Langston Hughes e o Harlem Renaissance
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 297, de 9 de
maio de 2013, p. A40.
Movimento
de enorme alcance entre os negros norte-americanos na década de 1920, o Harlem
Renaissance – ou New Negro, ou Black Renaissance – é motivado pelo deslocamento
maciço de negros do sul dos Estados Unidos para as cidades de Chicago e Nova
Iorque, fugindo do racismo explícito e violento do sul do país, ainda
inconformado com o fim da escravidão. No Harlem, bairro nova-iorquino, os
negros deparam-se com um ambiente de menor discriminação racial, favorável para
a valorização e celebração das manifestações culturais e políticas negras, têm
acesso a empregos e tornam a cidade de Nova Iorque a de maior comunidade negra
dos EUA. Esse movimento multicultural busca no “renascimento” do negro a
vontade exacerbada de renovar as artes negras a partir de uma herança
afro-americana. Artes plásticas, teatro, dança, literatura e música encontram o
seu momento de efervescência e da união de talentos como Bessie Smith, Louis
Armstrong e Claude McKay.
Vários
são os livros na década de 1920 que marcam uma nova representação do negro na
literatura e contribuem para combater o preconceito racial. James Mercer
Langston Hughes (1902-1967) é o poeta de maior expressividade do período. Filho
de pai branco e mãe negra é logo reconhecido pela qualidade poética assim que
seus textos passam a ser publicados. Hughes inova ao trazer para a poesia a
oralidade do negro norte-americano, inspira-se nas sonoridades do blues e do
jazz como manifestações genuínas do seu povo e imbui-se da tarefa de ser a voz
capaz de interpretar e revelar o cotidiano dos seus pares.
O
contato com África e Europa a bordo de um navio como camareiro nos primeiros
anos da década de 1920, quando trabalha em subempregos na França, na Itália e
nos Estados Unidos, aumenta sua percepção para os dramas dos negros em contato
com os brancos. Toda essa vivência molda sua poesia com a experiência de ser
negro no mundo. Dessa forma, os poemas percorrem o trajeto da experiência
individual para a coletiva, passam a ser incisivos na defesa de sua etnia e na
denúncia dos problemas enfrentados pelos negros. Para isso, sua poética
desenvolve-se simples como a fala das pessoas dos lugares que convive, dialoga
com os ritmos do blues e do jazz em ascensão na época. O poema “Eu também canto
a América” é representativo dessa nova guinada:
Eu também canto a América.//
Eu sou o irmão mais escuro./ Eles me mandam comer na cozinha/ Quando chega
visita,/ Mas eu rio,/ E como bem,/ E vou crescendo.// Amanhã,/ Eu me sentarei à
mesa,/ Quando houver visita./ Ninguém se atreverá/ A me dizer.// “Vai comer na
cozinha”,/ Desta vez.// Além disso,/ Eles verão como sou belo/ E ficarão
envergonhados./ Eu, também, sou América.
Neste
poema a blackness reivindica o seu espaço de plena cidadania americana.
O sujeito lírico identifica-se como “o irmão mais escuro” da América e quer
igual tratamento ao enfrentar a segregação assumida. Poema de devir, o uso do
gerúndio – “crescendo” – confirma o desenvolvimento da afirmação identitária; o
tempo futuro demarcado pela aceitação do sujeito, pela ocupação do mesmo
espaço. Agora, ele sabe da sua importância para a construção da América e a
necessidade urgente para uma mudança de postura e de autoafirmação ao se
reconhecer como “belo”, ofensa maior para uma sociedade racista. Com essa
identificação, Hughes atenta a coletividade negra da América e das Américas
para o orgulho negro, para a incontestável participação nas sociedades onde
habitam.
O
Harlem Renaissance perdura com menor intensidade nas duas décadas posteriores
com destaque para os nomes de Richard Wright e Billie Holiday. Porém, o
esplendor dos anos 1920 marca a cultura norte-americana e a dos negros, em
especial. Lugar de redefinição da identidade negra, as trocas do Harlem
Renaissance influenciam gerações de artistas – como as escritoras Alice Walker
e Toni Morisson – e encontram na atuação poética e intelectual de Langston
Hughes um dos seus momentos mais brilhantes.
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