Por Ricardo Riso
O segundo livro de poesia da escritora Vera Duarte, "O Arquipélago da Paixão" (Mindelo: Artletra, 2001), apresenta, em suas epígrafes, um tema instigante na literatura cabo-verdiana, diferenciando-o dos outros países de literaturas africanas de língua portuguesa: o constante diálogo entre os poetas de gerações posteriores com as tendências temáticas de seus predecessores. Sendo que, muitas vezes, tais exercícios metapoéticos desencadeiam verdadeiras rupturas com os temas predominantes na literatura do país, no decorrer do século XX.
Entretanto, Vera Duarte subverte o habitual caminho de seus pares e não busca o confronto com o passado literário do arquipélago, mas, sim, presta tributo aos escritores que sedimentaram o corpo poético cabo-verdiano, parafraseando os temas que os caracterizaram. Solução condizente com a definição de epígrafe como podemos constatar no Minidicionário Sacconi: epígrafe é "palavra, expressão ou frase usada como título no princípio de livro ou no início de um capítulo para indicar a finalidade ou a inspiração da obra, o tema do assunto, ou declarar os sentimentos do autor".
Todavia, convém primeiro apresentar a poeta, romancista, ensaísta e juíza Vera Duarte. Nascida na cidade de Mindelo, na ilha de São Vicente, formou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa, em Portugal. É Juíza Desembargadora e presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC) de Cabo Verde. Desempenhou ainda os cargos de Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, de Procuradora da República, de Diretora Geral de Estudos, Legislação e Documentação do Ministério da Justiça, de Conselheira do Presidente da República, de Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial e de Directora Geral dos Assuntos Judiciário do Ministério da Justiça. (1)
Na área de Literatura escreve poesia desde a tenra idade, ganhou seu primeiro prêmio literário em 1976, os Jogos Florais 76, em comemoração ao primeiro ano de independência do país. Em 1981 conquistou o 1º Prêmio no Concurso Nacional de Poesia. Em 2001, pelo conjunto da obra conquistou o "Prix Tchicaya U Tam'si de poésie africaine"; ganhou o Prémio Sonangol em 2003, dedicado a escritores de Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Publicou "Amanhã Amadrugada" (Lisboa: Vega, 1993; poesia), "O Arquipélago da Paixão" (Mindelo, Artiletra, 2001; poesia), "A Candidata" (Luanda: UEA, 2003; ficção), "Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança" (Lisboa: Piaget, 2005; poesia), “Construindo a Utopia” (ensaio) entre outros. (2)
Como em seu primeiro livro de poesia, "Amanhã amadrugada", este "O Arquipélago da Paixão" também divide-se em quatro partes, ou "cadernos", como denomina a autora, sendo os dois primeiro em poesia; e os outros, em prosa poética. E percebemos que as homenagens aos poetas cabo-verdianos espalham-se nos quatro cadernos. Todavia, não restringem-se aos compatriotas, mas estendem-se aos portugueses Manuel Alegre e Florbela Espanca, ao angolano Mario de Andrade e ao maior nome da literatura de Angola, Luandino Vieira, ao papa João Paulo II e ao músico de seu país, Tony Pina.
Um momento crucial na afirmação literária do arquipélago se dá com o surgimento da revista Claridade, em 1936, tendo como principais colaboradores Jorge Barbosa, Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara) e Manuel Lopes, que ficaram conhecidos como claridosos. Para a professora Simone Caputo Gomes (USP): "a revista Claridade (1936-1960) é a primeira manifestação intelectual da elite crioula, traçando uma divisória entre a poética tributária do modelo português e o mergulho nas raízes locais, passando pela leitura do modernismo brasileiro". (GOMES, 2006, p. 165)
A geração pré-claridosa, das primeiras décadas do século XX, procurava alternativas ao modelo português colonizador para a construção da origem de Cabo Verde. Há, nesse momento, o reconhecimento da mãe-terra cabo-verdiana (mátria), porém ainda há vínculo com a pátria lusitana, em uma indefinição nomeada de transpátria lusia por Simone Caputo Gomes. Com isso, apesar de já considerarem a terra como mãe, os escritores recorrem ao terra-longismo para caracterizar suas idéias, constróem um passado próspero e rico, e buscam no mito hesperitano ou mito arsinário um passado de glórias como forma de acalanto ao presente sofrido e opressor.
O recurso a este mito como origem (associado à idéia de pátria) remonta às ilhas do velho Hespério – pai das Hespéridas – que abrigavam jardins repletos de pomos de oiro, guardados pelo dragão de cem cabeças, morto por Hércules. As "ilhas perdidas no meio do mar", destacadas por Jorge Barbosa em seu antológico Arquipélago, 1935, e já eram identificadas por Camões, em Os lusíadas (canto V, VII, VIII, IX), como Cabo Verde (Cabo Arsinário ou Estrabão). Como podemos inferir, a afirmação da identidade ainda é conflitante no período, pois ainda procuram referenciais europeus na reconstituição do passado das ilhas.
O pré-claridoso José Lopes refere-se em seus versos ao poeta português e à descoberta lusa: "Mas somos filhos – nós – de outros gigantes / Que, 'por mares nunca de antes navegados' - / Nossas ilhas tiraram do mistério".
(Hesperitanas, p. 29. Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 163)
Já o seu contemporâneo Pedro Cardoso, declara o seu apreço à pátria e à terra-mãe:
"Nasci na Ilha do Fogo
Sou, pois, caboverdeano,
E disso tanto me ufano
Que por nada dera tal.
Se filho de Cabo Verde,
Assevero – fronte erguida –
Que me é honra a mais subida
Ser neto de Portugal."
(Algas e corais, p. 5. Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, pp. 163-165)
Como podemos depreender nos versos acima, o aspecto físico do arquipélago está presente. Aliás, característica preponderante nas letras do país. A condição insular de Cabo Verde e suas conseqüências espaciais agindo sobre o homem, limitando-o, marcarão a formação da literatura e da construção da identidade do cabo-verdiano. O espaço hostil ao homem por causa das condições climáticas adversas e pelos dramas da ação opressora do colonizador, serão fecundadores dos poemas. Buscarão no mito da submergida Atlântida um passado de glórias e prosperidade, em contraste com a época vivenciada. Segundo Simone Caputo Gomes:
"o motivo pelo qual o mito relativo a espaços de felicidade foi retomado pelos pré-claridosos consiste numa releitura das concepções românticas, relativas ao mundo pré-diluviano, muito em voga na virada do século XIX para XX. (...) A formulação do mito remontaria às pesquisas de José Lopes e Pedro Cardoso nos alfarrábios e enciclopédias da biblioteca do Liceu de S. Nicolau, do qual foram alunos." (GOMES, 2006, pp. 164-165)
Comprovamos esses aspectos nos títulos das obras de José Lopes e Pedro Cardoso, e nos seguintes versos de Lopes:
"Das vastas extensões assim submersas
Então ficaram estas nossas ilhas".
(Hesperitanas, Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 165)
Ou neste trecho de Pedro Cardoso:
Entretanto, Vera Duarte subverte o habitual caminho de seus pares e não busca o confronto com o passado literário do arquipélago, mas, sim, presta tributo aos escritores que sedimentaram o corpo poético cabo-verdiano, parafraseando os temas que os caracterizaram. Solução condizente com a definição de epígrafe como podemos constatar no Minidicionário Sacconi: epígrafe é "palavra, expressão ou frase usada como título no princípio de livro ou no início de um capítulo para indicar a finalidade ou a inspiração da obra, o tema do assunto, ou declarar os sentimentos do autor".
