EPÍSTOLA AOS POETAS DO MEU PAÍS
(Antimanifesto para um tempo sem poesia)
Oram e laboram nas catacumbas
do mistério, os poetas do meu país.
Têm pactos com a metafísica.
São fiéis assalariados da tristeza.
Carpem a desfortuna da história,
o glorioso incêndio de roma,
e até mesmo o primeiro uivo divino.
Cobrem-se de tantas imaginárias
dores, como se lhes não bastasse
as veras que lhes dá o mundo.
Ó altos atletas da mágoa,
de lacrimais talentos possuidores,
o paraíso ou o inferno não são mesteres
de um só dia. Canção de embalo
ou acorde perfeito não erguem cidades.
À bulha com as pedras, até que derribada
a última quimera, sufocada a harmonia,
não sobre alento para canto ou choro.
E no entanto o mundo se revida?
Pobres versos não movem guerras;
sorriem antes ou desembestam caretas,
porquanto nem piedade ou cólera
defendem da humilhação e o progresso
lá vai fazendo as suas vítimas.
Ó crentes nas ideias que não defenderam
atenas do soçobro, a posteridade vale
bem menos que a gratidão do sol
esparramada por sobre esses fêveros
pardos campos. Soltar gases, armar
escarcéu, é bem mais poético e mais
humano, que o silêncio foi sempre
uma forma de morte distraída.
Ó tribunícios companheiros no altar
do verbo, se o tempo é chaga e o dom
impuro, fazei antes estalar o chicote,
ou desatai aos pinotes num desmedido
arroubo de danados.
JOSÉ LUIZ TAVARES
José Luiz Tavares nasceu em Cabo Verde em 1967 e reside em Lisboa, Portugal, onde estudou literatura e filosofia. Publicou «Paraíso Apagado por um Trovão» (2003), Agreste Matéria Mundo (2004), Lisbon Blues seguido de Desarmonia (2008), Cabotagem&Ressaca (2008) e Cidade do Mais antigo Nome (2009). Recebeu inúmeros prémios literários em Cabo Verde , Portugal, Brasil e Espanha, entre os quais o Prémio Mário António, da Fundação Calouste Gulbenkian, o Prémio Jorge Barbosa, da Associação dos Escritores Caboverdianos, o Prémio Literatura para Todos, do Ministério da Educação do Brasil, o Prémio Pedro Cardoso, do Ministério da Cultura de Cabo Verde, e o Prémio Cidade de Ourense, do Ayuntamiento de Ourense. Foi ainda Finalista do Prémio ibero-americano, Correntes d’escritas, e semi-finalista do Prémio Portugal Telecom de literatura no Brasil.
* Poema gentilmente cedido por José Luiz Tavares para publicação neste blog em virtude do Dia Mundial da Poesia.
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