construção - História e Cultura Indígena Brasileira - O índio na formação da Sociedade Brasileira, ambos de autoria do jornalista e sociólogo J. A. Tiradentes, em parceria com a mestra em educação pela USP, Denise Rampazzo da Silva.

O diferencial dos livros é que todos os seus 14 capítulos seguem rigorosamente o que estabelece a lei, quanto ao conteúdo programático. Eles tratam dos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

Esses livros oferecem todas as condições necessárias para que os professores trabalhem a temática nas disciplinas que são determinadas pela lei. Ou seja, o conteúdo referente à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros é apresentado neles sob o ângulo que deve ser ministrado no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História brasileiras. "Nós os escrevemos com a lei à nossa frente e sob consulta o tempo todo", afirma Tiradentes.

Segundo ele, os livros atendem a uma reivindicação do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil. "Gil dizia que só a Fundação Palmares havia se preocupado em produzir conteúdos sobre o tema, tanto que o nosso livro tem o aval de Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura", diz. E acrescenta que outro diferencial é o formato 2 em 1 (dois livros em um), porém com duas capas específicas, sendo que de um lado está o livro sobre os negros e do outro o de cultura indígena brasileira.

Essa proposta leva em consideração a redução do preço final, de armazenamento e de transporte, cuja economia permite vender dois livros pelo preço de um, segundo a Direção Cultural, a editora que comprou os direitos dos autores e é a responsável pela a impressão e distribuição. Para Tiradentes, esse novo formato beneficia o planeta duplamente: primeiro, porque economiza milhares de árvores para a impressão de dois livros num só exemplar, já que reduz a quantidade de papel da capa, caso fosse impressos separadamente. E, em segundo lugar, porque o livro é impresso com papel reciclado.

A capacitação dos professores é feita por meio de recurso digital. Ou seja, através do método EAD - Ensino a Distância, tendo em vista a parceira firmada entre o editor e o Instituto de Tecnologia, Pesquisa, Gestão e Educação Virtual do Brasil (ITGVBR), que tem como associadas algumas das mais tradicionais instituições de ensino a distância do Brasil. Veja também o site: http://www.livroafrobrasileiro.com.br/


Sobre os autores
João Alves Tiradentes - Nascido em Caldas (mG), em 1952, é sociólogo, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; jornalista, pela Faculdade Cásper Líbero, especializado em economia aplicada pela FGV-SP e com ampla atuação como repórter e editor de economia na grande imprensa brasileira e como correspondente no exterior; e escritor, dentre outros, dos livros "mercado municipal Paulistano 75 Anos, de aromas, cores e sabores" e "otis, 100 Anos no Brasil".

Denise Rampazzo da Silva - Nascida em São Paulo (SP), em 1963, é bacharel e licenciada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e mestre em educação pela Faculdade de Educação da USP. Trabalha como professora de História há mais de 20 anos, tendo lecionado para alunos dos cursos fundamental, médio e EJA. Consultora autônoma na área educacional.

Serviço
Sociedade em Construção - História e Cultura Afro-Brasileira
Sociedade em Construção - História e Cultura Indígena Brasileira
Autores: J. A. Tiradentes e Denise Rampazzo da Silva
Editora: Direção Cultural
Páginas: 114 e 85
Capítulos: 8 e 6
Formato: 20,5 cm x 27,5 cm
Cor: 4x4
Preço: R$ 38,40

Informações para imprensa
ADS Assessoria de Comunicações
www.adsbrasil.com.br
Marcia Amorim e Samara Busa
E-mails: marciaa@adsbrasil.com.br
samarab@adsbrasil.com.br
Tel: 11. 5090-3033 / 9846-7633
11. 5090-3035 / 9902-3964

Fonte:

Quinteto Violado canta Geraldo Vandré

Grupo emociona com finas releituras da obra de Vandré

Ontem assisti ao show do ótimo e quase quarentão grupo Quinteto Violado, no Teatro Nelson Rodrigues/RJ. Neste espetáculo o Quinteto homenageia a obra consistente do lendário Geraldo Vandré, nome fundamental da música brasileira durante o período de trevas da ditadura. Para quem não se lembra, Vandré é o compositor da fortíssima e hino contra a repressão: “Pra não dizer que não falei das flores”.

