por Ricardo Riso
“A poesia é a meta dos meus desejos” (p. 11) versa o eu lírico em um dos poemas do livro “O sentido das metáforas” (Maputo: Fundac, 2007), estreia literária do jovem poeta moçambicano Manecas Cândido. Desse verso podemos esperar um escritor compromissado com o fazer poético, pois, os poetas permanecem “intactos e submissos ao fulgor tão óbvio da palavra” (p. 9), revelando as sensações adormecidas pelas pessoas comuns porque somente os poetas com sua sensibilidade exacerbada escutam “a música das folhas que o vento transmite” (p. 33).
O lirismo percorre os quarenta poemas d’“O sentido das metáforas”. Manecas Cândido, nascido a 1 de Julho de 1979, em Quelimane, província da Zambézia (1), é representante da novíssima geração da poesia moçambicana, representada por nomes como Domi Chirongo e Sangare Okapi, seguidores de uma vertente lírica, com o predomínio de uma poesia existencialista e universal. Na trajetória literária de Moçambique, a presença da voz lírica fez-se desde os tempos do colonialismo em nomes como os de Virgílio de Lemos, Fernando Couto, Glória de Santana, Noémia de Sousa e, principalmente, Rui Knopfli. Com a guerra colonial e a posterior independência, os poetas, com razão, comprometiam-se com as causas sociais coletivas e cantavam a bravura do povo moçambicano e as glórias de um novo país. Contudo, o pleno domínio das temáticas “de combate” anestesiou os sentidos dos poetas extraindo da poesia o que há de melhor em si: a sua liberdade.
Esse panorama começa a mudar na década de 1980 com os pioneiros livros de Luís Carlos Patraquim, “Monção”, e de Mia Couto, “Raiz de Orvalho”, que resgatam o lirismo e uma poesia de cariz existencial no meio literário moçambicano. Tais características solidificam-se com a chegada de Eduardo White e o seu “Amar sobre o Índico” (1984) e os poetas lançados pela revista “Charrua” (1984), entre eles Juvenal Bucuane, Hélder Mutéia, Pedro Chissano, comprometida em desvencilhar-se dos temas guerrilheiros da poesia engajada. Para isso, seus poetas procuravam novos caminhos formais, apuro estético, uma linguagem plural, diversificada e/ou erótica, que privilegiava a força das metáforas e os anseios intimistas do homem. Rita Chaves aponta para o título da revista como fator determinante e anunciador desta mudança: “O nome Charrua aponta para essa vinculação com a terra a ser revolvida para que se aumente a sua fertilidade”.
Essa busca por outros caminhos poéticos é acompanhada por um triste período de atrocidades no país. Os anos 1980/1990 foram impregnados pela violência desmedida e irracional da guerra civil que assolou Moçambique, mergulhando-o numa aguda crise econômica e deixando a população perplexa diante de tantas atrocidades. Cândido cresceu convivendo com esse trágico cenário, ao qual o sujeito lírico recorda com amargura: “Logo que nasci / deram-me presentes / de pobreza e um País / de angústias” (p. 35). Na infância foi obrigado a conviver com as tristes notícias do “furor da guerra” que “silenciava as crianças”, “onde todos os dias as flores / gotejavam sangue / de tanta dor e morte” (p. 35). Entretanto, apesar de “já cansado / de sonhar com tristezas / que habitam o dia-a-dia” (p, 34), o sujeito lírico não se entrega, recorre à poesia, “desvelando segredos dos meus tempos / abalado de angústias, fome, terror” (p. 45) para retratar e denunciar o tempo que lhe coube viver, pois, “mesmo que me intimidem / a poesia resistirá rigorosamente / à languidez do meu corpo” (p. 13), tempo este infestado, agora, não mais pelo monstro do colonialismo ou pela guerra fratricida, mas pela corrupção desenfreada dos dirigentes do país e das pressões externas do neoliberalismo.
Contudo, o sujeito lírico é persistente, não se entrega, procura o “inadiável sonho / de canto de esperança” (p. 11), crer no poder dos poetas para “buscar o que de melhor temos” (p. 11) e faz do espaço ilimitado proporcionado pelo universo onírico o local de permanência da utopia, da esperança, contrapondo-o às adversidades do cotidiano: “O sonho integra a vida / na qual lutamos determinados / sem que nada nos refute / os anseios e a esperança” (p. 31). Metapoeticamente, confia na poesia para auxiliar o retorno dos sonhos moçambicanos, pois, somente o poema possui a qualidade de recuperar “a lembrança que a memória / não é capaz de trazer” (p. 25), memória esgarçada e dilacerada por tantos anos de sofrimento.