Todavia, convém primeiro apresentar a poeta, romancista, ensaísta e juíza Vera Duarte. Nascida na cidade de Mindelo, na ilha de São Vicente, formou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa, em Portugal. É Juíza Desembargadora e presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC) de Cabo Verde. Desempenhou ainda os cargos de Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, de Procuradora da República, de Diretora Geral de Estudos, Legislação e Documentação do Ministério da Justiça, de Conselheira do Presidente da República, de Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial e de Directora Geral dos Assuntos Judiciário do Ministério da Justiça. (1)
Na área de Literatura escreve poesia desde a tenra idade, ganhou seu primeiro prêmio literário em 1976, os Jogos Florais 76, em comemoração ao primeiro ano de independência do país. Em 1981 conquistou o 1º Prêmio no Concurso Nacional de Poesia. Em 2001, pelo conjunto da obra conquistou o "Prix Tchicaya U Tam'si de poésie africaine"; ganhou o Prémio Sonangol em 2003, dedicado a escritores de Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Publicou "Amanhã Amadrugada" (Lisboa: Vega, 1993; poesia), "O Arquipélago da Paixão" (Mindelo, Artiletra, 2001; poesia), "A Candidata" (Luanda: UEA, 2003; ficção), "Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança" (Lisboa: Piaget, 2005; poesia), “Construindo a Utopia” (ensaio) entre outros. (2)
Como em seu primeiro livro de poesia, "Amanhã amadrugada", este "O Arquipélago da Paixão" também divide-se em quatro partes, ou "cadernos", como denomina a autora, sendo os dois primeiro em poesia; e os outros, em prosa poética. E percebemos que as homenagens aos poetas cabo-verdianos espalham-se nos quatro cadernos. Todavia, não restringem-se aos compatriotas, mas estendem-se aos portugueses Manuel Alegre e Florbela Espanca, ao angolano Mario de Andrade e ao maior nome da literatura de Angola, Luandino Vieira, ao papa João Paulo II e ao músico de seu país, Tony Pina.
Um momento crucial na afirmação literária do arquipélago se dá com o surgimento da revista Claridade, em 1936, tendo como principais colaboradores Jorge Barbosa, Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara) e Manuel Lopes, que ficaram conhecidos como claridosos. Para a professora Simone Caputo Gomes (USP): "a revista Claridade (1936-1960) é a primeira manifestação intelectual da elite crioula, traçando uma divisória entre a poética tributária do modelo português e o mergulho nas raízes locais, passando pela leitura do modernismo brasileiro". (GOMES, 2006, p. 165)
A geração pré-claridosa, das primeiras décadas do século XX, procurava alternativas ao modelo português colonizador para a construção da origem de Cabo Verde. Há, nesse momento, o reconhecimento da mãe-terra cabo-verdiana (mátria), porém ainda há vínculo com a pátria lusitana, em uma indefinição nomeada de transpátria lusia por Simone Caputo Gomes. Com isso, apesar de já considerarem a terra como mãe, os escritores recorrem ao terra-longismo para caracterizar suas idéias, constróem um passado próspero e rico, e buscam no mito hesperitano ou mito arsinário um passado de glórias como forma de acalanto ao presente sofrido e opressor.
O recurso a este mito como origem (associado à idéia de pátria) remonta às ilhas do velho Hespério – pai das Hespéridas – que abrigavam jardins repletos de pomos de oiro, guardados pelo dragão de cem cabeças, morto por Hércules. As "ilhas perdidas no meio do mar", destacadas por Jorge Barbosa em seu antológico Arquipélago, 1935, e já eram identificadas por Camões, em Os lusíadas (canto V, VII, VIII, IX), como Cabo Verde (Cabo Arsinário ou Estrabão). Como podemos inferir, a afirmação da identidade ainda é conflitante no período, pois ainda procuram referenciais europeus na reconstituição do passado das ilhas.
O pré-claridoso José Lopes refere-se em seus versos ao poeta português e à descoberta lusa: "Mas somos filhos – nós – de outros gigantes / Que, 'por mares nunca de antes navegados' - / Nossas ilhas tiraram do mistério".
(Hesperitanas, p. 29. Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 163)
Já o seu contemporâneo Pedro Cardoso, declara o seu apreço à pátria e à terra-mãe:
"Nasci na Ilha do Fogo
Sou, pois, caboverdeano,
E disso tanto me ufano
Que por nada dera tal.
Se filho de Cabo Verde,
Assevero – fronte erguida –
Que me é honra a mais subida
Ser neto de Portugal."
(Algas e corais, p. 5. Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, pp. 163-165)
Como podemos depreender nos versos acima, o aspecto físico do arquipélago está presente. Aliás, característica preponderante nas letras do país. A condição insular de Cabo Verde e suas conseqüências espaciais agindo sobre o homem, limitando-o, marcarão a formação da literatura e da construção da identidade do cabo-verdiano. O espaço hostil ao homem por causa das condições climáticas adversas e pelos dramas da ação opressora do colonizador, serão fecundadores dos poemas. Buscarão no mito da submergida Atlântida um passado de glórias e prosperidade, em contraste com a época vivenciada. Segundo Simone Caputo Gomes:
"o motivo pelo qual o mito relativo a espaços de felicidade foi retomado pelos pré-claridosos consiste numa releitura das concepções românticas, relativas ao mundo pré-diluviano, muito em voga na virada do século XIX para XX. (...) A formulação do mito remontaria às pesquisas de José Lopes e Pedro Cardoso nos alfarrábios e enciclopédias da biblioteca do Liceu de S. Nicolau, do qual foram alunos." (GOMES, 2006, pp. 164-165)
Comprovamos esses aspectos nos títulos das obras de José Lopes e Pedro Cardoso, e nos seguintes versos de Lopes:
"Das vastas extensões assim submersas
Então ficaram estas nossas ilhas".
(Hesperitanas, Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 165)
Ou neste trecho de Pedro Cardoso:
"pisamos...
talvez a mesma terra que os Atlantes"
(Hespéridas, Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 165)
Na prosa poética dedicada ao claridoso Jorge Barbosa, Vera Duarte abordará um novo paradigma ao terra-longismo dos pré-claridosos: o mito de Pasárgada, inspirado no modernista brasileiro Manuel Bandeira. Sobre a relação com nosso poeta, Simone Caputo Gomes afirma que o "Brasil, recém-independente e com literatura divulgada em terras lusas, passava a ser um modelo de afirmação mestiça no qual Cabo Verde buscava a sua identidade", e cita João Lopes no número inicial de Claridade:
"dada a insuficiência de materiais de estudo que permitam refazer a história econômica e social das ilhas, temos que preencher as lacunas com as ilações tiradas da situação actual e subsidiariamente dos estudos levados a efeito no Brasil, para a explicação do fenômeno brasileiro."
talvez a mesma terra que os Atlantes"
(Hespéridas, Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 165)
Na prosa poética dedicada ao claridoso Jorge Barbosa, Vera Duarte abordará um novo paradigma ao terra-longismo dos pré-claridosos: o mito de Pasárgada, inspirado no modernista brasileiro Manuel Bandeira. Sobre a relação com nosso poeta, Simone Caputo Gomes afirma que o "Brasil, recém-independente e com literatura divulgada em terras lusas, passava a ser um modelo de afirmação mestiça no qual Cabo Verde buscava a sua identidade", e cita João Lopes no número inicial de Claridade:
"dada a insuficiência de materiais de estudo que permitam refazer a história econômica e social das ilhas, temos que preencher as lacunas com as ilações tiradas da situação actual e subsidiariamente dos estudos levados a efeito no Brasil, para a explicação do fenômeno brasileiro."