O Quinteto Violado (http://www.quintetoviolado.com.br/) é um grupo formado em Recife/PE que está em atividade desde 1971, tendo caracterizado suas composições com um minucioso trabalho de resgate das tradições folclóricas nordestinas incorporando elementos da música erudita, criando arranjos refinados e respeitados pela crítica, artistas e uma legião, pequena, porém fiel de fãs.

A aproximação do grupo com a obra e com o próprio Geraldo Vandré começou no início dos anos 1970. O conjunto que acompanhava Vandré, o Quarteto Novo, serviu de inspiração para o Quinteto Violado, além do contato entre Marcelo Melo – cantor e violinista do QV – com Vandré. A admiração é tamanha pelo trabalho de Vandré que originou o álbum “Quinteto canta Vandré”, lançado em 1997, responsável pela maior parte do repertório do show.

Nesta curta temporada, somente até domingo, o Quinteto Violado aproveita para apresentar composições de outros artistas recriados com mestria pelo grupo, como as músicas “O ciúme” de Caetano Veloso e “Asa Branca” de Luiz Gonzaga, e diversos arranjos instrumentais de altíssima qualidade que fizeram a fama deste peculiar conjunto.

“Quinteto Violado canta Geraldo Vandré” trata-se de um show emocionante por revisitar as belas letras de Vandré com intensa conotação social e lirismo, em arranjos inspiradíssimos do grupo. A importância do show deve-se ao fato de apresentar a diversidade do trabalho de Vandré, mostrando-o como um compositor que ia muito além do clássico “Para não dizer que não falei das flores”, o que pode ser comprovado em músicas como “Disparada” e “Na terra como no céu”, e que já tinha como proposta um som de cariz nordestino, o que o Quinteto Violado explora com a ousadia que poucos grupos teriam.

Esta pequena temporada vale para revermos o Quinteto Violado no Rio de Janeiro e reafirmarmos a excelência do grupo. Serão apenas mais duas apresentações para o público carioca deslumbrar-se com a miscelânea ousada e de extrema criatividade deste conjunto, que sempre fez uma música de apuro técnico, alta sensibilidade e devoção pelos ritmos nacionais sem jamais se render às imposições do mercado fonográfico. Um caso raro no meio artístico brasileiro. “Quinteto Violado canta Geraldo Vandré”, um show imperdível e para ficar pendurado em um quadro na parede da memória.

Ricardo Riso

Quinteto Violado canta Geraldo Vandré
Teatro Nelson Rodrigues – Caixa Cultural
Av. Chile, 230 – Anexo – Centro
Sexta a domingo, de 30 de janeiro a 1º de fevereiro, às 19h30

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

José Luís Hopffer Almada (Org.) - O ano mágico de 2006 - olhares retrospectivos sobre a história e a cultura cabo-verdianas

2009-01-23 17:32:11

Praia, 23 Jan (Inforpress) - O livro " O Ano Mágico de 2006 - Olhares Retrospectivos sobre a História e a Cultura Cabo-Verdianas" é lançado quinta-feira, dia 29, na Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras, em Lisboa.

A obra segundo o seu coordenador, o escritor e ensaísta José Luís Hopffer Almada, reporta-se para a História-saga do arquipélago que, partindo do improvável, se foi construindo como projecto de uma existência ontologicamente segura e soberana, ainda que existencialmente interrogativa".