O apego a sua terra moçambicana, “aqui vivo fiel / à minha terra” (p. 32), remete aos poemas de Eduardo White e Luís Carlos Patraquim, e em tempos distantes, aos de Rui Knopfli, que elegeram o norte do país, mais precisamente a ilha de Moçambique como lugar matricial. O sujeito lírico de Cândido reafirma a tradição lírica moçambicana: “O teu corpo é País das maravilhas, / belo e próspero, / é terra dos meus sonhos” e também perpassa pelo norte ao citar as peculiares esculturas da etnia Maconde: “O teu corpo, amor, o teu corpo / esculpido do pau-preto / espanta o silêncio dos meus olhos” (p. 46).
Do compromisso social ao uso constante da metapoética, o sujeito lírico de Manecas Cândido propõe uma viagem alada em “palavras luzentes” (p. 13), porque sabe que a função da poesia é percorrer “com palavras mais puras” (p. 38) novos firmamentos, criar novas cores para combater o discurso da ordem estabelecida, tirar da inércia os sentidos anestesiados por tantas angústias e sofrimentos. Por isso, a fé e o compromisso com o seu trabalho e com o seu povo em “escrever um poema / que te lembre sempre a minha voz / de profunda esperança” (p. 39).
O lirismo percorre os quarenta poemas d’“O sentido das metáforas”. Manecas Cândido, nascido a 1 de Julho de 1979, em Quelimane, província da Zambézia (1), é representante da novíssima geração da poesia moçambicana, representada por nomes como Domi Chirongo e Sangare Okapi, seguidores de uma vertente lírica, com o predomínio de uma poesia existencialista e universal. Na trajetória literária de Moçambique, a presença da voz lírica fez-se desde os tempos do colonialismo em nomes como os de Virgílio de Lemos, Fernando Couto, Glória de Santana, Noémia de Sousa e, principalmente, Rui Knopfli. Com a guerra colonial e a posterior independência, os poetas, com razão, comprometiam-se com as causas sociais coletivas e cantavam a bravura do povo moçambicano e as glórias de um novo país. Contudo, o pleno domínio das temáticas “de combate” anestesiou os sentidos dos poetas extraindo da poesia o que há de melhor em si: a sua liberdade.
Esse panorama começa a mudar na década de 1980 com os pioneiros livros de Luís Carlos Patraquim, “Monção”, e de Mia Couto, “Raiz de Orvalho”, que resgatam o lirismo e uma poesia de cariz existencial no meio literário moçambicano. Tais características solidificam-se com a chegada de Eduardo White e o seu “Amar sobre o Índico” (1984) e os poetas lançados pela revista “Charrua” (1984), entre eles Juvenal Bucuane, Hélder Mutéia, Pedro Chissano, comprometida em desvencilhar-se dos temas guerrilheiros da poesia engajada. Para isso, seus poetas procuravam novos caminhos formais, apuro estético, uma linguagem plural, diversificada e/ou erótica, que privilegiava a força das metáforas e os anseios intimistas do homem. Rita Chaves aponta para o título da revista como fator determinante e anunciador desta mudança: “O nome Charrua aponta para essa vinculação com a terra a ser revolvida para que se aumente a sua fertilidade”.
Essa busca por outros caminhos poéticos é acompanhada por um triste período de atrocidades no país. Os anos 1980/1990 foram impregnados pela violência desmedida e irracional da guerra civil que assolou Moçambique, mergulhando-o numa aguda crise econômica e deixando a população perplexa diante de tantas atrocidades. Cândido cresceu convivendo com esse trágico cenário, ao qual o sujeito lírico recorda com amargura: “Logo que nasci / deram-me presentes / de pobreza e um País / de angústias” (p. 35). Na infância foi obrigado a conviver com as tristes notícias do “furor da guerra” que “silenciava as crianças”, “onde todos os dias as flores / gotejavam sangue / de tanta dor e morte” (p. 35). Entretanto, apesar de “já cansado / de sonhar com tristezas / que habitam o dia-a-dia” (p, 34), o sujeito lírico não se entrega, recorre à poesia, “desvelando segredos dos meus tempos / abalado de angústias, fome, terror” (p. 45) para retratar e denunciar o tempo que lhe coube viver, pois, “mesmo que me intimidem / a poesia resistirá rigorosamente / à languidez do meu corpo” (p. 13), tempo este infestado, agora, não mais pelo monstro do colonialismo ou pela guerra fratricida, mas pela corrupção desenfreada dos dirigentes do país e das pressões externas do neoliberalismo.
