quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Éle Semog lança Tudo que está solto na Funemac/Macaé, dia 18/11, 18h (participação Ricardo Riso)

O escritor afrobrasileiro Éle Semog lançará TUDO QUE ESTÁ SOLTO (Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010), seu recente livro de poesia na FUNEMAC/Macaé no dia 18 de novembro, a partir das 18h. Além do escritor, a mesa será composta pela Profa. Dra. Sonia Santos e por mim.

Abraços,
Ricardo Riso

Alguns poemas do livro de Éle Semog.

VOLTANDO DE GRAMACHO PELA LINHA VERMELHA
A cidade cresceu ao meu redor
e agora me devora pra fora,
como acontece com um botão
na casa de uma camisa...
Mas sou um negro insurreto,
que não se dobra aos infernos
que me oferecem.
Estou cercado por deveres,
obrigações, tensões urbanas
e municipalistas,
que sufocam a minha lógica tribal.
Mesmo vivendo isto,
com essas coisas tão naturais
não consigo ser cidadão.
Às vezes me respingam
manchas de sangue, noutras,
multas, e impostos, e juros,
e crianças mortas
na lama dessa democracia.
Enchentes, roubos, gente caô,
e filhos aspirados por essa
ideologia global.
Ainda assim, dia desses,
peguei um por do sol com uma lua tão linda,
ali pelos lados da ponte Rio Niterói,
que até Deus se assombrou
com a emoção que expressei,
só com esse restinho de gente
guardado dentro de mim,
que não sabia que estar viva.
Eu sou um desses homens
que cuida da casa, das crianças e da mulher.
Já sei me libertar, só não preciso saber
para que ser livre.
(p. 70-71)


A CHAVE DA COR BRASILEIRA
Todos os dias, a vida inteira
uma razão interior, harmoniosa,
que herdei de gente da minha gente,
e veio por séculos a fio da meada,
me conduz e anuncia,
sem ser oráculo ou magia,
que sou vida porque sou negro,
que sou pleno porque sou negro,
que sou feliz porque sou negro.
Em toda a minha volta,
na versão dos outros,
na exclusão, no sofrimento,
no preconceito esplêndido
nada de mim pode Ser
além do branco, o possível.
E todos os dias me espreitando,
esperando chegar alguma dor,
ou ruptura no fio da meada,
uma outra razão turva e pesada,
insinuosa e despudorada
oferece uma das chaves
que abre o mundo dos brancos...
É para eu entrar, mas sozinho
e lá poderei ser pitoresco e faceiro,
desde que deixe os meus no caminho
e tranque para sempre o negro
que também sou, fora de mim.
(p. 110-111)

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