Mario Lucio Sousa – Para nunca mais falarmos de amor
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 184, p. 10, de 10 de março de 2011.
O poeta Mario Lucio Sousa, pseudônimo de Lúcio Matias de Sousa Mendes, nasceu a 21 de outubro de 1964, no Tarrafal, Ilha de Santiago. Já possui uma considerável obra literária que tem se destacado pela variedade estética. De sua lavra são os títulos: Nascimento de Um Mundo (poesia, 1991); Sob os Signos da Luz (poesia, 1992), Para Nunca Mais Falarmos de Amor (poesia, 1999), Os Trinta Dias do Homem mais Pobre do Mundo (ficção, 2000 – prêmio do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa) e O Novíssimo Testamento (ficção, 2010). Além disso, o poeta também atua no teatro e na música, sendo nesta atividade um dos principais nomes de Cabo Verde no estrangeiro.
Em “Para nunca mais falarmos de amor”, sob a chancela da Edições Artiletra, o poeta brinda-nos com uma temática destelurizada do cânone literário cabo-verdiano, poemas breves e concisos em dísticos, tercetos e quadras, para além de agradáveis experiências com os hai-kais e a poesia zen. Destacamos a capa do livro que merece atenção especial por se tratar de uma carta do poeta escrita à mão, indicando o que poderia ser uma dolorosa viagem intimista no decorrer das páginas, condição que somente a leitura avaliará.
Neste livro, em razão das formas curtas optadas pelo poeta, o instante poético é captado com extrema sensibilidade em imagens inusitadas, por vezes irônicas, e em muitos poemas prevalece a melancolia e a amargura. A fugacidade da inspiração é sentida na observação da simplicidade do cotidiano, na harmonia plena com a natureza: “Quando a ave voa/ o vento espreita e monta”. Neste, inferimos a leveza do sujeito lírico apropriando-se do voo e do ar, símbolos da liberdade incorporados à poesia. Liberdade para vivenciar e expressar em matéria poética o que para muitos poderia ser considerado banal: “Manhã/ Palavra que nunca adormece”.
A influência da poesia oriental nos poemas de Mario Lucio é pertinente por apresentar questões que desestabilizam nossos sentidos. O ato de se sentir no mundo é questionado, há uma preocupação de demonstrar a “consciência da nossa fragilidade e da precariedade da nossa existência” no mundo, conforme afirma Octávio Paz no artigo “A tradição do haiku”. Sensação que fica ainda mais evidenciada pelo uso da linguagem coloquial e pela brevidade do poema: “Tudo pode mudar/ o que não sabemos/ é que não”.
Beleza enobrecedora do instante poético, o corte abrupto, perplexidade, silêncio. A dificuldade de dizer conduz à reflexão sobre a linguagem: “Nunca usei esta palavra./ Não há de agora ser. Não há/ Sofro em silêncio”. Obstáculo que transporta para a livre associação, para o absurdo zen: “Voltarei a nadar como dantes/ nem que seja numa mão d’água sobre/ a minha cabeça”.
A dor da perda amorosa gera melancólicos poemas. A brevidade dos versos contrapõe-se ao sofrimento imensurável: “A luz, essa/ fugiu dos teus olhos./ Não vês” ou “Hoje, tenho comigo todas as tristezas do Mundo./ – São assim tantas?” O lirismo amoroso comparece acompanhado de tristeza e solidão: “Mesmo que acabe o amor/ eu estarei aqui./ Fui amado. Amei”. Do angustiante sentir, a continuidade após os estilhaços da dor: “Viverei sozinho esta Eternidade./ Ninguém saberá o que dizer/ que o Mundo quase acabou para mim”.
Assim atravessamos com satisfação os oitenta e quatro pequenos poemas de “Para nunca mais falarmos de amor”, carregados de sinceridade, em alguns momentos dolorosos, reveladores de um artista com a sensibilidade à flor da pele e pronto para desnudar o belo da poesia, o bom de viver. Trata-se de mais uma interessante e gratificante investida de Mario Lucio Sousa na literatura.
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