Joaquim Arena: “Para Onde Voam as Tartarugas” apresentado em Lisboa
“Para Onde Voam as Tartarugas” é a mais recente obra de Joaquim Arena. Uma edição da Caminho, que apresenta “um relato vivo das personagens, dos lugares e vivências da sociedade cabo-verdiana”, segundo a editora. O lançamento da obra teve lugar em Lisboa, na livraria CEBuchholz, tendo cabido a apresentação ao editor Severino Coelho e a análise a António Loja Neves, jornalista do semanário “Expresso”, realizador de cinema e documentarista. O Expresso das Ilhas esteve presente e entrevistou o escritor.
Já passaram quatro anos desde o lançamento do seu último livro. Como surgiu esta nova obra?
A história deste livro é engraçada, tendo existido vários momentos para a sua conceptualização. Há uns anos atrás estive na ilha de Santa Luzia, na qual tive uma experiencia fantástica. Na ilha estive com uns amigos a acampar e tive a oportunidade de explorá-la. Numa das incursões nocturnas pela ilha pude observar tartarugas marinhas a desovar, ou seja, a fazer o buraco na areia para o seu ninho e a subsequente postura. Para mim foi fascinante estar junto de animais destes, porque, além da sua história, são criaturas que sobreviveram à era dos dinossauros. Toda esta experiência ficou-me retida na memória. Uns tempos mais tarde, ainda trabalhava no jornal A Semana quando me chegou às mãos uma reportagem, relativa a uma bióloga que estava a estudar tartarugas marinhas numa praia deserta da ilha da Boa Vista. Neste sentido, juntei a minha vivência e a perspectiva de uma bióloga.
Alguns meses mais adiante estive com uns amigos em S. Vicente, que por sua vez tinham outros amigos, sendo um deles, um cidadão espanhol. Num serão de convívio, fomos conversando pela madrugada dentro e no final dessa noite, quando o mesmo foi embora, um dos meus amigos questionou-me se sabia quem era o espanhol, ao que respondi negativamente. De forma pronta o meu amigo explicou: “era um basco, um antigo etarra, um operacional, um terrorista! Há aqui alguns, pois houve um convénio entre o Governo de Cabo Verde e o Espanhol, para os mesmos se exilarem aqui em troca de alguns investimentos.” A história que acabara de ouvir era singular e no final o meu amigo ainda acrescentou: “este homem é ainda responsável por cinco ou seis assassinatos”. Fiquei incrédulo perante esta revelação, pois o homem que considerei simpático, com o qual falei durante horas e aparentava ser um homem normal de passagem por Cabo Verde, era afinal um activista político.
Perante tais realidades e perspectivas reflecti: em ilhas isoladas no meio do oceano conseguimos ter encontros inesperados que, por exemplo, em Lisboa não seriam tão prováveis descobrir. Quando voltei para Portugal comecei a efectuar as minhas pesquisas, coloquei o nome do indivíduo espanhol em causa e li o seu histórico. Foi neste momento que estas várias etapas da minha vida se começaram a encaixar e me ocorreu que o resultado poderia ser uma história em que as pessoas se conheciam na ilha da Boa Vista. Foi desta forma que avancei para a história, em que já tinha as personagens e só me faltava o enredo.
Podemos considerar uma obra autobiográfica?
Tem algumas passagens da minha experiência. Grande parte do que nós escrevemos reflecte, ou a nossa experiência, ou a experiência de pessoas que nos são muito próximas, pois ninguém escreve sobre algo totalmente desconhecido. Nós não inventamos, ou seja, não criamos as histórias de uma esfera superior. O que escrevemos tem sempre uma ligação directa com o que conhecemos e vivemos, misturando parte das nossas experiências com aspectos imaginados.
Roaquim foi uma personagem necessária?
Quis brincar um pouco e inventei um advogado, o Roaquim, porque é a forma como os espanhóis pronunciam Joaquim. Como sabemos, os espanhóis não têm uma aptidão inata para línguas estrangeiras, e quando o fazem, deixam muito a desejar. Roaquim é uma personagem baseada de certa forma na experiência que tive enquanto advogado em Cabo Verde. Nessa etapa da minha vida era um advogado muito especial, porque só defendia quem não tinha dinheiro para solicitar um advogado, ou seja, só defendia pobres, como por exemplo, os desgraçados dos rapazes de rua que roubavam. Considerava que tinha muito mais interesse estar a defender pessoas que não tinham como pagar um advogado. O Ministério da Justiça era quem me pagava, mas eu tinha muito prazer e satisfação em ajudar, por exemplo, uma pessoa pobre a não ser despejada de sua casa. O lado social da advocacia é o que mais me atrai e esta experiência está reflectida em algumas passagens do livro.
A quem é que se destina este romance?
O romance tem uma carga ecológica como frisou o António Loja Neves na apresentação: nós brincamos e contamos histórias, porém, estamos a falar de aspectos muito sérios. Por exemplo, estamos a falar da ilha da Boa Vista que tem longos quilómetros de areal, os quais são os locais escolhidos há milhões de anos pelas tartarugas. Na nossa era vemos que começam a surgir inúmeras propostas de desenvolvimento hoteleiro nesses locais, que acabam por ter influência no habitat e no meio ambiente de Cabo Verde. Gostaria muito que a história pudesse ser vista como uma espécie de alerta para o investimento no turismo de massas, que mal concebido pode aniquilar estas praias, o meio ambiente e as tartarugas marinhas. É um risco muito grande que estamos a correr.
É também uma crítica à sociedade cabo-verdiana...