Os colaboradores do presente volume lançam, em forma de indagação, olhares plurifacetados e críticos sobre diferentes fases da formação e da emancipação do povo cabo-verdiano e dos seus diversos e sucessivos protagonistas, tendo como referência eventos e efemérides ocorridos em anos em "6" e, por isso, aniversariantes em 2006.

Para além de uma nota de abertura assinada pelo ministro da Cultura, Manuel Veiga, e de uma introdução do coordenador/organizador do presente livro, a obra conta com contribuições ensaísticas de prestigiados estudiosos da história, da cultura e da literatura de Cabo Verde, as quais vêm devidamente assinaladas no "Índice".

A essas contribuições acrescem alguns trabalhos do artista plástico, fotógrafo e também autor da fotografia constante da capa Mito (nome artístico de Fernando Hamilton Elias Barbosa), do escultor Kassanaia (nome artístico do também artesão José Brazão) bem como da ceramista Alice Vieira.

Na opinião de José Luís Hopffer Almada, tais trabalhos pretendem fazer ao leitor "visualizar algumas facetas, por vezes monumentais, por vezes simples rostos da nossa identidade e do Cabo Verde de um passado que, amiúde, se alonga pelo presente".

Anote-se que a grande maioria dos estudiosos acima referenciados vêm desenvolvendo as suas actividades em diferentes áreas de investigação e em várias universidades e centros de pesquisa, nacionais e estrangeiros.

Inforpress/fim


quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Filinto Elísio: 'percorrendo o incêndio das palavras' em "Das Frutas Serenadas"

Ardor semântico em metáforas inusitadas conduz o leitor à profunda viagem pela poesia

Por Ricardo Riso

Ao confrade Filinto Elísio


Um poder ilimitado para criar imagens, explorando ao extremo os sentidos das palavras, apresentando novas e surpreendentes significações em poemas que transportam o leitor a desvendar um sujeito lírico profundamente existencialista, proposto a metaforizar tudo aquilo que alimenta seu lirismo. Assim são os poemas encontrados no livro Das frutas serenadas (Praia: IBNL, 2007), do cabo-verdiano Filinto Elísio.

Ao privilegiar o soneto, uma vontade de voo no improvável / Que em mim lateja como um soneto (p. 44), o poeta usa com maestria o encadeamento, conseguindo recriar a forma clássica de se fazer poesia e demonstra poemas de grande esmero com a palavra. Deve-se frisar o incessante e o consistente recurso à sinestesia, que aparece constantemente, porém longe de se aproximar da exaustão, sendo usado com a excelência de quem domina o ofício como poucos, raros. É através dela que o sujeito lírico metaforiza suas paixões em frutas, tornando esta figura de linguagem a principal responsável para as densas viagens poéticas Das frutas serenadas, como no poema “Amoras”:

Tem horas que embarco ao sabor de amoras
e o travo deste meu corpo é fome soluçada,
gotas salpicadas, perfumadas ervas, banhos
de espuma e bolhas que são aqui beijos;

Tem horas que percorro todos os amores,
dos que me aquecem no frio e, entre a morna
& o violão, seus olhares furtivos abraçam
esta solidão, e eu uma concha de vontades;

Apaziguadas frutas comem nas amoras
este caminhar pelo vértice das musas,
onde, coordenadas, as horas cantam;

E jogadas ao leito da vida, fomos deleite,
e de tudo ter sido – sémen, suor e sangue –,
pétalas de qualquer coisa assim viscosa... (p. 32)

O sujeito lírico elisiano, em sua profunda viagem existencial, também celebra a tessitura da poesia, louvando o fazer poético, a busca pela palavra e pelas imagens inusitadas em suas metáforas a assumir um surrealismo vigoroso, todavia, não se esquecendo da relação aproximada que o cabo-verdiano possui com o mar, matéria primeva da literatura do arquipélago, como em “Esse mar revisitado”:

(A palavra mar morreu há muito,
Esse mar, quem sentiu mar?
Mas tu, de acreditares em fénix e
Nas cinzas do caminho, profanas.
Impiamente, profanas esta quietude)

Quando pronuncias a palavra mar
Este ilhéu diante de ti se liquefaz
E vira ele próprio metáfora e parte
Como onda para o abraço das terras...

