Por Ricardo Riso
Mito, pseudônimo de Fernando Elias Hamilton Barbosa, é um nome inquietante na cultura cabo-verdiana do pós-independência. Artista multifacetado, atua nas letras e nas artes plásticas com desenvoltura e fina ironia. Mito não se prende a gêneros ou estilos, transita por várias linguagens e meios para expor suas obras. A ousadia e a diversidade são algumas das suas características, e o diálogo com as vanguardas contemporâneas aparece com freqüência em seus trabalhos, algo pouco comum entre os artistas do arquipélago.
Com o objetivo de movimentar as artes em Cabo Verde, dominado pelo cantalutismo do país recém-independente e no ano do cinqüentenário da revista Claridade, publicação que marca a moderna poesia cabo-verdiana, em 1986, Mito, acompanhado de Arnaldo Silva, dos poetas Eurico Barros e Filinto Elísio, e do fotógrafo João Nelson, lança a revista Sopinha de Alfabeto.
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1capa.htmCom o objetivo de movimentar as artes em Cabo Verde, dominado pelo cantalutismo do país recém-independente e no ano do cinqüentenário da revista Claridade, publicação que marca a moderna poesia cabo-verdiana, em 1986, Mito, acompanhado de Arnaldo Silva, dos poetas Eurico Barros e Filinto Elísio, e do fotógrafo João Nelson, lança a revista Sopinha de Alfabeto.
A Sopinha de Alfabeto surge com a proposta de ampliar os temas artísticos no arquipélago, fazendo do humor e da ironia as suas principais bandeiras. Contudo, tal ousadia desejada por alguns, não seria bem digerida por outros. Em prefácio à reedição de Sopinha de Alfabeto, Lonha Heilmair afirma que:
Se o projecto da Sopinha de Alfabeto foi de molde a suscitar entusiasmos e mudar paradigmas, ele também provocou reacções menos benevolentes por parte de quem se sentia no dever de velar pela manutenção de algum rumo pretensamente sério da criação artística, porque relacionado, por definição, com um discurso oficial institucionalmente progressista. Assim, a Sopinha foi caracterizada como “sinal de decadência infantil”, não tendo a revista “importância nenhuma” (Manuel Delgado in: Michel Laban, Cabo Verde - Encontro com Escritores, tomo II, Porto 1992, p. 758 e 762, respectivamente).
Entretanto, ao visitarmos a publicação em formato eletrônico no site de Mito - http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1capa.htm -, deparamo-nos com uma revista ousada, pretensiosa, híbrida. Não há como negar a proposta de renovação da Sopinha. Atrevida, sai do lugar-comum em meio às comemorações da Claridade, já na primeira página demonstra os caminhos que pretende seguir e a proposta plural e aglutinadora dos que querem mostrar suas obras:
Sopinha de Alfabeto surge com o objectivo de criar ou tentar criar um espaço livre de publicação e divulgação no domínio das Artes e Letras, não estando enfeudado a nada e a ninguém nem representará o compromisso com quaisquer padrões estético-formais e/ou mesmo temáticos.
Neste número publicamos apenas poemas, caricaturas, desenhos e fotografias mas as páginas deste projecto estão disponíveis para qualquer outro género literário, do ensaio às reportagens, da poesia à crítica literária e do desenho à fotografia.
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag1.htm
Posteriormente, essa postura seria radicalizada e celebrada no início da década de 1990, com a antologia Mirabilis – de veias ao sol, organizada por José Luís Hopffer Almada, o grande marco da renovação literária cabo-verdiana.
Em agradáveis vinte e seis páginas, a Sopinha de Alfabeto apresenta variadas formas de linguagem. Mito comparece, dentre outras ilustrações e poemas, com o belo “Poemito Concreto”, além do desencanto com as conquistas sociais não alcançadas pelo país independente, o curto e agressivo poema cheio de assonância e aliteração “A revolta e sua inflação”:
Sopinha de Alfabeto surge com o objectivo de criar ou tentar criar um espaço livre de publicação e divulgação no domínio das Artes e Letras, não estando enfeudado a nada e a ninguém nem representará o compromisso com quaisquer padrões estético-formais e/ou mesmo temáticos.
