À procura da concretização de um caminho para a poesia angolana em “Palavras Lavradas”, de Pombal Maria
Por Ricardo Riso, 04 de março de 2011.
“Palavras Lavradas” (Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2010), título do segundo livro de poesia de Pombal Maria, estimula-nos, pelo que o título indica, a realizar a travessia das páginas em busca de um poeta que não tem receio em experimentar e partir para novos referenciais estético-formais, ou seja, a esperança que as palavras lavradas, como bem anunciou Abreu Paxe no prefácio da obra a respeito da arte da capa e da relação com o título, ofereçam-nos novos significados, caminhos diferenciados para a poesia.
Qual não foi nossa surpresa ao constatarmos uma proposta estética com forte inspiração na Poesia Concreta e as suas naturais ressonâncias nos poemas de Mallarmé e e. e. cummings, uma estética vanguardista de discreta presença na poesia angolana?
São amplas as possibilidades que a Poesia Concreta oferece e que parte considerável do conjunto de poemas de “Palavras Lavradas” procura se encontrar com inovações sintáticas e semânticas, a desconstrução morfológica, a exploração da topografia trazendo o componente visual aos poemas e a consequente abolição da linearidade dos versos.

Pombal Maria explora a visualidade do poema e apresenta um poema que em nosso entendimento vale pela ousadia extrema, um poema que se tornará referência. Trata-se de “1ma cruz entre os ver-sos de interrogações”. Neste, de um quadrado de interrogações simultâneas visualizamos uma cruz que cria um interessante jogo de relações com versos de angolano Lopito Feijoó como epígrafe:
Visualidade que também será explorada com bom resultado no poema “Estranho Naufrágio”:

Entendemos que as experimentações da Poesia Concreta podem contribuir para a tessitura da poesia angolana, principalmente quando se trata da crítica à ordem estabelecida. Diante do feroz e excludente neoliberalismo da atual política angolana, ficamos, de certa maneira, frustrados com o lirismo de “Fuga”, ainda mais quando lemos os versos “Sombras/ mascam lixo do luxo” e não há como não recordar o célebre poema de Augusto de Campos, “lixo/luxo”:
O discurso utópico permanece no poema “Talvez”, contudo, no plano estético o poema carece de ousadia, pois a subversiva proposta do primeiro verso “SeAsFrasesNãoTivessemEspaço” perde-se com o uso das maiúsculas a cada nova palavra, por que se optasse entre só maiúsculas ou somente minúsculas em todo o poema, isso certamente reforçaria a proposta visual e traria um maior desafio para os leitores. Parece-nos que a indecisão do título se transferiu para a feitura do poema.
Uma outra timidez que devemos pontuar e que merecia ser melhor trabalhada se dá com o uso dos numerais substituindo sílabas ou sintagmas que são fartamente usados por Maria, todavia, com restritiva variação, somente encontramos seus melhores resultados em “Meu amor”. Por isso, é mister recordarmos um belíssimo exemplo dentro da poesia angolana com o “poema alfanumérico”, de Conceição Cristóvão, em “solsalseiosexo”: “eu 20 dizer o seguinte:/ se ele 60/ 100 pejo/ no dorso de sua malva10/ qual 1000ionário/ in100sível/ ou ainda 70/ o inútil desejo de 12ar/ seu c8 incestuoso/ corto-lhe eu o cordão/ 1bilical/ e provoco-lhe uma 5pe./ aí será o final da 9la.”
Apesar do acanhamento apresentado em algumas propostas, e que cabe ao exercício crítico pontuá-los, consideramos que a subversão da linguagem, a ressemantização das palavras em alinhamento com os sinais gráficos, para além do abundante uso dos sinais de pontuação a exigir do leitor participação ativa na construção e leitura dos poemas, como se somente a radicalização da linguagem seria possível em um mundo impossível e insensível, sendo exemplo o ótimo poema “Diálogo dos Mudos”, posicionam este “Palavras Lavradas” de Pombal Maria em um novo paradigma para a poesia produzida em Angola. Um livro que merece nossas atenções e a torcida para que Maria continue a explorar esse vasto mar que a Poesia Concreta ainda pode nos surpreender, principalmente quando inserida nos programas gráficos de computador e sem abandonar o comprometimento crítico ao mundo que o cerca, para “lavrar palavra a palavra (...) pedra a pedra o verbo da noite”. Com seus acertos e erros, “Palavras Lavradas” é um livro necessário e que chega em boa hora para desafinar o coro dos contentes de uma poesia sem riscos.
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