Considero que o Governo e os decisores políticos estão conscientes destes riscos, mas, como em todo lado há sempre brechas, podendo surgir propostas menos consentâneas com o desenvolvimento equilibrado. Obviamente que temos de promover o turismo, no entanto, não podemos abdicar da salvaguarda do meio ambiente. Penso que a sociedade cabo-verdiana, de uma forma geral, está cada vez mais sensibilizada para esta questão.
Algumas praias já estão destinadas a proteger a desova das tartarugas, além disso, as próprias populações estão a ficar mais conscientes que uma tartaruga marinha viva vale mais do que uma morta, na medida em que as mesmas fomentam o turismo, conseguindo desta forma obter mais proveitos.
Podemos aprender a gostar de Cabo Verde através do seu livro?
Penso que sim, apesar de não ser esse o objectivo principal, pois não se trata de um guia de viagens, contudo, consigo imaginar alguém, que nunca tenha visitado Cabo Verde e que leia o livro, a encontrar aspectos que apelem à descoberta, aventura e ao conhecimento, podendo ficar com uma ideia do que existe neste momento e perceber alguns aspectos muito curiosos da sociedade crioula.
Para quando a publicação do livro em Cabo Verde?
Já foram enviados alguns exemplares para a Feira do Livro na Praia e vão seguir mais alguns para S. Vicente. Mais tarde espero vir a ter o lançamento oficial em Cabo Verde e o livro ficar disponível para quem quiser em todo o arquipélago.
Como vê o panorama literário em Cabo Verde?
Como vivo em Portugal tenho um conhecimento externo sobre o assunto, todavia, como sou jornalista e trabalho num portal de internet que têm essencialmente notícias de Cabo Verde, consigo constatar que continuamos a publicar muito. Em termos populacionais, quando comparado com outros países, penso que Cabo Verde está na liderança do ranking dos países que mais publicam e com maior tiragem. O arquipélago tem cerca de 500 mil habitantes e as obras cabo-verdianas têm tiragens de mil ou dois mil habitantes, efectuando esta comparação com outras nações percebemos que é um rácio per capita extraordinário. As pessoas continuam interessadas em ler, porém, ao nível da ficção é diferente, é um espaço mais difícil de escrever e publicar, mas isto é verdade em qualquer parte do mundo. Os livros não são só ficção e podemos dizer que temos uma cultura livresca em Cabo Verde, que se mantém até agora. Por exemplo, também há propostas interessantes ao nível da investigação.
O que vem em primeiro lugar: a advocacia, o jornalismo ou a escrita?
Até agora tem sido o jornalismo, pois a literatura tem sido uma incursão pontual. Obviamente que quero manter esta incursão, porque na verdade tenho várias ideias, penso nelas e vão-se desenvolvendo, por isso, espero que as personagens se enquadrem para começar a vislumbrar o livro.
Quanto à advocacia estou a pensar em voltar a exercer aqui em Portugal. Não é uma advocacia para enriquecer, mas sim a que trabalha com o pobre, neste caso com os imigrantes aos quais podemos resolver muitos problemas. Continuo muito interessado no lado social da advocacia. Para mim a advocacia é a actividade na qual posso fazer a diferença e ajudar as pessoas, porque muitas vezes nestas sociedades europeias muito frias e rápidas, há pobres migrantes que estão aqui e dependem muitas vezes de encontrar um profissional que os ajude.
A história de “Para Onde Voam as Tartarugas”
Christian Zardel é um menino de rua em fuga de um traficante de droga da ilha de S. Vicente, que encontra abrigo num velho farol, onde vive Simplício, antigo faroleiro do mar traiçoeiro da ilha da Boa Vista.
O velho farol e o ilhéu são também, para a bióloga marinha Selma (que estuda tartarugas marinhas) e o ex-etarra Kiko (exilado em Cabo Verde e um apaixonado por cones, conchas que existem nas ilhas), uma espécie de recanto paradisíaco, mas por diferentes razões, obviamente, enquanto as suas vidas secretas se vão abrindo e cedendo à atracção física que sentem um pelo outro e à crescente cumplicidade na defesa do meio ambiente e da espécie animal ameaçada.
Em São Vicente, o advogado português Roaquim é contratado por Guillermo Garcia, cidadão espanhol, para encontrar o paradeiro de Kiko. Guillermo representa um grupo de familiares das vítimas de um atentado levado a cabo pelo etarra exilado. As vidas das personagens acabam por se entrelaçar, numa espécie de destino imutável.
Quem é Joaquim Arena?
Joaquim Arena nasceu em 1964, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, filho de pai português e mãe cabo-verdiana. No final dos anos sessenta chega com a família a Portugal. Depois de viajar pela Europa, regressa a Lisboa, no início dos anos noventa, onde se licencia em Direito. Dirige algumas revistas de temática lusófona, como a África Hoje, ao mesmo tempo que desenvolve projectos na área musical.
De regresso a Cabo Verde, nos finais de noventa, fundou o jornal O Cidadão, foi advogado, jornalista, assessor cultural da Alliance Française do Mindelo.
Em 2000 publicou a novela Um Farol no Deserto. De regresso a Lisboa, publicou A Verdade de Chindo Luz, considerado o primeiro romance sobre a comunidade cabo-verdiana residente em Portugal. Actualmente é jornalista no portal de internet Sapo.cv.
é a mais recente obra de Joaquim Arena. Uma edição da Caminho, que apresenta “um relato vivo das personagens, dos lugares e vivências da sociedade cabo-verdiana”, segundo a editora. O lançamento da obra teve lugar em Lisboa, na livraria CEBuchholz, tendo cabido a apresentação ao editor Severino Coelho e a análise a António Loja Neves, jornalista do semanário “Expresso”, realizador de cinema e documentarista. O Expresso das Ilhas esteve presente e entrevistou o escritor.
4-8-2010, 11:41:55
João Pinheiro Costa, Correspondente em Lisboa
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