Oswaldo Osório – Clar(a)idade Assombrada
Por Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 161, de 30 de setembro de 2010, p. 11
Lançado em 1987 pelo Instituto Caboverdiano do Livro, “Clar(a)idade Assombrada” foi o terceiro livro de poesia de Oswaldo Osório, posterior a “Caboverdeamadamente construção meu amor” (1975) e “Os loucos poemas de amor e outras estações inacabadas” (1977). Merece-se frisar a estreia literária deste vate poético na histórica “Seló – página dos novíssimos” (1962), ao lado dos consagrados Arménio Vieira e Mário Fonseca.
O livro encontra-se dividido em quatro cadernos – cla(a)idade assombrada, percurso, quotidiano e a quinta estação – e reafirma as opções que motivaram a poética de Osório ao longo do tempo, logo presentes o lirismo amoroso – “força de amor que a razão não desfaz/ que houve então entre o meu ser e o ter-te?” (p. 38), as reflexões existenciais e do tempo – “agora o tempo que resta é o que rareia/ das horas consumidas na poesia” (p. 26), o compromisso inabalável ao defender os desfavorecidos – “eu/ que não deixo a minha humanindade/ num balaio furado (...) e o meu poder nisto consiste” (p. 27), entre outros; por outro lado, trata-se de uma verve poética que se distancia do telurismo fácil e de exaltações nacionalistas que adocicam olhos acomodados.
Com a certeza de quem possui uma biografia coerente e de partícipe histórico na criação de seu país independente, “em disparada na imperturbável rota/ de quem quer ser e cumprir/ o que era já tempo” (p. 15), e com a sinceridade exposta em “signo poético” desprezando a hipocrisia da ordem estabelecida, “mas os diplomas e honrarias/ manuscritas impressas a ouro ou em fino pergaminho/ neles limpará o cu”, para ainda assim ter a sapiência para “compreender o teu tempo como nenhum/ e por isso loucamente o amar” (p. 12). Posição que torna inquestionável a celebração e o otimismo recheados de comovente lirismo de “bom dia cabo verde”, o belíssimo poema para o seu país, “lugar de suor pão e alegria” (p. 17).
Para este poeta necessário, “não há lugar para o desânimo/ no peito-pulso caboverdeano” (p. 19). Abnegado, sua poesia encontra estímulo nas adversidades e o uso sucessivo do pronome possessivo em primeira pessoa pontua a certeza de sua posição: “jardineiro aguerrido é o meu nome e é assim mesmo/ cavo a terra submetendo-a ao meu suor total/ e o meu desejo dela se assenhoreia no verde que vai nascer” (p. 18).
No caderno “quotidiano” encontram-se trinta poemas numerados em forma de três tercetos com quatro versos cada, nos quais diversas temáticas são apresentadas e demonstram as constantes inquietações do poeta, tais como a veemência para manifestar-se contra o reducionismo do patrulhamento ideológico e ao fazer ácidas críticas às políticas para perpetuar a ignorância do povo: “escrever para o Povo não é falar-lhe de milho/ nem afoitar-se a uma escrita linear (...) coisas simples para o povo, porque o povo/ se umas coisas compreende outras não, então!/ Mas isso é o resultado do nível de instrução/ e do aparelho educacional e cultural” (p. 59). Assim como indagações várias de ordem ontológica: “se consumasse de ontem para hoje/ a eventualidade possível de eu não amanhecer/ como poderia dar-me conta disso/ à hora em que acordo e me levanto// faço a barba, tomo banho, beijo a Tosca? (p. 46), e a dificuldade de se fazer poesia, pois “as palavras estão gastas e envelheceram (...) Com as palavras gastas como nomear o amanhã?” (p. 72)
O derradeiro caderno é dedicado à utopia que sempre acompanhou a trajetória de Osório. Com a poesia no poder e o “trevo de esperança” (p. 79) por um amanhã fraterno e solidário, o poeta aspira por uma “manhã límpida de encher pulmões/ surpreender-te-ás com esse rio de muitos afluentes/ a nascer da minha para a tua boca” (p. 78).
“Clar(a)idade Assombrada” confirma os compromissos poéticos e sociais de Oswaldo Osório, este poeta necessário que domina a “arte de tear o sonho” (p. 68) e, generoso, oferece aos seus leitores “novos ideais novos sonhos novos amores” (p. 27).