(S. Vicente, março de 1936, p. 9. Apud: retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p. 165)
A aproximação geográfica e as péssimas condições sociais de Cabo Verde serão comparadas com o Nordeste brasileiro. A aridez causando seca e a fome serão exploradas pelos claridosos, que utilizarão da emigração ou da evasão como soluções para encarar as dificuldades. Todavia, não se limitarão à fuga, mas denunciarão a insustentabilidade do sistema colonial português. Jorge Barbosa admira tanto o poeta brasileiro, que o considera seu "irmão atlântico", e faz de Pasárgada o lugar de evasão, o lugar ideal, contrapondo-se à pobreza das ilhas, diferenciando-se de Bandeira, em que sua evasão é motivada pela sua péssima saúde, castrando-o de levar uma vida com maiores sabores.
Em "Os meninos", dedicado a Jorge Barbosa, a autora usa o pasargadismo como evasão, denuncia a condição miserável em que se encontram "os meninos da pobreza, do abandono e do desespero. De ranho no nariz, pés descalços e calções rotos eles passeiam seus corpos esqueléticos" (DUARTE, 2001, p. 81). Como alento à triste situação os meninos "sonharão com terras distantes, glórias inexistentes e banquetes fabulosos até que o romper do sol e a fome crónica os arranque do sossego cúmplice dos botes para mais um dia de desesperanças." (Op. cit. 81) E apenas com a solidariedade, Vera Duarte recorre ao gesto feito pelo poeta claridoso na "sua 'Carta para Manuel Bandeira', e vai empreender uma viagem imaginária em busca da estrela da manhã, para ofertá-la, do outro lado do Atlântico, ao poeta brasileiro, através da porta – o Atlântico, estrada cultural – entreaberta", como menciona Simone Caputo Gomes ao prefaciar O Arquipélago da Paixão. Ou como versa o eu lírico: "Queria então estar ao lado deles e sem qualquer palavra, passar-lhes a Estrela da Manhã". (Op. cit. 81)
Na reflexão seguinte, Vera Duarte homenageia outro relevante claridoso, Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara), autor do célebre romance Chiquinho. Em "A viagem", como o próprio título sugere, o mito do pasargadismo permanece sendo enfatizado. A imagem de Pasárgada não é motivada pela doença, como acontece nos poemas de Bandeira, mas, sim, pela pobreza do arquipélago. Daí o sentimento de evasão como transposição de limites:
"No seu cotidiano de miséria, dormindo no chão húmido de terra batida, coberto de serapilheira e comendo os restos repartidos, (...)
Aguarda contudo com ânsia o dia da partida.
A viagem. O vapor.
Sabe que um dia, escondido em um navio cargueiro, ele irá demandar novos horizontes, zarpará à procura da terra prometida.
Então sim ele poderá decifrar a angústia que lhe encolhe a alma quando o seu corpo celebra a ânsia da partida." (Op. cit. 82)
Entretanto, não podemos conceber a evasão proposta pelos claridosos como fuga da realidade. Devemos compreender tal sentimento como recusa e forma de resistência ao sistema opressor do colonizador português agravado pela ditadura salazarista. Gomes cita o crítico e escritor Manuel Ferreira:
"Para Manuel Ferreira, 'esse evasionismo (...) não pode ser, de maneira nenhuma, tido como fuga', como propuseram Onésimo da Silveira e Ovídio Martins. A questão é mais complexa e o pasargadismo, para o grande sistematizador das literaturas africanas Prof. Manuel Ferreira pode ser explicado 'pelo desejo manifestado da fuga à degradada situação colonial que encerrava o horizonte à juventude pensante e interrogadora. Era um protesto. Um desdém. Não é de mais dizer: era a fuga à erosão colonial, mas não era voltar as costas à caboverdianidade'. Itinerário de Pasárgada, de Osvaldo Alcântara, é um excelente poema da Recusa e da Utopia, segundo Ferreira."
(FERREIRA, Manuel em "A emergência da inter-textualidade afro-brasileira. IN: O discurso no percurso africano I. Lisboa: Plátano, 1989. p. 160. Apud: trecho retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes – Cabo Verde: um amor pleno e correspondido)
A epígrafe de abertura do livro, de Jorge Barbosa, auxilia na elucidação da questão e o quanto são injustas e incorretas as acusações sofridas pelos claridosos:
"Eu trago dentro de mim um pássaro fechado...
Bate asas – quer voar! – em ânsias desmedidas...
Bem o sinto no peito, ardente, alucinado,
Num gigantesco arfar de ondas enfurecidas."
(DUARTE, 2001, p. 33)
Outro problema apontado pela autora inspirado na obra de Lopes é a ausência da figura paterna. Comum em Cabo Verde, lugar em que as mulheres, na verdade adolescentes de 12 ou 13 anos ou até com idade inferior, são forçadas a iniciar a vida sexual prematuramente, depois são abandonadas pelos homens que não assumem a paternidade, ou são obrigados a emigrar do arquipélago em busca de uma condição melhor de vida:
"Para além da linha do horizonte traçado de azul, Pidrim vê imagens confusas e distantes dos portos de desembarque de que lhe falou Nhô J'sê seu avô de mãe pois pai nunca soube se tinha." (Op. cit. 82)
O último grande claridoso celebrado é Manuel Lopes, autor do clássico Flagelados do vento leste. A autora enfatiza a relação do homem com o espaço geográfico e suas conseqüências por causa da seca, de todo o sofrimento perpetrado por ela ao ilhéu, que espera "ano após ano, sementeira após sementeira, esperança após esperança" (Op. cit. 84) as nuvens chorarem do céu. Expõe a persistente fé que move o cabo-verdiano, da chuva que nunca vem, a resistência à crueldade do clima árido das ilhas na bela metáfora das ondas que estouram insistentemente na praia:
"Num céu de um azul indescritível navegam nuvens carregadas de esperança. (...)
Pouco abaixo uma terra fissurada por anos de seca, desesperadamente espera que as nuvens se precipitem sobre ela abençoando as sementeiras dolorosamente parturientes, as almas ressequidas e as rochas escalabradas. (...)
E os camponeses e os poetas, como as ondas que teimosamente, regularmente e sem desfalecer banham as areias das praias, ano após ano, sementeira após sementeira, esperança após esperança, teimosamente perscrutarão o horizonte à procura dos sinais.
Quando finalmente a esperança sorrir num céu carregado de nuvens e num arrepio da pele mal agasalhada, as águas desabarão violentas e, sem compaixão, arrastarão para o mar profundo tudo o que foi esforço, entrega e devoção, nesta crença irrenunciável e dolorosa da chuva que virá." (Op. cit. 84)
Podemos depreender pelas letras de Vera Duarte celebrando os claridosos, além da presença de Manuel Bandeira, a forte influência exercida pelos romancistas da Geração de 1930 de nossa literatura. Tratam-se de escritores cujo os problemas sociais do Nordeste são tematizados em textos pungentes. Autores como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Jorge Amado foram lidos com entusiasmo e admiração pelos cabo-verdianos, que se aproveitaram da semelhança geográfica e da caótica seca, já comentada anteriormente.
Ao aprofundarmos a questão da relação de Cabo Verde com o Brasil, inferimos, ainda, que nosso país serviu, para os claridosos, como modelo de miscigenação e de independência cultural em relação a Portugal, como comenta Gomes:
"Em Cabo Verde, a geração da revista Claridade preferiu imaginar-se não mais à luz do modelo colonizador ou de uma literatura colonial apologética da figura do herói navegador, e escolheu mirar-se em outro paradigma cultural forte, irmão, independente: o Brasil dos mulatos, malandros e heróis ignorados (...)"
