terça-feira, 30 de setembro de 2014

Naguib – Tatuagens d’Alma (exposição)

Naguib Elias Abdula – Tatuagens d’Alma
(Ricardo Riso)

https://www.youtube.com/watch?v=MKjN26QjbIU

Da multiplicidade do caos surge a Arte em diferentes facetas, suportes, cores, formas, figuras zoomorfas, hieróglifos de um tempo ido, também nosso, muito nosso, pois fala, toca, sente o nosso hoje, expande o agora. Arte que pressiona o que sentimos, que questiona o que vemos, que nos conduz a vivenciar o Belo ali traduzido.
Impactar.
Arte para desolhar o nosso tempo, para, a partir do encanto-espanto, confrontar o texto da constituição da república moçambicana e mergulhar naquele ontem-hoje que se prolonga, fragmentado como algumas formas ali expostas.
Corrosão.
Karingawa ua karingawa, recorda o Velho Cravo, e assim a Arte propõe o ato de decifrar o passado para tentarmos compreender esse cotidiano de injustiças, de crianças maltratadas, entregues à própria sorte. Por isso, o artista interfere no espaço, suas instalações e sites specifics gritam, “gritos sem som”, mas que ensurdecem nosso olhar, massacram nossos sentidos.
Desestabilizar.
“Pediatras do impossível”, os carrinhos de bebês, “amo-te mamã, amo-te papá”, pássaros estirados... lembro Malangatana Valente que na crua e rude finita possibilidade de materiais para construir a série “Desenhos da Prisão” exortava de seu interior um exterior de mulheres e crianças entristecidas, mas unidas, fortes, esperançosas pelo fim da longa noite... noite que perdura em novas máscaras.
“O facto de não veres lágrimas nos meus olhos, não significar que não estou a chorar”. A recusa da inércia... inquieta-nos o artista.
Seguir.
E caminhamos na imensidão do azul como retirantes para longe da Dor e do Desespero em busca de um novo tempo, trilhando as reinvenções plásticas de Naguib Elias Abdula que benzem Esperanças de Beleza como sorrisos moçambicanizados tatuando nossas Almas.

(Tatuagens d’Alma. Exposição de Naguib até 04 nov. 2014, Museu Nacional de Arte, Av. Ho Chi Min, nº 1233, Maputo, Moçambique)

sábado, 17 de maio de 2014

Paulo Colina: pequenas considerações descompromissadas sobre este negro poeta-ensaísta instigante

Paulo Colina: pequenas considerações descompromissadas sobre este negro poeta-ensaísta instigante
Ricardo Riso
“Se a Literatura não tem cor, por onde andam as negras e os negros escritores nas literaturas brasileira e africanas de língua portuguesa?” Este será o tema para minha participação em uma mesa de escritores durante o Griots 2014, na UFRN. Elaborando o material para essa ocasião, releio o prefácio de Paulo Colina (1950-1999) para “O Negro Escrito – apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira”, organizado por Oswaldo de Camargo. Paulo Colina é um nome incontornável da literatura negro-brasileira por esgarçar as experiências estético-formais, investir com ousadia na linguagem sem deixar de evidenciar a marca de um sujeito lírico/narrador negro. Sua transnegressão (citando Ronald Augusto a partir de feliz expressão poética de Arnaldo Xavier) prima muitas vezes pela concisão, fugindo do excesso contemplando o sublime poético pelo apreço à síntese, talvez originária do seu gosto pelo tanka, estilo poético japonês. Como exemplo “Primeira regra de vôo”:

Quando sonhamos
                com o horizonte
a precisão é fundamental. (COLINA, 1984, p. 33)

