domingo, 29 de junho de 2008

Banhos


No mínimo, são interessantes os filmes que tratam das mazelas da modernidade e da globalização e, principalmente, da condição humana, tão desmerecida pelo modelo social vigente que condena valores como solidariedade, amor e compaixão com o próximo. Até a família ou algo que lembre tradição é atropelado pela maneira competitiva e neoliberal de ser.

Banhos” (Shower, em inglês, Xizhao), filme chinês de Zhang Yang realizado em 1999, retrata o retorno de um bem sucedido jovem chinês (Da Ming) da cidade de Beijing ao convívio familiar com o pai e o irmão deficiente mental, que vivem do trabalho em uma tradicional casa de banhos chinesa.

A película já começa a mostrar o contraste entre a tradição e a modernidade logo em sua primeira seqüência: ao vermos o jovem Da Ming banhando-se em um chuveiro público moderno, que nos faz recordar imediatamente a semelhança com as máquinas lava-jato de automóveis. Em uma cena mais à frente, teremos a comprovação disso com um carro sendo limpo em um posto. Logo, podemos estender a comparação com a condição insensível imposta pelo mundo atual.

Da Ming resolve visitar sua família. A maneira como vivem não o agrada, por isso o afastamento e a rara presença. Ao chegar, vemos como é o funcionamento da casa de banhos administrada por Mestre Liu, seu pai, e ajudado, apesar das limitações, por Er Ming, seu irmão. Destaca-se o tratamento personalizado com os clientes, as milenares técnicas de massagem e o ritmo lento e descomprometido com o tempo – se compararmos com nossa vida acelerada –, com espaço para conversas, jogos (uma surpreendente briga de gafanhotos) e banhos intermináveis. Todo esse panorama causa estranhamento e repúdio para o ocidentalizado e globalizado Da Ming, que se mantém distante das atividades da casa de banhos e trata com frieza o pai e o irmão, não compreendendo a harmonia, a vida simples e sem maiores perspectivas levada pelos os dois.

Contudo, um breve mal-estar ataca Mestre Liu, que fica com a saúde debilitada devido à idade avançada. Com isso, Da Ming percebe que precisa participar do serviço da casa de banhos, pois Er Ming só pode assumir pequenas tarefas, e esse retorno ao trabalho passa a ser a redescoberta de sua origem e de reaproximação de sua família.

Todavia, o bairro em que se localiza a casa de banho será reformulado com a construção de um shopping center e tudo será demolido. É a presença do neoliberalismo e a sua sanha predatória em adaptar as pessoas e o meio ao seu modelo, eliminando completamente qualquer vestígio da vida tradicional levada naquela região, em que Mestre Liu cresceu e criou seus filhos.

O idoso Mestre Liu morre antes da demolição do bairro. Como não poderia deixar de ser, tais mudanças afetam os homens que convivem naquele ambiente com a aproximação do despejo, que pressentem um futuro nebuloso, carregado em incertezas e fazem críticas ao modo agitado e rápido como se vive na atualidade.

Deve-se destacar a beleza e a delicadeza das cenas de nu, principalmente feminino, sem as costumeiras vulgaridades e apelações que beiram o pornográfico, comuns na televisão e cinema brasileiros. Obrigatório louvar as passagens sensíveis e singelas protagonizadas pela inocência de Er Ming, muito bem interpretado por Jiang Wu. Enquanto isso, a apresentação do contraste entre a China contemporânea e seus hábitos milenares nos fazem refletir sobre as mazelas e o individualismo perpetrados pelo neoliberalismo, com sua sede de ganância, novidade e artificialidade. “Banhos” é um bom filme.

Ricardo Riso

As informações a seguir foram retiradas de
http://www.adorocinema.com/filmes/banhos/banhos.asp

Ficha Técnica
Título Original: Xizhao
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 92 minutos
Ano de Lançamento (China): 1999
Site Oficial: www.spe.sony.com/classics/shower/index.html
Estúdio: Imar Film / Xi'an Film Studio
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Zhang Yang
Roteiro: Shangjun Cai, Yinan Diao, Xin Huo, Fendou Lin e Zhang Yang
Produção: Peter Loehr
Música: Ye Xiao Gang
Direção de Fotografia: Zhang Jian
Direção de Arte: Meng Tian
Edição: Hongyu Yang

Elenco
Jiang Wu (Er Ming)
Pu Quanxin (Da Ming)
He Zheng (He Bing)
Zhu Xu (Mestre Liu)
Zhang Jin Zao

2 comentários:

Anônimo disse...

Bom texto, Ricardo.
abraços

Wanasema disse...

Muito obrigado, Marcelo Janot!
Um grande abraço,
Riso