Neste número publicamos apenas poemas, caricaturas, desenhos e fotografias mas as páginas deste projecto estão disponíveis para qualquer outro género literário, do ensaio às reportagens, da poesia à crítica literária e do desenho à fotografia.
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag1.htm
Posteriormente, essa postura seria radicalizada e celebrada no início da década de 1990, com a antologia Mirabilis – de veias ao sol, organizada por José Luís Hopffer Almada, o grande marco da renovação literária cabo-verdiana.
Em agradáveis vinte e seis páginas, a Sopinha de Alfabeto apresenta variadas formas de linguagem. Mito comparece, dentre outras ilustrações e poemas, com o belo “Poemito Concreto”, além do desencanto com as conquistas sociais não alcançadas pelo país independente, o curto e agressivo poema cheio de assonância e aliteração “A revolta e sua inflação”:
A vida é cara meu caro
Cara de jarro
Carro de barro
Farejo o meu charro
Fumo o cigarro da farra
E escarro na cara do descarado
(MITO - 11 - 84)
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag13.htm
O bom poeta Filinto Elísio apresenta poemas em estilos vários: o hai kai, figuras de linguagem como a assonância, a prosa poética estão entre as características formais de sua poesia. Com temáticas inovadoras no panorama literário do país. Utilizando-se da versificação livre futurista, sua matéria poética surge em cenas do cotidiano como no poema “Ao Mito”:
aquela do coveiro boa gente que a Deus pede mais morte
e o recurso de mais pão
aquela do artista travestido de absurdo
e subversivo mefisto das horas substantivas
aquela da mulher náufraga e sem rumo
que como as ondas do mar vem dar às nossas praias íntimas
aquela que nos abre a flor e nos fecunda a alma
aquela do cão vadio que ninguém dá a mínima
mas que o menino triste acompanha e quer adoptar
aquela da estrela cadente na qual "o da passiva"
viaja na ponta do charro
aquela da "luamito" da metalinguagem futurista
aquela da boca do lixo engolindo os nossos titãs
aquela do sol com vergonha de aquecer corações
aquela do coveiro boa gente e etc
aquela cena da vida para ser vivida...
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag3.htm
Filinto Elísico também lança poemas muito bem elaborados, com no ótimo e metrificado “A poesia do reverso”
lusoáfricas berço terço
o terceto da nova poesia
onde passava a Passargada
passa agora o pássaro da paz
tão linda e ledice lírica
vero verso e vertigem
cantiga antiga do amigo
contigo ate canto o cantar
o trottoir da trova trolley
que troveja tartex e tempo
o silêncio silex do Simas
da sirene morna muda
lá onde a noite atinge
de esfinge o Conde finge
o poeMito faz lexema
no pão da poesia morena
à Cris à cruz à luz
o sufixo e o crucifixo
o lixo o Kitsch o bicho
dura lex pax lua
o perverso e o avesso
na poesia do reverso ...
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag21.htm
O outro poeta que forma o corpo da Sopinha de Alfabeto, Eurico Barros, possui uma poesia intimista, existencialista, crítica do passado histórico como em “Acidente Danado”:
...e ficou a imagem cósmica
de Titicaca
Tibete
dos deuses que levaram
a outra vida
essa vaga possibilidade de ser feliz,
deixando-nos com o Deus
ocidente
danado.
... e ficou o sofrimento bíblico,
captando a telepoesia
dos espíritos
da antiga
Tibete
Titicaca
... e ficou a imagem religiosa do ÉDEN DESABITADO.