Para além da produção poética e ficcional, Colina organizou “Axé – antologia contemporânea de poesia negra brasileira”, pela Global Editora em 1982, reunindo alguns dos principais agentes da geração literária negra surgida ao final dos anos 1970. Procurando evidenciar a expressividade nacional da nova poesia negro-brasileira, a publicação agrupa poetas negrxs “fora do grande eixo São Paulo-Rio (como poderão constatar aqui) escritores negros espalhados e ilhados de vários estados deste continente que chamamos Brasil” (COLINA, 1982, p. 8-9). Importante mencionar a relação dos literatxs com o movimento negro rearticulando-se naquele período de abrandamento da ditadura, o que serviu como forma de iniciar esse intercâmbio e propiciar ações coletivas e de alcance nacional (fato destacado por Miriam Alves, Éle Semog e tantos outros), eliminando o isolamento característico de negrxs escritores do passado. E “Axé” acabou sendo eleita a melhor publicação de poesia do ano, prêmio oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA.
Colina também foi um dos fundadores do Quilombhoje, coletivo responsável pela série “Cadernos Negros”. Com Oswaldo de Camargo e Abelardo Rodrigues, formou o que ficou conhecido como “Triunvirato” após a saída do coletivo Quilombhoje por não concordarem com os rumos deste, e lançaram o manifesto “O escritor negro no Brasil, quem é ele?”. Negro ensaísta dos necessários, seguem duas amostras do seu comprometimento literário e identitário. A primeira, o prefácio de Paulo Colina para “O Negro Escrito – apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira”:

“Entendo que a função do escritor é dar testemunho fiel de seu tempo, ser o observador ativo de sua sociedade; é colocar-se, enquanto ser humano (homem/mulher), em confronto com o mundo. Seu instrumento, não menos que a arte.
Por experiência, sei que toda vez que o “negro escrito” aparece em um debate, uma conferência, uma palestra, surgem, de pronto, as perguntas de rotina: “Mas por que literatura negra? Existe? A literatura tem cor?” E sou obrigado a retroceder às análises que tenho feito desde que me confronto com o mundo. Para chegar à conclusão de que à sociedade pátria interessa o “negro mudo”.
Tudo uma questão de voz. Quer ver, leitor? Quando se questiona a existência de uma literatura negra ou afro-brasileira – quero dizer, o “negro escrito”, o escritor negro se expressando perante e enquanto mundo –, existe aí uma tentativa de negação. Negação dos valores que o negro despe em seu que-fazer literário. Bom adiantar não ser tema fundamental ao negro a defesa da ecologia, nem a bolsa de valores ou o privê da moda. Frisar que a sociedade brasileira se diz democraticamente racial. Essa grife. Que não resiste à nudez.”

A segunda encontra-se em “Reflexões pela noite viva”, comunicação apresentada no 40º congresso anual da SBPC, em 1988:

“A literatura é universal, sim. Mas para nós tem cor. Negra. Não no sentido que Gilberto Freyre quis dar a ela em seu prefácio a “Poemas Negros”, de Jorge de Lima; tampouco no sentido contemplatório, na terceira pessoa do singular, como nos entrega Raul Bopp. Quando cantamos “eu”, este “eu” é coletivo. Seguramente, literatura para nós tem cor. E quando a chamamos de negra, mais que uma definição, é uma arma de ponta com a qual combatemos todas as armadilhas que procuram nos caçar o Ser, no sentido lato que este verbo exige, e que no último censo, realizado em 1980, provou que não é conjugado nesta terra de acordo; que democracia racial aqui é falácia, apenas. E, pela poesia, recuperamos nossas verdades, nossas raízes. Quer falando de amor, quer questionando o racismo, fazendo a reversão de valores ou revisando nossa história (e/ou). Recuperando nossa identidade, sempre. (grifos nossos).


A palavra apunhalada de Paulo Colina destaca a necessária autodenominação para essa vertente literária, rasurando o cânone, negando aqueles que foram eleitos como representantes de uma literatura negra brasileira, demonstrando a hipocrisia das nossas relações e a urgência de romper o véu branco que impede a realização e a afirmação da pluralidade racial brasileira. Literatura negro-brasileira necessária para despertar de consciências, para denunciar o racismo sistêmico que estamos submetidos; literatura negro-brasileira para mostrar que algo vai mal, muito mal entre nós, e que isso passa pelas ininterruptas tentativas de branqueamento deste país. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

GRIOTS - III Congresso Internacional de Culturas Africanas (UFRN)

GRIOTS - III Congresso Internacional de Culturas Africanas (UFRN): Literatura, História e Cultura Afro-brasileira e Africana

Segue o link do evento que está com inscrições para comunicações até 30 de abril:

http://griotsufrn2014.blogspot.com.br/p/apresentacao.html

No referido evento ministrarei o minicurso: Que negro é esse nas literaturas africanas de língua portuguesa e na literatura negro-brasileira?