Contudo, o pasargadismo sofreu severas críticas de outros poetas de cunho marxista, influenciados pelo realismo social na década de 1940. A princípio, com os integrantes da folha acadêmica Certeza (1944, dois números), surgida durante a Segunda Guerra Mundial, tendo como colaboradores alunos do Liceu Gil Eanes, entre eles Arnaldo França, Nuno Miranda e Tomaz Martins. Posteriormente, com o Suplemento Dominical (1958, um número), ou da Geração da Nova Largada (Ovídio Martins, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira e outros) os poetas lançam o lema "Não vou para Pasárgada", acusam os claridosos de evasionistas e assumem a postura de "ficar para resistir". Carmen Lucia Tindó Secco comenta esse momento:
"cuja proposta literária era fazer a denúncia político-social da miséria reinante no Arquipélago, houve a dignificação do crioulo e da morabeza como traços caracterizadores da alma cabo-verdiana. (...) a literatura, (...) começou a criticar essa ideologia de que o cabo-verdiano era um ser destinado a emigrar e as gerações seguintes propuseram, então, 'o ficar para resistir'. O mar, que era concebido como meio de evasão, encapelou-se e suas águas revoltas passaram a conotar a necessidade da ação política, do mergulho nas raízes cabo-verdianas." (SECCO, 1999, pp. 11-13)
Para combater as idéias da geração da Claridade, o poeta Ovídio Martins critica, metapoeticamente, o poema "Itinerário de Pasárgada", de Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes), com viscerais e furiosos versos no famoso poema "Anti-evasão":
"Pedirei
Suplicarei
Chorarei
Não vou para Pasárgada
Atirar-me-ei ao chão
E prenderei nas mãos convulsas
Ervas e pedras de sangue
Não vou para Pasárgada
Gritarei
Berrarei
Matarei
Não vou para Pasárgada"
(ANDRADE, 1977, p. 48)
A radicalização de uma postura comprometida com o social coincide com os primeiros movimentos para libertação das colônias portuguesas, em contrapartida o recrudescimento da repressão da ditadura salazarista pode ser percebido com os parcos números das publicações cabo-verdianas, no decorrer das décadas de 1930 a 1960. Em 1956, é criado o PAIGC (Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral. O momento exige uma posição determinada, combativa, direta. Os poetas começam a revelar em seus poemas o drama dos contratados que partem para as lavouras de São Tomé e Príncipe, um outro modelo perverso de emigração, forçada, cruel e desumana.
A agonia dos contratados é explorada por diversos autores, tais como Gabriel Mariano:
"Caminho
Caminho longe
ladeira de São Tomé
Não devia ter sangue
Não devia, mas tem.
Parados os olhos se esfumam
no fumo da chaminé
Devia sorrir de outro modo
O Cristo que vai de pé.
E as bocas reservam fechadas
a dor para mais além
Antigas vozes pressagas
no mastro que vai e vem.
Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Devia ser de regresso
devia ser e não é."
(ANDRADE, 1977, pp. 240)
A insularidade e a conturbada relação com o mar, ora cantado como beleza ora definido como fator de isolamento e solidão, são os motivadores das polêmicas evasão/emigração, "querer ir e ter que ficar" ou "ter que ficar e querer partir" que perpassam pela literatura do arquipélago.
Contudo, os poetas publicados na antologia Mirabilis – de veias ao sol (Instituto Caboverdiano do Livro, 1991) buscam novas formas de lidar com as questões relacionadas à cabo-verdianidade, a desconstrução dos temas é realizada por todos sendo retomadas em prismas ampliados e universais. Além da releitura dos temas tradicionais, a nova geração apresenta ironia, humor e erotismo.
O contato com a tradição lusitana é refeito com ironia e recusa do passado à procura de novas relações com o mar em Euricles Rodrigues:
"Viola a tua tradição
Enterra a tua paranóia
Marítima secular (...)
E busca
Novas formas
Novas artes
Novos engenhos
De estabelecer nova aliança com o mar"
(Euricles Rodrigues, p. 190. Apud: Poesia Sempre, p. 270)
A chuva, de presença marcante entre os claridosos, é tratada com amargura e rejeitada por José Luís Hopffer Almada:
"Os sonhos fedem à chuva
E os braços apodrecem
Ante o frágil tornozelo dos subúrbios
(...)
os sonhos fedem
no aglomerado acocorado de
desânimo
ante a futilidade dos meses
e a inadiável fome
de todos os dias
e eis-nos, de órbitas alagadas,
sem saber o que fazer
da turva humidade
e do vazio que com os sonhos
fenecem"
(À sombra do sol, p. 16. Apud: Poesia sempre, pp. 271-272)
David Hopffer Almada propõe o abandono do olhar amargurado, triste e conformado sobre a falta de chuva, a seca, a insularidade, a evasão/anti-evasão, e lança um novo canto de esperança e alegria:
"Quero
Um canto diferente
Para Cabo Verde
Já não somos
Os flagelado do vento leste
Dominamos os ventos
Já não somos os contratados
Como animais de carga para o Sul
Conquistamos a dignidade de gente
Por isso
Vou cantar
De forma diferente
Para esta pátria do Meio do Mar
Vou esquecer, enterrar
Os lamentos, as lamúrias
A tristeza
De quem quer ficar
Com o destino de ter de partir
Não vou chorar
A pobreza, a fraqueza
A seca
A natureza madrasta
Canto
Para este povo
Um canto de alegria"
(1988. Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p.168-169.)
Já Mário Fonseca recebe uma bela homenagem em um longo poema dedicado à liberdade, às conquistas de todos os povos e às mulheres. Mário Fonseca foi um dos principais nomes da revista Seló (1962, dois números), de intensa temática social. No poema-manifesto "Ortodoxias em desagregação", o eu lírico agradece a premonição do poeta, sua certeza na Utopia, sua defesa da justiça, sua exaltação nas vitórias diversas em todas as partes e em todas as épocas: "O fascínio vem-me de longe / de tudo o que foi esperança / desde o início dos tempos" (DUARTE, 2001, p. 59). Um poeta em constante luta revolucionária, contrário a qualquer forma do mais forte subjugar os desfavorecidos. O poema celebra as revoltas, as vitórias comunistas, as guerras contra o colonizador português nos anos 1960, as independências:
"O fascínio vem-me
Dos momentos iniciáticos
Que incendiaram o coração dos homens.
Das revoltas dos escravos
Dos outubros de dezassete
Dos maios subversivos
Dos abris
Todos os abris
E das mulheres que ousaram
Das mulheres que fizeram (...)