Contudo, o sujeito lírico é persistente, não se entrega, procura o “inadiável sonho / de canto de esperança” (p. 11), crer no poder dos poetas para “buscar o que de melhor temos” (p. 11) e faz do espaço ilimitado proporcionado pelo universo onírico o local de permanência da utopia, da esperança, contrapondo-o às adversidades do cotidiano: “O sonho integra a vida / na qual lutamos determinados / sem que nada nos refute / os anseios e a esperança” (p. 31). Metapoeticamente, confia na poesia para auxiliar o retorno dos sonhos moçambicanos, pois, somente o poema possui a qualidade de recuperar “a lembrança que a memória / não é capaz de trazer” (p. 25), memória esgarçada e dilacerada por tantos anos de sofrimento.
O apego a sua terra moçambicana, “aqui vivo fiel / à minha terra” (p. 32), remete aos poemas de Eduardo White e Luís Carlos Patraquim, e em tempos distantes, aos de Rui Knopfli, que elegeram o norte do país, mais precisamente a ilha de Moçambique como lugar matricial. O sujeito lírico de Cândido reafirma a tradição lírica moçambicana: “O teu corpo é País das maravilhas, / belo e próspero, / é terra dos meus sonhos” e também perpassa pelo norte ao citar as peculiares esculturas da etnia Maconde: “O teu corpo, amor, o teu corpo / esculpido do pau-preto / espanta o silêncio dos meus olhos” (p. 46).
Do compromisso social ao uso constante da metapoética, o sujeito lírico de Manecas Cândido propõe uma viagem alada em “palavras luzentes” (p. 13), porque sabe que a função da poesia é percorrer “com palavras mais puras” (p. 38) novos firmamentos, criar novas cores para combater o discurso da ordem estabelecida, tirar da inércia os sentidos anestesiados por tantas angústias e sofrimentos. Por isso, a fé e o compromisso com o seu trabalho e com o seu povo em “escrever um poema / que te lembre sempre a minha voz / de profunda esperança” (p. 39).
Manecas Cândido com “O sentido das metáforas”, ganhou o Prémio Rui de Noronha Revelação 2005 – FUNDAC. Ao exaltar a poesia e a própria palavra, o poeta trilha um caminho ousado, sinuoso, que exige intenso rigor com a tessitura poética. Caminho corajoso que, aguardamos, seja prolífico, conforme afirmou o poeta Armando Artur ao prefaciar a obra: “para quem está disposto a expor-se a todos os riscos que a escrita oferece, quando o propósito é procurar ser um verdadeiro e incansável marceneiro da poesia, à maneira Knophliana”.
O meu destino é voar na asa da poesia.
E do meu voo, levar a mensagem
Com as cores de esperança
Que a terra clama.
E nas alturas, pintar o céu
Exaltando o sentido das metáforas,
A razão do meu destino.
(p. 43)
NOTA:
(1) Manecas Cândido nasceu a 1 de Julho de 1979, em Quelimane, província da Zambézia. É Bacharel em Biologia pela Universidade Pedagógica. É membro efectivo da AEMO e do Núcleo dos Escritores da Zambézia. Poeta, publicou O Sentido das Metáforas (2007). Colaborou, na Rádio Moçambique, na rubrica “Sugestão de Leitura” (2004). Tem poemas publicados nos jornais “Diário de Moçambique”, “Savana” e “notícias”, nalguns casos assinados sob o pseodónimo Lu-Mundime. É Prémio Revelação Rui de Noronha – FUNDAC (2005).
Fonte: sítio da AEMO - ASSOCIAÇÃO DOS ESCRITORES MOÇAMBICANOS, acessado em 29/09/2009, http://www.aemo.org.mz/aemo/quemsomos.htm
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CHAVES, Rita. Eduardo White: o sal da rebeldia sob ventos do Oriente na poesia moçambicana. In: SEPÚLVEDA, M. C. e SALGADO, M.T. África & Brasil: letras em laços. Rio de Janeiro: Atlântica, 2000. p. 137. APUD: SECCO, Carmen L. T. R. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003. pp. 280-305.
SECCO, Carmen L. T. R. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003. pp. 280-305.
CHAVES, Rita. Eduardo White: o sal da rebeldia sob ventos do Oriente na poesia moçambicana. In: SEPÚLVEDA, M. C. e SALGADO, M.T. África & Brasil: letras em laços. Rio de Janeiro: Atlântica, 2000. p. 137. APUD: SECCO, Carmen L. T. R. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003. pp. 280-305.
SECCO, Carmen L. T. R. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003. pp. 280-305.