Só de o teres ementado, os peixes
Saltitam no assombro das pedras
E as sereias saem, loucas das lendas,
E aproximam-se ao cio das marés...

As algas, limos, areias, espumas –, tudo
Soletra-lhe ali em maresia e de tão longe
Estará ele navio na solidão do mundo...

Nesse surrealismo tão bizarro e vão
Quão poemas de longe e de saudade
De repente, substantivos de quem os ouve... (p. 48)

Acariciadas palavras surgem nos serenados poemas em metáforas aladas, Aqui, deixado na praia, / Eu te invento... metáfora! (p. 51). Viagens, trajetos percorridos pelo albatroz cabo-verdiano revelam o breve momento da criação poética, a fugaz inspiração que evolui em forma de poesia:

(...) Quão poderosa, foste, num só momento,
E ter aquilo sido toda a eternidade... (p. 30)

(...) E o mais é molhares-me desse viscoso, o sereno
Serpentear das coisas em denodo, seres tu,
Fêmea fugaz, que a eternidade ora me concede... (p. 39)

Na vastidão de imagens criadas pelas metáforas sinestésicas e erotizadas, o sujeito lírico, qual frutal, homenageia as frutas:

As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas,
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.

Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Sílabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.

De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémenes, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.

Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas. (p. 21)

Na amplidão de metáforas ilimitadas e valendo-se de uma linguagem apurada e densa, o mergulho em uma poesia existencial proporcionado pela leitura deste pequeno livro Das frutas serenadas, consolida o nome de Filinto Elísio como um dos grandes da poesia contemporânea de Cabo Verde. Em Elísio, o excesso metafórico e o ardor semântico não são gratuitos, mas sim, fruto de uma cuidadosa e zelosa paixão pelo fazer poético. Intimista, lírica, exuberante, universal, assim é a poesia para e de Filinto Elísio. Um poeta que a reinventa, que mostra que a poesia ainda é a mais bela das artes.

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Biobibliografia resumida:
Filinto Elísio de Aguiar Cardoso Correia e Silva nasceu na cidade da Praia, em 1961, é formado em Biblioteconomia e em Administração. Foi cofundador do Movimento Pró Cultura e do Núcleo de Reflexão sobre a Arte, 1986. Publicou “Do lado de cá da rosa” (poesia, 1995), “Prato do Dia” (crônica, 2000), “O inferno do riso” (poesia, 2002), “Das Hespérides” (poesia, crônica e fotografia, 2005). É autor do blog Albatrozberdiano - http://albatrozberdiano.blogspot.com
Fonte: Guia do Participante – Contravento, Pedra-a-Pedra – I Seminário de Estudos Cabo-Verdianos/Universidade de São Paulo, 2008. p. 20-21.

Poemas:

Lendo Pedro Cardoso

Li, em tanta sofreguidão, os versos todos
A verve tântrica de apalavradas ilhas
E a praça se pressente, e a Brava ao largo,
E a quilha dos barcos em redondilhas.

A raiva toda, senti-a no corpo e na alma,
De pés descalços pelo dorso do vulcão,
Mãos percorrendo corpos de pedra negra,
Calcinados campos onde as uvas solfejam.

Li-os, página a página, a medra da cal
De tão brancas e térreas casas, arrieiros
E sobrados deságuam na matricial igreja.