Quero poder ouvir
Para sempre
As canções heróicas
Que deram som às revoluções
Cantar os hinos
Todos os hinos
De todas as épocas
De todas as gestas libertárias
Quero poder
Por meus pés
Cruzar ares
Cruzar mares
Conhecer gentes
Visitar povos
Cantar independências
E tudo que cheirar a liberdade
(...)
o que quero ter nos braços
é a idéia de ter
e poder cantar abril
e cantar independências
e cantar o orgulho de ser-se Povo
cantar a glória de ser-se Nação" (Op. cit. 60-61)
Ao colaborador da Claridade, Arnaldo França, que Vera Duarte considera como "o maior intelectual vivo e a viver em Cabo Verde", dedica o poema "A alma - acto primeiro d'A Trilogia do Amor". O eu lírico demonstra todo o seu amor e entrega ao arquipélago, numa viagem intimista após "desvendado o segredo do amor", propõe a evasão apenas no universo onírico: "quero permanecer na ilha / e navegar apenas em sonhos". Assim, o eu lírico ultrapassa a polêmica evasão/emigração, "não quero mais partir!", ao declarar toda a sua paixão a Cabo Verde:
"De malas desfeitas
quebrarei na ilha
a prisão das ilhas
e voarei para lá do horizonte
com os pés fincados na areia
que abrigou nossos corpos em festa." (Op. cit. 64-65)
Ao poeta participante das revistas Certeza e Seló, Oswaldo Osório, o eu lírico retoma questões tratadas no primeiro caderno, "Da impossibilidade do amor", reflete e denuncia a dor sofrida pela mulher, dos espancamentos feitos pelos companheiros, da estreita relação entre amor e morte. Navega com inquietação, divaga, "confusa me pergunto se o amor rima com escravidão, submissão, humilhação", indaga o destino cruel reservado:
"Até quando
viver prisioneiro
nas malhas da paixão
converter-se de humano a farrapo
no destino caótico de vidas
que a vida nada reservou" (Op. cit. 94)
A presença de autoria feminina na literatura cabo-verdiana é discreta, como em diversos campos da sociedade apesar da mulher constituir 52% da população do arquipélago, segundo Vera Duarte (3). Constatamos a ausência de escritoras nos movimentos literários em boa parte do século XX, porém a situação começa a ser resolvida com nomes significativos que consolidam seu espaço no pós-independência, dando voz à mulher e à condição feminina, seus anseios e seus dramas com extrema qualidade. Duarte, na já citada entrevista, comenta a participação das mulheres no corpo literário cabo-verdiano:
"A Fátima Bettencourt gosta muito de dizer que 'Nha Claridade só pariu filhos homens', numa clara alusão ao facto de a quase totalidade dos autores claridosos serem homens. Graças a Deus estamos a ajudar a mudar este cenário e a moderna literatura cabo-verdiana já começa a estar profundamente marcada pela presença feminina e há mesmo quem acha (Luandino Vieira, por exemplo) que esta presença é o melhor da literatura cabo-verdiana. Eu entendo, juntamente com Simone Caputo Gomes e Carmem Lucia Tindó Secco, que embora os homens continuem a ser numericamente superiores há já claramente uma literatura de cunho feminino em Cabo Verde." (4)
A última epígrafe analisada neste texto é dedicada à Dina Salústio, escritora contemporânea de Vera Duarte e um dos pilares da literatura do arquipélago. Salústio, em suas obras, aborda os mais variados aspectos da condição feminina. A mulher, sofrida e humilhada, é a sua principal fonte de inspiração e procura, em alguns momentos, subverter temas, posições e comportamentos sociais, mostrando novos paradigmas para velhos problemas.
O poema "A outra", interliga-se com o poema anterior, "A dor", ao abordar a submissão feminina. No novo poema há o conflito existencial de uma mulher simbolizado pelas mulheres bíblicas (antagônicas) Maria – a virgem mãe, e Madalena. A vontade de ser a mulher que se rebela contra as normas sociais em convívio inquietante com a mulher que aceita a submissão, além do questionamento diante de uma "civilização incoerente":
"Quem é essa outra mulher que me habita e abusivamente ocupou quase todos os espaços? (...)
Quem é essa mulher que me oferece as bem-aventuranças e me cega para os precipícios?
Por vezes apetece-me segui-la de olhos vendados, até onde ela quiser levar-me.
A meio do caminho ou antes de iniciar a caminhada.
E fico observando, carente e deliciada, o evoluir das bem-aventuranças, a felicidade suprema, a total insubmissão.
Madalena a mulher espreita e tenta. Ela quer e sabe.
Mas há uma inquietação também por um destino feminino sem subversões, feito de silêncio e de renúncias, que garantem Maria, virgem mãe.
Quantas vezes me quedarei perplexa e angustiada perante as encruzilhadas desta civilização incoerente?" (DUARTE, 2001, p. 95)
Apreendemos no livro O arquipélago da paixão, o amor incondicional de Vera Duarte a Cabo Verde e, principalmente, à literatura das ilhas através das epígrafes dedicadas aos poetas, ora do passado claridoso, ora aos seus pares contemporâneos. Com esse auxílio, vimos que podemos percorrer o percurso de afirmação da literatura cabo-verdiana no decorrer do século XX. Suas inquietações, conflitos e mudanças temáticas de acordo com os acontecimentos históricos: da colônia à independência, do sonho utópico às frustrações com as irrealizações políticas e sociais da liberdade desejada. É a poesia agindo com olhar crítico aos problemas inerentes a ela e às indefinições de um jovem país em construção.
Depreendemos que a obra de Vera Duarte abrange outros caminhos, apresenta novos paradigmas ao corpo literário cabo-verdiano. A ênfase dada à situação da mulher, oprimida e excluída, sua defesa incontestável dos direitos humanos, da liberdade e da justiça, e a alta qualidade de sua poesia que abrange problemas universais, eleva-a entre os principais destaques das letras do arquipélago. Esta "mulher de causas" possui uma obra relevante que se insere em um quadro mutável, imprevisível e belo, tendo a literatura, a paisagem e a mulher cabo-verdianas como fatores fecundadores na esperança de um novo mundo.
Amparados pelas epígrafes, libertamos o pássaro fechado de Jorge Barbosa e voamos pela magia das letras cabo-verdianas que reescrevem a literatura e a história da nação, percorrem um desconhecido caminho, vislumbram e reinventam um novo futuro para Cabo Verde, de acordo com o lema de vida da autora: Liberdade, Justiça, Paz e Amor.
"Mas sou e acho que vou continuar a ser sempre uma mulher de causas. Antes de mais esta grande causa da emancipação e promoção da mulher mas na realidade de todas as causas de emancipação e promoção do ser humano na permanente busca da felicidade." (5)
NOTAS:
(1) http://www.caboverde.com/artist/vduarte.htm
(2) http://www.acaboverdeana.org.pt/modules.php?name=News&file=print&sid=55
(3) Entrevista ao jornal A Semana, em 01/10/2005.
(4) Trecho de entrevista retirado de http://www.acaboverdeana.org.pt/
A aproximação geográfica e as péssimas condições sociais de Cabo Verde serão comparadas com o Nordeste brasileiro. A aridez causando seca e a fome serão exploradas pelos claridosos, que utilizarão da emigração ou da evasão como soluções para encarar as dificuldades. Todavia, não se limitarão à fuga, mas denunciarão a insustentabilidade do sistema colonial português. Jorge Barbosa admira tanto o poeta brasileiro, que o considera seu "irmão atlântico", e faz de Pasárgada o lugar de evasão, o lugar ideal, contrapondo-se à pobreza das ilhas, diferenciando-se de Bandeira, em que sua evasão é motivada pela sua péssima saúde, castrando-o de levar uma vida com maiores sabores.
