quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Manuel Rui - Obama e um acto de cultura universal

Ainda não tive tempo para escrever algo a respeito de um novo vento a soprar por aí. Não sei, sinto receio em criar expectativas. Talvez, por ingenuidade, não perco a vontade de sonhar... de viver e ver a História acontecer... pensei que vivenciaria aqui, na cidade do Rio de Janeiro, contudo, o carioca não quis ser fator determinante nos rumos da História. Mas ela chegou, veio de longe... creio que só o fato de estimular a esperança já nos faz algum bem.

Boa sorte, Obama!

O texto a seguir é do escritor angolano Manuel Rui, gentilmente enviado pela Profa. Carmen Lucia Tindó Secco*, no qual comenta a expectativa em torno de Obama. Considerei uma ótima leitura. Espero que gostem.

Abraços,
Ricardo Riso


OBAMA E UM ACTO DE CULTURA UNIVERSAL

Eu sempre me confundi na realidade com a utopia. Ou na insatisfação constante como forma quase de fingir felicidade na busca, na procura e imitação de coisas muito simples como o voar dos pássaros, o declinar do sol, o brilho das estrelas e o mistério das conchas que aconteciam com os meus pés à beira mar na areia. Sempre não me conseguindo encontrar com o paraíso do infinitamente bom e infinitamente belo para todos, quase desinfinitando a morte que é o único lugar infinito mas parte da vida, o infinitamente belo que até poderia ser um contraste com o infinitamente bom que sempre para mim ficaram sem ser, iguais à inexistência ou à infelicidade de não procurar mais nada, muito antes da nostalgia ou depois da saudade da morte.

Afinal viver é também não imaginar aquilo que pode acontecer enquanto estamos vivos. Só que eu nunca pensei que em vida, para além de tanta coisa que estava, ainda que muito longe, mas no horizonte por detrás da noite e da nuvem, pudesse ainda ter vivido sonhos, porque a minha geração viveu sonhos depois de os ter sonhado no passa-palavra de muitos silêncios. E também viveu a morte de muita alegria triste.

Mas agora era demais. Numa data e hora em que um grande amigo meu fazia anos. Quatro de Novembro. Eu a telefonar-lhe e ele quase ou mesmo esquecido do seu aniversário por causa de OBAMA.

Era algo que nos tocava e falámos ao telefone. Porque era uma coisa que estava impensada no nosso tempo. A utopia tinha ultrapassado a nossa imaginação. Já não era tanto uma eleição ou uma vitória. Fazia semanas que vivíamos a novidade. Principalmente porque OBAMA falara mais ou menos que se mudarmos a sala podemos mudar a casa; e se mudarmos a casa podemos mudar a rua; e se mudarmos a rua podemos mudar a cidade; e se mudarmos a cidade podemos mudar o estado; e se mudarmos o estado podemos mudar o país; e se mudarmos o país podemos mudar o mundo.

OBAMA, em gesto de sagrado, no discurso de Filadélfia, tirou o pé do tiro do reverendo Jeremiah Wright. Embora o reverendo tivesse razão mas era uma razão da memória e da injustiça. Uma razão sobre os que haviam sido negados como pessoas, deixando suor e sangue nas plantações de tabaco e açúcar. Uma razão que podia ser entendida como rancor.

Nesse discurso, OBAMA trouxe uma utopia ligando a jovem Ashley e um mais velho que estava ali por Ashley estar.

No dia e hora em que escrevo este texto ainda não sei se OBAMA ganhou. Mas não é tanto por isso que estou a escrever. É mais por causa do outro que nunca percebeu que eu existo e ele só pode ser também se deixar de estar assim para podermos ser todos.

OBAMA tem um significado do maior acto de cultura universal do início deste século. No século passado, quem tinha televisão ficou uma noite inteira à espera que um homem pisasse a lua.

Neste princípio de século, OBAMA conseguiu criar uma energia, um astral de muitas mãos inteiras pelo pensamento de pessoas de todas as partes do mundo, numa corrente parecida com uma constelação de paz sem fronteriras. E Isso é um acto de cultura que vai ficar.

Não importa que este Messias traga milagres. Importa é o milagre cultural de pôr uma boa parte do mundo inteiro a olhar para ele como um salvador e perder uma noite só a olhar para um televisor como se OBAMA fosse uma madrugada.

No século passado, foram à lua. Agora OBAMA parece que desceu da lua e chegou à terra.

No século passado foi Mandela.

Mas antes de Mandela, o reverendo Luter King já tinha orado que tinha um sonho. O reverendo foi assassinado por causa do sonho.

Mandela tornou realidade um bocado do sonho do reverendo. Por cima de tanta memória que sobrou para os blues.

OBAMA acrescenta mais um bocado de realidade ao sonho do reverendo.

Como Agostinho Neto deixou escrito:

E DO DRAMA INTENSO
DUMA VIDA IMENSA E ÚTIL
RESULTOU CERTEZA

AS MINHAS MÃOS COLOCARAM PEDRAS
NOS ALICERCES DO MUNDO
MEREÇO O MEU PEDAÇO DE PÃO.

manuel rui


* Fonte: recebido em 5 de novembro de 2008,20h30.

4 comentários:

Norma Lima disse...

Sim, a esperança, sim...

Wanasema disse...

Vamos ver no que dará...

Anônimo disse...

Oi, Ricardo,
O texto do Manuel Rui que li a partir do seu blog viajou comigo para a Fliporto e chegou às mãos de outras pessoas, inclusive de escritores.
Parabéns pelo espaço que mantém sempre atualizado. Vou visitá-lo sempre.
Um abraço,
Claudia Fabiana.

Wanasema disse...

Olá, Claudia Fabiana!! Tudo bem?
Obrigado pela delicadeza, pelas generosas palavras, mas os agradecimentos devem ser dirigidos à Profa. Carmen Tindó, que me enviou este belo texto do Manuel Rui.
Agora, como foi a Fliporto? Se quiser passar suas impressões, o blog está disponível para você.
Volte sempre!
Um grande abraço,
Ricardo Riso