Aimé
Césaire e a Negritude
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A
Nação, n. 300, de 30 de maio de 2013, p. A28.
A
Negritude surge como movimento político e cultural a partir da reunião de
intelectuais negros africanos e da diáspora em Paris, França, nos anos 1930.
Esse contato entre negros de diferentes localidades mostra pontos comuns nas
condições adversas que encontram tanto na Europa quanto nos seus países, muitos
ainda sob o colonialismo, o que rapidamente transforma-se na tomada de
consciência racial.
No
seu momento inicial, os partícipes da Negritude inspiram-se nos ideais
políticos do marxismo e na estética inovadora do surrealismo a favor da
denúncia da opressão sofrida pelos negros no mundo. Várias publicações
sedimentam e revelam a efervescência da época, tais como Légitime Défense em 1932; o jornal L’Etudiant Noir com a participação de Aimé Césaire (Martinica),
Léon G. Damas (Guiana), Leopold S. Senghor (Senegal) são os principais nomes da
Negritude; e da Anthologie de la nouvelle
poésie nègre et malgache de langue française (1948), organizada por
Senghor.
A
Negritude escora-se na afirmação identitária negra, atenção para a situação
desigual do negro na diáspora e luta contra o colonialismo, e o ataque de
maneira frontal ao humanismo ocidental.
Aimé
Césaire (1913-2008) utiliza a expressão negritude pela primeira vez, produz uma
série de obras literárias, atua na política e torna-se voz explícita contra o
colonialismo em África, apesar de não ter a mesma postura em relação ao seu
país, a Martinica, talvez a maior contradição de seu pensamento. Para ele, a
Negritude é o simples reconhecimento de ser negro, a aceitação de seu destino,
de sua história, de sua cultura, que depois definiria em identidade (assumir
plenamente a condição de negro), fidelidade (a ligação com a terra-mãe) e
solidariedade (sentimento que liga todos os negros do mundo, a ajudá-los e a
preservar uma identidade comum).
Césaire
marca época quando menciona as contradições do marxismo e dos defensores da
luta de classes. Tal fato evidencia-se na sua ruptura com o Partido Comunista
Francês, na célebre Carta a Maurice
Thorez, de 1956, em que afirma:
Não
é a vontade de lutar a sós ou de desdenhar qualquer aliança. É a vontade de não
confundir aliança com subordinação. Solidariedade com renúncia. (...) O que eu
quero é que o marxismo e o comunismo sejam colocados ao serviço dos povos
negros, e não os povos negros ao serviço do marxismo e do comunismo.
No
ano anterior, Césaire escandaliza o Ocidente com o seu virulento Discurso sobre o Colonialismo com
críticas vorazes à civilização europeia:
que
não perdoa a Hitler não é o crime em
si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o crime
contra o homem branco, a humilhação do homem branco e o ter aplicado à Europa
processos colonialistas a que até aqui só os árabes da Argélia, os ‘coolies’ da
Índia e os negros de África estavam subordinados.
Em
1987, Miami/EUA, após longo silêncio, Césaire reafirma o caráter humanista da
Negritude e o seu compromisso de revelar as rasuras da história, a validade de
seus ideais:
Nós
somos daqueles que se recusam a esquecer.
Nós
somos daqueles que recusam a amnésia mesmo que seja como uma saída.
Ao
longo de sua vida, Césaire demonstra a necessidade de um humanismo que englobe
as diferenças, não os expostos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,
de 1948, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, mas que mantém o
colonialismo ao redor do mundo.
Na
sua vertente literária, vários de seus ideais estão explicitados no livro de
poesia Cahier d’um retour au pays natal,
publicado em 1939 e com versão definitiva em 1956. Neste enorme poema de forte
presença surrealista, Césaire propõe um movimento de exaltação da raça negra, o
orgulho apresenta-se a partir da subversão das conquistas celebradas pelos
modelos brancocêntricos:
Mas
que estranho orgulho de repente me ilumina?/ (...)Os que não inventaram nem a
pólvora nem a bússola/ os que nunca souberam domar o vapor nem a eletricidade/
os que não exploraram nem os mares nem o céu/ mas aqueles sem os quais a terra
seria a terra/ (...) a terra/ silo onde se preserva e amadurece o que a terra
tem de mais terra/ minha negritude não é uma pedra, sua surdez lançada contra o
clamor do dia/ minha negritude não é uma mancha de água morta sobre o olho
morto da terra/ minha negritude não é uma torre nem uma catedral
Com
Aimé Césaire a Negritude ganha a sua expressão mais politizada e radical, a
defesa dos negros e de outro humanismo para todos os povos. Ideologia
revolucionária, a Negritude passa a ser um referencial para os povos oprimidos
do mundo, influenciando, inclusive, os escritores africanos de língua
portuguesa que moram em Portugal e lançam a antologia Poesia negra de expressão portuguesa (1953), organizada por
Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade.
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