Em "Os meninos", dedicado a Jorge Barbosa, a autora usa o pasargadismo como evasão, denuncia a condição miserável em que se encontram "os meninos da pobreza, do abandono e do desespero. De ranho no nariz, pés descalços e calções rotos eles passeiam seus corpos esqueléticos" (DUARTE, 2001, p. 81). Como alento à triste situação os meninos "sonharão com terras distantes, glórias inexistentes e banquetes fabulosos até que o romper do sol e a fome crónica os arranque do sossego cúmplice dos botes para mais um dia de desesperanças." (Op. cit. 81) E apenas com a solidariedade, Vera Duarte recorre ao gesto feito pelo poeta claridoso na "sua 'Carta para Manuel Bandeira', e vai empreender uma viagem imaginária em busca da estrela da manhã, para ofertá-la, do outro lado do Atlântico, ao poeta brasileiro, através da porta – o Atlântico, estrada cultural – entreaberta", como menciona Simone Caputo Gomes ao prefaciar O Arquipélago da Paixão. Ou como versa o eu lírico: "Queria então estar ao lado deles e sem qualquer palavra, passar-lhes a Estrela da Manhã". (Op. cit. 81)
Na reflexão seguinte, Vera Duarte homenageia outro relevante claridoso, Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara), autor do célebre romance Chiquinho. Em "A viagem", como o próprio título sugere, o mito do pasargadismo permanece sendo enfatizado. A imagem de Pasárgada não é motivada pela doença, como acontece nos poemas de Bandeira, mas, sim, pela pobreza do arquipélago. Daí o sentimento de evasão como transposição de limites:
"No seu cotidiano de miséria, dormindo no chão húmido de terra batida, coberto de serapilheira e comendo os restos repartidos, (...)
Aguarda contudo com ânsia o dia da partida.
A viagem. O vapor.
Sabe que um dia, escondido em um navio cargueiro, ele irá demandar novos horizontes, zarpará à procura da terra prometida.
Então sim ele poderá decifrar a angústia que lhe encolhe a alma quando o seu corpo celebra a ânsia da partida." (Op. cit. 82)
Entretanto, não podemos conceber a evasão proposta pelos claridosos como fuga da realidade. Devemos compreender tal sentimento como recusa e forma de resistência ao sistema opressor do colonizador português agravado pela ditadura salazarista. Gomes cita o crítico e escritor Manuel Ferreira:
"Para Manuel Ferreira, 'esse evasionismo (...) não pode ser, de maneira nenhuma, tido como fuga', como propuseram Onésimo da Silveira e Ovídio Martins. A questão é mais complexa e o pasargadismo, para o grande sistematizador das literaturas africanas Prof. Manuel Ferreira pode ser explicado 'pelo desejo manifestado da fuga à degradada situação colonial que encerrava o horizonte à juventude pensante e interrogadora. Era um protesto. Um desdém. Não é de mais dizer: era a fuga à erosão colonial, mas não era voltar as costas à caboverdianidade'. Itinerário de Pasárgada, de Osvaldo Alcântara, é um excelente poema da Recusa e da Utopia, segundo Ferreira."
(FERREIRA, Manuel em "A emergência da inter-textualidade afro-brasileira. IN: O discurso no percurso africano I. Lisboa: Plátano, 1989. p. 160. Apud: trecho retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes – Cabo Verde: um amor pleno e correspondido)
A epígrafe de abertura do livro, de Jorge Barbosa, auxilia na elucidação da questão e o quanto são injustas e incorretas as acusações sofridas pelos claridosos:
"Eu trago dentro de mim um pássaro fechado...
Bate asas – quer voar! – em ânsias desmedidas...
Bem o sinto no peito, ardente, alucinado,
Num gigantesco arfar de ondas enfurecidas."
(DUARTE, 2001, p. 33)
Outro problema apontado pela autora inspirado na obra de Lopes é a ausência da figura paterna. Comum em Cabo Verde, lugar em que as mulheres, na verdade adolescentes de 12 ou 13 anos ou até com idade inferior, são forçadas a iniciar a vida sexual prematuramente, depois são abandonadas pelos homens que não assumem a paternidade, ou são obrigados a emigrar do arquipélago em busca de uma condição melhor de vida:
"Para além da linha do horizonte traçado de azul, Pidrim vê imagens confusas e distantes dos portos de desembarque de que lhe falou Nhô J'sê seu avô de mãe pois pai nunca soube se tinha." (Op. cit. 82)
O último grande claridoso celebrado é Manuel Lopes, autor do clássico Flagelados do vento leste. A autora enfatiza a relação do homem com o espaço geográfico e suas conseqüências por causa da seca, de todo o sofrimento perpetrado por ela ao ilhéu, que espera "ano após ano, sementeira após sementeira, esperança após esperança" (Op. cit. 84) as nuvens chorarem do céu. Expõe a persistente fé que move o cabo-verdiano, da chuva que nunca vem, a resistência à crueldade do clima árido das ilhas na bela metáfora das ondas que estouram insistentemente na praia:
"Num céu de um azul indescritível navegam nuvens carregadas de esperança. (...)
Pouco abaixo uma terra fissurada por anos de seca, desesperadamente espera que as nuvens se precipitem sobre ela abençoando as sementeiras dolorosamente parturientes, as almas ressequidas e as rochas escalabradas. (...)
E os camponeses e os poetas, como as ondas que teimosamente, regularmente e sem desfalecer banham as areias das praias, ano após ano, sementeira após sementeira, esperança após esperança, teimosamente perscrutarão o horizonte à procura dos sinais.
Quando finalmente a esperança sorrir num céu carregado de nuvens e num arrepio da pele mal agasalhada, as águas desabarão violentas e, sem compaixão, arrastarão para o mar profundo tudo o que foi esforço, entrega e devoção, nesta crença irrenunciável e dolorosa da chuva que virá." (Op. cit. 84)
Podemos depreender pelas letras de Vera Duarte celebrando os claridosos, além da presença de Manuel Bandeira, a forte influência exercida pelos romancistas da Geração de 1930 de nossa literatura. Tratam-se de escritores cujo os problemas sociais do Nordeste são tematizados em textos pungentes. Autores como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Jorge Amado foram lidos com entusiasmo e admiração pelos cabo-verdianos, que se aproveitaram da semelhança geográfica e da caótica seca, já comentada anteriormente.
Ao aprofundarmos a questão da relação de Cabo Verde com o Brasil, inferimos, ainda, que nosso país serviu, para os claridosos, como modelo de miscigenação e de independência cultural em relação a Portugal, como comenta Gomes:
"Em Cabo Verde, a geração da revista Claridade preferiu imaginar-se não mais à luz do modelo colonizador ou de uma literatura colonial apologética da figura do herói navegador, e escolheu mirar-se em outro paradigma cultural forte, irmão, independente: o Brasil dos mulatos, malandros e heróis ignorados (...)"
Contudo, o pasargadismo sofreu severas críticas de outros poetas de cunho marxista, influenciados pelo realismo social na década de 1940. A princípio, com os integrantes da folha acadêmica Certeza (1944, dois números), surgida durante a Segunda Guerra Mundial, tendo como colaboradores alunos do Liceu Gil Eanes, entre eles Arnaldo França, Nuno Miranda e Tomaz Martins. Posteriormente, com o Suplemento Dominical (1958, um número), ou da Geração da Nova Largada (Ovídio Martins, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira e outros) os poetas lançam o lema "Não vou para Pasárgada", acusam os claridosos de evasionistas e assumem a postura de "ficar para resistir". Carmen Lucia Tindó Secco comenta esse momento:
"cuja proposta literária era fazer a denúncia político-social da miséria reinante no Arquipélago, houve a dignificação do crioulo e da morabeza como traços caracterizadores da alma cabo-verdiana. (...) a literatura, (...) começou a criticar essa ideologia de que o cabo-verdiano era um ser destinado a emigrar e as gerações seguintes propuseram, então, 'o ficar para resistir'. O mar, que era concebido como meio de evasão, encapelou-se e suas águas revoltas passaram a conotar a necessidade da ação política, do mergulho nas raízes cabo-verdianas." (SECCO, 1999, pp. 11-13)
Para combater as idéias da geração da Claridade, o poeta Ovídio Martins critica, metapoeticamente, o poema "Itinerário de Pasárgada", de Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes), com viscerais e furiosos versos no famoso poema "Anti-evasão":
"Pedirei
Suplicarei
Chorarei
Não vou para Pasárgada
Atirar-me-ei ao chão
E prenderei nas mãos convulsas
Ervas e pedras de sangue
Não vou para Pasárgada
Gritarei
Berrarei
Matarei
Não vou para Pasárgada"
(ANDRADE, 1977, p. 48)
A radicalização de uma postura comprometida com o social coincide com os primeiros movimentos para libertação das colônias portuguesas, em contrapartida o recrudescimento da repressão da ditadura salazarista pode ser percebido com os parcos números das publicações cabo-verdianas, no decorrer das décadas de 1930 a 1960. Em 1956, é criado o PAIGC (Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral. O momento exige uma posição determinada, combativa, direta. Os poetas começam a revelar em seus poemas o drama dos contratados que partem para as lavouras de São Tomé e Príncipe, um outro modelo perverso de emigração, forçada, cruel e desumana.