O rufar dos tambores, o relinchar dos cavalos,
Em festas de pilão e bandeiras, e a procissão
Imensa (quase eterna) e eu nesse Presídio... (p. 46)


Mangas

Não te quis contar tudo das mangas,
antes balbuciei aos teus ouvidos o luar
que, da fresta dos coqueiros, banhava
o areal silencioso, pedaços de notas
com que a brisa desejava as ondas,
o termos sido, mano a mano, essa loucura!
Das mangas não, Amor. Tão íntimas de nós,
pedras soletradas, tão de toda a fruta
(cá dentro) como foram os abraços
e a nudez que não nos acabava, senão
nas pétalas de uma flor serenada
e nesses murmúrios (soubeste-os sempre)
das mangas... (p. 29)


Viagem

Em torno da odisseia das ilhas, creio levar
Neste puro desejo que me transcende, a senha
E a palavra-chave de os labirintos serem aqui
Simples lugares de passagem, apenas paisagem...

O andarilho palmilha as dunas, as areias
De intermináveis desertos e todas as ondas
Que os oceanos concedem, quando furibundas
Ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas...

Sem culpa, nem sina – ou de Job puro devedor –,
Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo
Como quem responde à morte o saldo estival...

Como quem salta para a eterna idade da vida
E fica suspenso entre a estrela e sua cadência
A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite... (p. 43)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Identidades em Trânsito - Guiné-Bissau e Cabo Verde (documentário)


Ficha Técnica
Fotografia
Francisco Sérgio Moreira Roteiro Márcio Câmara Daniele Ellery Som Direto Francisco Sérgio Moreira Edição de som Artesanato Digital Argumento Daniele Ellery Mixagem Aurélio Dias - Mega Rio Transfer Movedoll - Ronald Palatnik, Gilberto Santana

Festivais
Araribóia Cine 2007
Cineport 2007
FestCine Amazônia 2007
Festival de Cinema de Maringá 2007
Festival de Guarnicê 2007
Festival do Paraná de Cinema Brasileiro e Latino 2007
Festival Latino Americano de Curtas de Canoa Quebrada 2007
Goiânia Mostra Curtas 2007
Jornada Internacional de Cinema da Bahia 2007
Mostra Curta Audiovisual de Campinas 2007 2007
Mostra Internacional do Filme Etnográfico/RJ 2007
Mostra Olhar do Ceará 2007
Vitória Cine Vídeo 2007

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

José Vicente Lopes (Cabo Verde) - Morabeza

O cabo-verdiano José Vicente Lopes teve sua estreia literária na revista Ponto-e-Vírgula, nos anos 1980. Contista, possui uma verve ferina ao ilustrar o ilhéu, procurando desmistificar a passividade do homem cabo-verdiano em um mundo fragmentado e assolado pela crueldade das dificuldades impostas por um país carente em estrutura e de forte desigualdade social. Suas histórias, rudes e cruas, geralmente dialogam com o fantástico.
Ricardo Riso

Morabeza
“Um navio encalhou neste Sul”
Baltasar Lopes, Os trabalhos e os dias

Aconteceu numa noite de breu e já lá se vão muitos e muitos anos. O navio dirigia-se, decidido e imperturbável, em direção à costa e, como era de se prever, encalhou. Ficou a caminho, suspenso, entre o mar e a terra.

Quando o dia clareou, a população – como sabeis, amável, hospitaleira e generosa – deu com aquele monstro de metal à entrada da pequena baía, que os pescadores ainda hoje utilizam como abrigo. Refeita da surpresa, provocada por tão inusitado espetáculo, em pouco tempo, fez-se o que se tinha que fazer com aquele “presente de Deus”.

O navio foi inteiramente pilhado, como é habitual em situações do género, sem que os tripulantes tivessem podido impedir o assalto. Aliás, deram-se por felizes quando, três dias depois, deixaram a ilha a salvo.

Volvidos tantos anos, o navio, ou melhor, o que dele hoje resta, como que para provar que o acidente realmente aconteceu, continua no lugar em que o deixaram. Vez ou outra, vem a ilha algum turista, faz perguntas sobre como aquela embarcação foi parar ali, e acaba por tirar fotografias da imagem tão surreal, essa mesma que um fotógrafo francês, deslumbrado, haveria de eternizar anos depois num célebre postal que tem corrido o mundo.

