quarta-feira, 7 de outubro de 2009

João Melo - O homem que não tira o palito da boca (texto contracapa)

A seguir o texto da contracapa escrito pelo professor Pires Laranjeira para o quinto livro de contos de João Melo - O homem que não tira o palito da boca –, a ser publicado em Novembro, em Angola, Portugal e Moçambique.
O texto foi gentilmente enviado pelo escritor angolano João Melo em 07/10/2009.


SOMOS TODOS LOCALIZADORES

Um dos narradores deste novo livro do angolano João Melo diz que não é Maupassant, García Marquez ou Henry Miller, mas quase posso jurar que ele leu os três com prazer e proveito.
O autor usa uma linguagem magnificamente técnica, semiótica, de lógica formal e jurídica – obsessivamente perfeccionista, requintada, paranoicamente explicativa – para tratar de questiúnculas ou, pelo contrário, explicar formalmente, com uma lógica administrativa, a podridão familiar, política, económica, o quotidiano de miséria, prostituição, indecência, malfeitoria e sacanice (no Sambila e outros bairros) de pobres diabos e cidadãos abandonados pelos coevos.
Histórias de casais e traições (infidelidades) são uma das obsessões divertidas de Melo. E, depois, há o tema das raças, cores de pele, classes, mas também o do assassinato piedoso, entre tantos.
Mesmo brincando e gozando com tudo e com todos, pressente-se que disfarça o incómodo do sofrimento humano com esse riso, que, afinal, não passará de piedade compungida pelos semelhantes, mas não iguais – essa consciência da diferença social funda a auto-ironia que, afinal, é a mais funda (e disfarçada) estratégia da sua prosa cáustica, verdadeira soda agreste.
João Melo leva ao ponto de rebuçado o uso da teoria da literatura e da linguagem tecnocrata como subtexto para o humor: divertimo-nos tanto com as situações cómicas em que as personagens chafurdam quanto com os chistes semióticos dos narradores, que tratam o leitor (e a leitora) por tu.
Parece um ensaísta que perdeu o pé na ficção: dá, sempre negando que o faz, lições de moral e outras que tal, usa jargão escorreito, ficciona o ensaísmo e ensaia a escolástica. Não é para qualquer um, mas somente para um fauno das letras - como João Ubaldo Ribeiro ou Luiz Fernando Veríssimo -, que inventa a profissão de “localizador” de mulheres estrangeiras, em mais um dos seus inenarráveis tipos de caluandas.
Muita ironia – justa, amável - sobre Portugal (a “tugolândia”) ou o Brasil – esta, concupiscente e amabilíssima - e os EUA – verdadeiros bo(m)bos da festança, incluindo Bush. Sugiro, pois, que os leitores se tornem, digamos assim, “localizadores”.

Pires Laranjeira

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