A agonia dos contratados é explorada por diversos autores, tais como Gabriel Mariano:
"Caminho
Caminho longe
ladeira de São Tomé
Não devia ter sangue
Não devia, mas tem.
Parados os olhos se esfumam
no fumo da chaminé
Devia sorrir de outro modo
O Cristo que vai de pé.
E as bocas reservam fechadas
a dor para mais além
Antigas vozes pressagas
no mastro que vai e vem.
Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Devia ser de regresso
devia ser e não é."
(ANDRADE, 1977, pp. 240)
A insularidade e a conturbada relação com o mar, ora cantado como beleza ora definido como fator de isolamento e solidão, são os motivadores das polêmicas evasão/emigração, "querer ir e ter que ficar" ou "ter que ficar e querer partir" que perpassam pela literatura do arquipélago.
Contudo, os poetas publicados na antologia Mirabilis – de veias ao sol (Instituto Caboverdiano do Livro, 1991) buscam novas formas de lidar com as questões relacionadas à cabo-verdianidade, a desconstrução dos temas é realizada por todos sendo retomadas em prismas ampliados e universais. Além da releitura dos temas tradicionais, a nova geração apresenta ironia, humor e erotismo.
O contato com a tradição lusitana é refeito com ironia e recusa do passado à procura de novas relações com o mar em Euricles Rodrigues:
"Viola a tua tradição
Enterra a tua paranóia
Marítima secular (...)
E busca
Novas formas
Novas artes
Novos engenhos
De estabelecer nova aliança com o mar"
(Euricles Rodrigues, p. 190. Apud: Poesia Sempre, p. 270)
A chuva, de presença marcante entre os claridosos, é tratada com amargura e rejeitada por José Luís Hopffer Almada:
"Os sonhos fedem à chuva
E os braços apodrecem
Ante o frágil tornozelo dos subúrbios
(...)
os sonhos fedem
no aglomerado acocorado de
desânimo
ante a futilidade dos meses
e a inadiável fome
de todos os dias
e eis-nos, de órbitas alagadas,
sem saber o que fazer
da turva humidade
e do vazio que com os sonhos
fenecem"
(À sombra do sol, p. 16. Apud: Poesia sempre, pp. 271-272)
David Hopffer Almada propõe o abandono do olhar amargurado, triste e conformado sobre a falta de chuva, a seca, a insularidade, a evasão/anti-evasão, e lança um novo canto de esperança e alegria:
"Quero
Um canto diferente
Para Cabo Verde
Já não somos
Os flagelado do vento leste
Dominamos os ventos
Já não somos os contratados
Como animais de carga para o Sul
Conquistamos a dignidade de gente
Por isso
Vou cantar
De forma diferente
Para esta pátria do Meio do Mar
Vou esquecer, enterrar
Os lamentos, as lamúrias
A tristeza
De quem quer ficar
Com o destino de ter de partir
Não vou chorar
A pobreza, a fraqueza
A seca
A natureza madrasta
Canto
Para este povo
Um canto de alegria"
(1988. Apud: trecho de poema retirado de um ensaio de Simone Caputo Gomes publicado em Marcas da diferença, p.168-169.)
Já Mário Fonseca recebe uma bela homenagem em um longo poema dedicado à liberdade, às conquistas de todos os povos e às mulheres. Mário Fonseca foi um dos principais nomes da revista Seló (1962, dois números), de intensa temática social. No poema-manifesto "Ortodoxias em desagregação", o eu lírico agradece a premonição do poeta, sua certeza na Utopia, sua defesa da justiça, sua exaltação nas vitórias diversas em todas as partes e em todas as épocas: "O fascínio vem-me de longe / de tudo o que foi esperança / desde o início dos tempos" (DUARTE, 2001, p. 59). Um poeta em constante luta revolucionária, contrário a qualquer forma do mais forte subjugar os desfavorecidos. O poema celebra as revoltas, as vitórias comunistas, as guerras contra o colonizador português nos anos 1960, as independências:
"O fascínio vem-me
Dos momentos iniciáticos
Que incendiaram o coração dos homens.
Das revoltas dos escravos
Dos outubros de dezassete
Dos maios subversivos
Dos abris
Todos os abris
E das mulheres que ousaram
Das mulheres que fizeram (...)
Quero poder ouvir
Para sempre
As canções heróicas
Que deram som às revoluções
Cantar os hinos
Todos os hinos
De todas as épocas
De todas as gestas libertárias
Quero poder
Por meus pés
Cruzar ares
Cruzar mares
Conhecer gentes
Visitar povos
Cantar independências
E tudo que cheirar a liberdade
(...)
o que quero ter nos braços
é a idéia de ter
e poder cantar abril
e cantar independências
e cantar o orgulho de ser-se Povo
cantar a glória de ser-se Nação" (Op. cit. 60-61)
Ao colaborador da Claridade, Arnaldo França, que Vera Duarte considera como "o maior intelectual vivo e a viver em Cabo Verde", dedica o poema "A alma - acto primeiro d'A Trilogia do Amor". O eu lírico demonstra todo o seu amor e entrega ao arquipélago, numa viagem intimista após "desvendado o segredo do amor", propõe a evasão apenas no universo onírico: "quero permanecer na ilha / e navegar apenas em sonhos". Assim, o eu lírico ultrapassa a polêmica evasão/emigração, "não quero mais partir!", ao declarar toda a sua paixão a Cabo Verde:
"De malas desfeitas
quebrarei na ilha
a prisão das ilhas
e voarei para lá do horizonte
com os pés fincados na areia
que abrigou nossos corpos em festa." (Op. cit. 64-65)
Ao poeta participante das revistas Certeza e Seló, Oswaldo Osório, o eu lírico retoma questões tratadas no primeiro caderno, "Da impossibilidade do amor", reflete e denuncia a dor sofrida pela mulher, dos espancamentos feitos pelos companheiros, da estreita relação entre amor e morte. Navega com inquietação, divaga, "confusa me pergunto se o amor rima com escravidão, submissão, humilhação", indaga o destino cruel reservado:
"Até quando
viver prisioneiro
nas malhas da paixão
converter-se de humano a farrapo
no destino caótico de vidas
que a vida nada reservou" (Op. cit. 94)
A presença de autoria feminina na literatura cabo-verdiana é discreta, como em diversos campos da sociedade apesar da mulher constituir 52% da população do arquipélago, segundo Vera Duarte (3). Constatamos a ausência de escritoras nos movimentos literários em boa parte do século XX, porém a situação começa a ser resolvida com nomes significativos que consolidam seu espaço no pós-independência, dando voz à mulher e à condição feminina, seus anseios e seus dramas com extrema qualidade. Duarte, na já citada entrevista, comenta a participação das mulheres no corpo literário cabo-verdiano:
"A Fátima Bettencourt gosta muito de dizer que 'Nha Claridade só pariu filhos homens', numa clara alusão ao facto de a quase totalidade dos autores claridosos serem homens. Graças a Deus estamos a ajudar a mudar este cenário e a moderna literatura cabo-verdiana já começa a estar profundamente marcada pela presença feminina e há mesmo quem acha (Luandino Vieira, por exemplo) que esta presença é o melhor da literatura cabo-verdiana. Eu entendo, juntamente com Simone Caputo Gomes e Carmem Lucia Tindó Secco, que embora os homens continuem a ser numericamente superiores há já claramente uma literatura de cunho feminino em Cabo Verde." (4)
A última epígrafe analisada neste texto é dedicada à Dina Salústio, escritora contemporânea de Vera Duarte e um dos pilares da literatura do arquipélago. Salústio, em suas obras, aborda os mais variados aspectos da condição feminina. A mulher, sofrida e humilhada, é a sua principal fonte de inspiração e procura, em alguns momentos, subverter temas, posições e comportamentos sociais, mostrando novos paradigmas para velhos problemas.