Em noites de lua cheia há quem diga que o navio ganha vida e tenta retomar a viagem. Mas eu não acredito.

Lopes, José Vicente. Morabeza. In: A fortuna dos dias. Praia: Spleen, 2007.

Mito - menção trágigo-heróica

Visitando o site do artista plástico cabo-verdiano Mito, o Mare Calamus - http://www.tanboru.org/mito/index.htm, resolvi acessar as páginas da segunda edição da revista “Sopinha de Alfabeto”, publicada e perseguida durante os anos 1980, e deparei-me com este belo poema:


MENÇÃO TRAGIGO - HERÓICA

Quem não viu
Aquele soldado
Espetando uma baioneta
Ao coração
Jorrando
Lacre e não sangue

Quem viu e ouviu
Um ecologista
A ser devorado
Por uma planta carnívora
Ao tentar beijar uma borboleta

Quem não viu já ouviu falar
Do sucessor de Camões
Que naufragou
N'areia movediça
Na tentativa
De salvar um poema

MITO - I - 86

Fonte: http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP2Pag12.htm

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Filinto Elísio - alguns poemas, Das frutas serenadas

Alguns poemas do livro Das frutas serenadas (Praia: IBNL, 2007), daquele que considero o grande nome da atual literatura cabo-verdiana, Filinto Elísio.

Ricardo Riso




Das serenadas. Mito.

3

As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.

Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Sílabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.

De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémenes, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.

Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas.

(p. 21)


Das frutas noite e dia




(Reabre-se o pano: Eis que frutal e louco,
ele entra em cena para fazer o madrigal.
Imagina-se o diálogo das frutas entrelaçadas no cesto.
Mais arfantes do que plásticas, elas se permitem à fala)

Solfejo no gosto de pitanga o acordar contigo
O arfar fruído, quando não tão-só flutuante
- e há de o sol descrever seu arco no diurno -,
Em que as horas soluçantes se perdem…

Dou graças ao cajá e à fruta-do-conde, a terra,
O vento, a água, o ar e o arfante deste animal,
Medusa, como dizes, que petrificas de olhar,
Para além das cobras do teu “dread”…

Cai a noite e, de brumosa tocatina, dançam
Os pés que, embebidos no teu pântano, és tu
Virada pelo avesso, manga rosa e seu reverso…

E quando, em carnuda, me mordem os lábios,
desfeito em rosa manga, de laço e de caroço, eu
amanheço, resinado e pura fruta, nesse leito…

(p. 33)


O que a eternidade ora me concede

Grutas, lapas e concavidades, esse escuro,
Esse estágio de contra-luz, lábios & gretas,
Presságios, loucuras, tantas elucubrações,
Excertos de nada, de tudo e de todos, em mim...

Lagos, lagoas e águas, barcos pelos espelhos,
Meus labirintos e rincões, recifes e outros mares,
As espumam que chalaçam natais, os reveillons
Do tremeluzir das velas frágeis – frias e frágeis...

Estatuas que não contam palavras e beijos,
Nem dizem ao crepúsculo vasto e violeta, o sol
A ser ali solfejo, aqui regaço, em todo o momento...

E o mais é molhares-me desse viscoso, o sereno
Serpentear das coisas em denodo, seres tu,
Fêmea fugaz, que a eternidade ora me concede...

(p. 39)


Esse mar revisitado




(A palavra mar morreu há muito.
Esse mar, quem sentiu mar?
Mas tu, de acreditares em fénix e
nas cinzas dos caminhos, profanas.
Impiamente, profanas esta quietude)


Quando pronuncias a palavra mar
Este ilhéu diante de ti se liquefaz
E vira ele próprio metáfora e parte
Como onda para o abraço das terras...