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag23.htm
Barros experimenta grafismos e ilustrações para seus poemas. O poema “‘o’culto” demonstra a agonia dos tempos de distopia, chamando para a realidade a perplexidade causada pela desilusão com o país:
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag11.htm
Para fechar a publicação, uma ilustração de Mito antecipa as reações que Sopinha de Alfabeto cometeria no meio cultural cabo-verdiano:
Neste texto, mencionei apenas o primeiro número da revista, mas está disponível no site o segundo número, este já com participação maior de artistas e outras propostas estéticas estão presentes. Ao digitalizar e disponibilizar a Sopinha de Alfabeto em seu site, Mito presta uma linda homenagem ao percurso recente da literatura de seu país. Para quem admira ou pesquisa a arte do arquipélago, encontra ali um excelente material para compreensão do desenvolvimento literário de Cabo Verde.
O bom poeta Filinto Elísio apresenta poemas em estilos vários: o hai kai, figuras de linguagem como a assonância, a prosa poética estão entre as características formais de sua poesia. Com temáticas inovadoras no panorama literário do país. Utilizando-se da versificação livre futurista, sua matéria poética surge em cenas do cotidiano como no poema “Ao Mito”:
aquela do coveiro boa gente que a Deus pede mais morte
e o recurso de mais pão
aquela do artista travestido de absurdo
e subversivo mefisto das horas substantivas
aquela da mulher náufraga e sem rumo
que como as ondas do mar vem dar às nossas praias íntimas
aquela que nos abre a flor e nos fecunda a alma
aquela do cão vadio que ninguém dá a mínima
mas que o menino triste acompanha e quer adoptar
aquela da estrela cadente na qual "o da passiva"
viaja na ponta do charro
aquela da "luamito" da metalinguagem futurista
aquela da boca do lixo engolindo os nossos titãs
aquela do sol com vergonha de aquecer corações
aquela do coveiro boa gente e etc
aquela cena da vida para ser vivida...
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag3.htm
Filinto Elísico também lança poemas muito bem elaborados, com no ótimo e metrificado “A poesia do reverso”
lusoáfricas berço terço
o terceto da nova poesia
onde passava a Passargada
passa agora o pássaro da paz
tão linda e ledice lírica
vero verso e vertigem
cantiga antiga do amigo
contigo ate canto o cantar
o trottoir da trova trolley
que troveja tartex e tempo
o silêncio silex do Simas
da sirene morna muda
lá onde a noite atinge
de esfinge o Conde finge
o poeMito faz lexema
no pão da poesia morena
à Cris à cruz à luz
o sufixo e o crucifixo
o lixo o Kitsch o bicho
dura lex pax lua
o perverso e o avesso
na poesia do reverso ...
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag21.htm
O outro poeta que forma o corpo da Sopinha de Alfabeto, Eurico Barros, possui uma poesia intimista, existencialista, crítica do passado histórico como em “Acidente Danado”:
...e ficou a imagem cósmica
de Titicaca
Tibete
dos deuses que levaram
a outra vida
essa vaga possibilidade de ser feliz,
deixando-nos com o Deus
ocidente
danado.
... e ficou o sofrimento bíblico,
captando a telepoesia
dos espíritos
da antiga
Tibete
Titicaca
... e ficou a imagem religiosa do ÉDEN DESABITADO.
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag23.htm
Barros experimenta grafismos e ilustrações para seus poemas. O poema “‘o’culto” demonstra a agonia dos tempos de distopia, chamando para a realidade a perplexidade causada pela desilusão com o país:
http://www.tanboru.org/mito/sopinha/SP1Pag11.htm
Para fechar a publicação, uma ilustração de Mito antecipa as reações que Sopinha de Alfabeto cometeria no meio cultural cabo-verdiano:
Neste texto, mencionei apenas o primeiro número da revista, mas está disponível no site o segundo número, este já com participação maior de artistas e outras propostas estéticas estão presentes. Ao digitalizar e disponibilizar a Sopinha de Alfabeto em seu site, Mito presta uma linda homenagem ao percurso recente da literatura de seu país. Para quem admira ou pesquisa a arte do arquipélago, encontra ali um excelente material para compreensão do desenvolvimento literário de Cabo Verde.
2 comentários:
Belo sonho . . .
Obrigado pelo comentário, Andreia!
Volte sempre!
Abraços,
Ricardo Riso
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