O poema "A outra", interliga-se com o poema anterior, "A dor", ao abordar a submissão feminina. No novo poema há o conflito existencial de uma mulher simbolizado pelas mulheres bíblicas (antagônicas) Maria – a virgem mãe, e Madalena. A vontade de ser a mulher que se rebela contra as normas sociais em convívio inquietante com a mulher que aceita a submissão, além do questionamento diante de uma "civilização incoerente":
"Quem é essa outra mulher que me habita e abusivamente ocupou quase todos os espaços? (...)
Quem é essa mulher que me oferece as bem-aventuranças e me cega para os precipícios?
Por vezes apetece-me segui-la de olhos vendados, até onde ela quiser levar-me.
A meio do caminho ou antes de iniciar a caminhada.
E fico observando, carente e deliciada, o evoluir das bem-aventuranças, a felicidade suprema, a total insubmissão.
Madalena a mulher espreita e tenta. Ela quer e sabe.
Mas há uma inquietação também por um destino feminino sem subversões, feito de silêncio e de renúncias, que garantem Maria, virgem mãe.
Quantas vezes me quedarei perplexa e angustiada perante as encruzilhadas desta civilização incoerente?" (DUARTE, 2001, p. 95)
Apreendemos no livro O arquipélago da paixão, o amor incondicional de Vera Duarte a Cabo Verde e, principalmente, à literatura das ilhas através das epígrafes dedicadas aos poetas, ora do passado claridoso, ora aos seus pares contemporâneos. Com esse auxílio, vimos que podemos percorrer o percurso de afirmação da literatura cabo-verdiana no decorrer do século XX. Suas inquietações, conflitos e mudanças temáticas de acordo com os acontecimentos históricos: da colônia à independência, do sonho utópico às frustrações com as irrealizações políticas e sociais da liberdade desejada. É a poesia agindo com olhar crítico aos problemas inerentes a ela e às indefinições de um jovem país em construção.
Depreendemos que a obra de Vera Duarte abrange outros caminhos, apresenta novos paradigmas ao corpo literário cabo-verdiano. A ênfase dada à situação da mulher, oprimida e excluída, sua defesa incontestável dos direitos humanos, da liberdade e da justiça, e a alta qualidade de sua poesia que abrange problemas universais, eleva-a entre os principais destaques das letras do arquipélago. Esta "mulher de causas" possui uma obra relevante que se insere em um quadro mutável, imprevisível e belo, tendo a literatura, a paisagem e a mulher cabo-verdianas como fatores fecundadores na esperança de um novo mundo.
Amparados pelas epígrafes, libertamos o pássaro fechado de Jorge Barbosa e voamos pela magia das letras cabo-verdianas que reescrevem a literatura e a história da nação, percorrem um desconhecido caminho, vislumbram e reinventam um novo futuro para Cabo Verde, de acordo com o lema de vida da autora: Liberdade, Justiça, Paz e Amor.
"Mas sou e acho que vou continuar a ser sempre uma mulher de causas. Antes de mais esta grande causa da emancipação e promoção da mulher mas na realidade de todas as causas de emancipação e promoção do ser humano na permanente busca da felicidade." (5)
NOTAS:
(1) http://www.caboverde.com/artist/vduarte.htm
(2) http://www.acaboverdeana.org.pt/modules.php?name=News&file=print&sid=55
(3) Entrevista ao jornal A Semana, em 01/10/2005.
(4) Trecho de entrevista retirado de http://www.acaboverdeana.org.pt/
(5) Trecho de entrevista retirado de www.acaboverdeana.org.pt
BIBLIOGRAFIA:
AAVV. Poesia Sempre n° 23 – Angola e Moçambique. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006.
ANDRADE, Mário de. Antologia temática de poesia africana: na noite grávida de punhais. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1977.
DUARTE, Vera. O arquipélago da paixão. Mindelo: Artletra, 2001.
GOMES, Simone Caputo. Cabo Verde e Brasil: um amor pleno e correspondido.
http://www.simonecaputogomes.com/arquivos.htm . Acessado em 20 de dezembro de 2007.
GOMES, Simone Caputo. Rostos, gestos, falas, olhares de mulher: o texto literário de autoria feminina em Cabo Verde. In: Chaves, Rita e Macedo, Tânia. (Orgs.) Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa. São Paulo: Alameda, 2006.
SECCO, Carmen L. T. R. (Org.). Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX: Cabo Verde. Rio de Janeiro: UFRJ, Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras Vernáculas e Setor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 1999. v.2.
VENÂNCIO, José Carlos. Literatura e poder na África lusófona. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992.
INTERNET:
Vera Duarte, mulher de causas.
BIBLIOGRAFIA:
AAVV. Poesia Sempre n° 23 – Angola e Moçambique. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006.
ANDRADE, Mário de. Antologia temática de poesia africana: na noite grávida de punhais. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1977.
DUARTE, Vera. O arquipélago da paixão. Mindelo: Artletra, 2001.
GOMES, Simone Caputo. Cabo Verde e Brasil: um amor pleno e correspondido.
http://www.simonecaputogomes.com/arquivos.htm . Acessado em 20 de dezembro de 2007.
GOMES, Simone Caputo. Rostos, gestos, falas, olhares de mulher: o texto literário de autoria feminina em Cabo Verde. In: Chaves, Rita e Macedo, Tânia. (Orgs.) Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa. São Paulo: Alameda, 2006.
SECCO, Carmen L. T. R. (Org.). Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX: Cabo Verde. Rio de Janeiro: UFRJ, Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras Vernáculas e Setor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 1999. v.2.
VENÂNCIO, José Carlos. Literatura e poder na África lusófona. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992.
INTERNET:
Vera Duarte, mulher de causas.
http://www.acaboverdeana.org.pt/modules.php?name=News&file=print&sid=55. Acessado em 27 de março de 2008.
Vera Duarte, Capeverdean poeat
http://www.caboverde.com/artist/vduarte.htm. Acessado em 27 de março de 2008.
Vera Duarte apresenta hoje, na Praia, "Construindo a Utopia"
http://www.vozdipovo-online.com/conteudos/cultura/vera_duarte_apresenta_hoje,_na_praia,_%22construindo_a_utopia%22/
Vera Duarte, Capeverdean poeat
http://www.caboverde.com/artist/vduarte.htm. Acessado em 27 de março de 2008.
Vera Duarte apresenta hoje, na Praia, "Construindo a Utopia"
http://www.vozdipovo-online.com/conteudos/cultura/vera_duarte_apresenta_hoje,_na_praia,_%22construindo_a_utopia%22/
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