Só de o teres ementado, os peixes
Saltitam no assombro das pedras
E as sereias saem, loucas das lendas,
E aproximam-se ao cio das marés...

As algas, limos, areias, espumas -, tudo
Soletra-lhe ali em maresia e de tão longe
Estará ele navio na solidão do mundo...

Nesse surrealismo tão bizarro e vão
Quão poemas de longe e de saudade
De repente, substantivos de quem os ouve...

(p. 48)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Verão, Amar, Hélio Oiticica, Caio F., Filinto Elísio e alguns outros devaneios


Olá! 2009 começa devagar para o blog. Janeiro é assim, inquietação e rua, sempre nas ruas – como me sinto bem. Verão é a estação da cidade outrora maravilhosa. No verão, o Rio de Janeiro é realmente Rio de Janeiro, com todas as suas belezas e neuras, muitas neuras. Ando por aí, estarrecido e revoltado com o que acontece na Faixa de Gaza, ponto. Encontro os amigos e as amigas do antigamente. Tento (mas não querendo) retomar um amor antigo, procuro desesperadamente um amor novo, curto intensamente as aventuras que aparecem, que não são nada demais. E os dias passam. Emociono-me com as pinturas de Petrillo, os penetráveis de Hélio Oiticica estão aí para quem quiser ver (falarei deles em breve) reafirmando-o como o melhor das artes plásticas deste país, a Armazém Cia. de Teatro surpreende com o fantástico “a inveja dos anjos”. A Lapa ferve. Confirmo: a literatura de Caio Fernando Abreu é sensacional. Devoro os textos recolhidos em Caio 3D: o essencial da década de 1980, com especial encantamento pelos contos d’Os dragões não conhecem o paraíso. Caio F. sabia muito da inquietação humana, foi embora prematuramente. Como faz falta. Grato pela generosidade de Lêdo Ivo e o seu fundamental Poesia Completa. Deslumbrado com as metáforas dissonantes do albatroz cabo-verdiano Filinto Elísio em Das frutas serenadas. Para este ano, mestrado tentarei, procurar melhorar algumas coisinhas, um filho talvez. E agradecer a todos que por aqui passam, pelas palavras de incentivo, pelas trocas, pelo carinho, respeito, admiração. Viver é bom.

Ricardo Riso

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Petrillo – Lugares Possíveis

Transcendência poético-pictórica em novos trabalhos confirma a excelência do artista

Compromisso com a pintura, paixão pelas paisagens, poesia em telas com predomínio da horizontalidade das formas em uma parca paleta de cores são o que encontramos ao contemplar as pinturas em grande formato do artista plástico Petrillo (http://www.petrillo.com.br), em sua nova exposição Lugares Possíveis, que ficará até o dia 25/01 no Centro Cultural Correios.

Inspiradas no ambiente incomum do deserto de sal boliviano, as pinturas recentes de Petrillo subvertem a percepção do observador ao explorar os limites da relação figura/fundo e da noção de profundidade. Ao recriar paisagens a partir da questão já clássica da pintura: de transpor a linha tênue entre figuração/abstração, Petrillo constrói uma trajetória poético-pictórica vigorosa, segura e surpreendente, merecedora de grande expectativa a cada nova exposição.

Favorece, nas telas ali apresentadas, o fato de Petrillo captar a transcendência entre a amplidão da paisagem desértica do sal boliviano e o céu, dissipando cores, desconstruindo formas. Com isso, Petrillo traduz o silêncio, o vazio que eleva o espírito. Por suas telas buscamos a paz interior, viajando na sensação de harmonia com uma força superior a nós somente experimentada em lugares ermos, descontaminados da interferência hostil do homem, podem oferecer.

Ricardo Riso

Petrillo – Lugares Possíveis
Centro Cultural Correios. Rua Visconde de Itaboraí, 20, Centro, 2253-1580. Terça a domingo, 12h às 19h. Grátis. Até 25 de janeiro de 2009.