terça-feira, 24 de novembro de 2009

Da palestra no campus São Gonçalo-UNESA/RJ

Por Ricardo Riso


No dia 18 de novembro tive o prazer de retornar ao campus São Gonçalo da Universidade Estácio de Sá para ministrar uma nova palestra após quatro anos. Naquela ocasião fazia parte de um grupo chamado Roda de Leitura e falei sobre a obra do poeta e agitador cultural tropicalista Torquato Neto. Agora, atendendo ao gentil convite da Profa. Dra. Angela Rego participei do evento África muito além do Tarzã: desfazendo estereótipos, para apresentar as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.

A mesa, com mediação da Profa. Dra. Angela Rego, contou com a participação da Profa. Dra. Luciane Nunes que apresentou uma pertinente comunicação acerca da lei 10.639/2003 e a importância de uma nova postura do professor perante as questões africanas e afro-brasileiras em busca de uma sociedade plural, diversificada e igual. Para abrilhantar ainda mais sua fala, apresentou poemas de Agostinho Neto como Criar e Aspiração. Belos, simplesmente.

Profa. Dra. Luciane Nunes, Profa. Dra. Angela Rego e Ricardo Riso

Em nossa universidade, a disciplina literaturas africanas de língua portuguesa integra o currículo da graduação, porém não é mais presencial como foi na minha época. Entretanto, mesmo sendo uma disciplina on line, a força e o carisma dessas literaturas continuam a atrair diversos alunos como tive o prazer de constatar naquele campus, que preparam seus TCC’s e vislumbram um futuro curso de pós-graduação na área.

Devido ao conhecimento inicial de boa parte do público, decidi apresentar a produção literária de Angola, Cabo Verde e Moçambique surgida nas décadas de 1980, 1990 e 2000 com o intuito de mostrar autores pouco estudados por aqui como João Tala e José Luis Hopffer C. Almada, e nomes conhecidos como Mia Couto e Ondjaki. Além disso, procurei fazer comparações com as artes plásticas desses países, logo, também divulgando esses artistas, tais como Yonamine, Mito, Naguib e Tchalé Figueira.

Esse recorte deve-se ao fato de que, apesar das peculiaridades da produção contemporânea muito marcada pela distopia, não ficamos impedidos de abordar temas recorrentes à história dessas literaturas e como estes são revistos pelos escritores, como na questão da emigração em Cabo Verde e o viés irônico exposto por Arménio Vieira:

Era uma vez
Dois amigos a falar
E começaram pelo mar
A propósito do Suez (...)

- Não é por enjoar
Mas se nos calhar
Uma grande baleia?

- No Suez? Que ideia!
Mas tomara que assim fosse.
Pois tosse,
Mas escuta:
Ora bom dia, dona Baleia!
Olá, companheiros de luta!
Querem ir de boleia?
(Som de piano. Cai o pano)
(VIEIRA, Arménio. Viagem, Rima & Fantasia. In: Poemas. Mindelo: Ilhéu Editora, s/d. p. 44-45)


ou no caso do jovem moçambicano Sangare Okapi, que revisita a tradição lírica da literatura de seu país em um belíssimo jogo intertextual ao prestar uma linda homenagem a dois dos seus maiores representantes, José Craveirinha e Luís Carlos Patraquim no poema Patraquimmiana:

Para J. C.
Não sei com que estranha miragem. Confesso.
Meu lírico cartomante das noitadas pela Mafalala!
Sim, agora que o medo já não puxa lustro na cidade. Velho Zé,
Livre e limpo da morte, regressas pelos carris da memória,
mãos aninhadas nos bolsos rotos. A mesma cartola preta,
Amarrada ao vento e um pássaro que já não cabe no verso
Preso no lembo da língua, desmentem o teu estatuto
De cidadão do futuro e regressas, velho Zé!
Nenhuma epopeia trazida dos escombros se levanta do rosto,
Nenhuma elegia brota do coração, nenhuma!
E regressas, velho Zé, poeta em todas as latitudes!...
(OKAPI, Sangare. Mesmos Barcos. Maputo: Associação dos Escritores Moçambicanos, 2007. p. 39)


Passports. obra de Abraão Vicente, em
http://abraaovicenti.blogspot.com/2007_01_01_archive.html

A inserção das artes plásticas motiva-se pela apropriação de objetos feita pelo cabo-verdiano Abraão Vicente na série Passports, pelos múltiplos meios utilizados pelos artistas aliando harmoniosamente técnicas tradicionais e meios tecnológicos como na obra do moçambicano Naguib e na instalação de Yonamine, que faz da fragmentação e da espacialidade caótica de elementos a maneira para demonstrar o desencanto com a política, presente em imagens de líderes comunistas como Fidel Castro, e o desarranjo do cotidiano angolano enfatizado na grafia errônea que dá título à obra, Phree Style.

Phree Style, instalação de Yonamine, http://www.artafrica.info/Image/Expo/expo_16_179.jpg

Para finalizar, agradeço a oportunidade dada pela Profa. Dra. Angela Rego para apresentar minha pesquisa, o prazer em compartilhar a mesa com a Profa. Dra. Luciene Nunes e, principalmente, agradecer ao carinho e à atenciosa acolhida do público presente.

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