quinta-feira, 30 de junho de 2011

Gabriel Mariano – Vida e Morte de João Cabafume


Gabriel Mariano – Vida e Morte de João Cabafume
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 200, de 30 de junho de 2011, p. 14.

Gabriel Mariano, pseudônimo de José Gabriel Lopes da Silva (18/05/1928 – 18/02/2002) é um nome destacado na história intelectual de Cabo Verde, ora por sua vertente de ensaísta emérito assim constatada nos artigos reunidos em “Cultura Caboverdeana”, ora em homenagens a figuras contestatárias e rebeldes como na poesia dedicada a Mestre Ambrósio e na narrativa a João Cabafume, para além de sua colaboração em publicações como “Claridade” e “Suplemento Cultural” (do jornal “Cabo Verde”, 1958), e participações em variadas antologias de autores africanos.

Por seu caráter de incisiva contestação social, a pequena narrativa de “Vida e Morte de João Cabafume”, que dá título à antologia de contos do autor, componente da coleção Palavra Africana da editora portuguesa Vega, 2001, nos apresenta uma história breve e de vida pungente do personagem-título, personagem-tipo do período colonial, na qual o narrador dialoga conosco chamando a atenção para os descaminhos da vida de João Cabafume (JC): “Moço, entende direito o que te vou contar. João Cabafume não foi um qualquer. Ele não era como um eu, ou como um tu que estendemos as mãos para outro pôr corda. Morreu no meio da baía numa noite de lua cheia. Não, moço, não foi destino. João Cabafume não teve destino. (...) Destino queria matá-lo de fome.”

Logo no primeiro parágrafo o narrador mostra a condição insurrecta do personagem, diferenciando-se de todos, não aceitando o sofrimento imposto que será apresentado ao longo da história. Deparamo-nos com a habilidade narrativa do autor, aumentando a tensão em frases breves e pontuando as injustiças aos menos favorecidos da sociedade, tanto na insensibilidade e na coisificação do ser humano sendo recolhido das ruas – “Pobre chateava as pessoas finas e incomodava os passageiros que desembarcavam. Por isso o senhor Administrador deu ordem para fechar no Albergue toda a criatura que não tinha trabalho. Pobre e cachorro vadio, nenhum podia passear na rua” –, quanto no desprezo da elite local subserviente ao colonizador ao menosprezar seus pares – “Vocês são uns mandriões (...) Porque é que não procuram o que fazer?/ – Dondê trabalho, senhor Administrador?”.

Há a revolta com a ordem estabelecida pela religião do colonizador pregando a renúncia e a resignação na voz da menina Bia, e a rispidez gradativa do diálogo com JC: “– Nhô padre falou que pobre quando morre vai para o céu./ – E rico?/ – Rico... não sei.../ – Rico não vai./ – Rico deve ir.../ – Rico nunca foi./ – Rico bom vai./ – Não tem rico bom, Bia...” Religião esta na qual um padre não acompanha enterro de pobre até o seu fim: “Quando Jacinto morreu seus companheiros mandaram fazer-lhe um caixão. Nhô Padre encomendou o corpo. Mas foi só até ao Cruzeiro porque dinheiro não dava para mais”. Jacinto que morreu por falta de assistência: “Mas hospital não tinha remédios”. Assim como fica latente a desumanidade aos empregados doentes, porque “Sr. Varanda perguntou ao Dr. Cunha ‘se não havia perigo de contágio’. Dr. Cunha disse que ainda não. E Jacinto ficou para fechar o mês”.

JC é insubmisso às agruras da vida, ao destino de seus pares de morrer fraco de fome de tanto trabalhar: “João Cabafume não dava conversa. Ele estava brigando com destino. Destino queria amarrá-lo na sua roda de pobreza. Como tinha amarrado Jacinto e os outros. Vida de trabalho só para comer...” Por isso a insistência do narrador a nos provocar com veemência ao longo do conto: “Entende direito o que estou contando”.

Ao demonstrar as dificuldades do cotidiano do homem durante o colonialismo em uma narrativa mordaz, que “Vida e Morte de João Cabafume” pode ser posto como um dos melhores momentos da prosa cabo-verdiana e de seu autor, Gabriel Mariano.

A NAÇÃO 200 – É com extrema felicidade que parabenizo todo o expediente do A Nação com a chegada desta edição. Aproveito para agradecer a oportunidade de colaborar neste digno espaço do jornalismo cabo-verdiano. Meus sinceros votos de sucesso!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Tânia Tomé lança Agarra-me o sol por trás no Rio de Janeiro

(clique na imagem para ampliá-la)

Em mais uma parceria com a Kitabu - Livraria Negra, a noite de autógrafos de AGARRA-ME O SOL POR TRÁS (e outros escritos & melodias) da jovem moçambicana Tânia Tomé, dia 12 de julho, às 19h, à rua Joaquim Silva, 17 - Lapa, Rio de Janeiro.

Peço ajuda para a divulgação.
Abraços,
Ricardo Riso

sábado, 18 de junho de 2011

Carlota de Barros – uma poesia de afeto


Carlota de Barros – uma poesia de afeto
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 198, p. 25, de 16 de junho de 2011.

Carlota de Barros Fermino Areal Alves nasceu na Ilha do Fogo em 24 de Janeiro de 1942. Durante a infância viveu nas Ilhas do Fogo, Brava, S.Nicolau e S.Vicente. Em 1949 mudou-se, com a família, para Moçambique onde permaneceu até 1957, ano em que partiu para Portugal. Neste país licenciou-se em Filologia Germânica, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Mora em Portugal desde 1974, mas visita constantemente o seu país.

Carlota de Barros é colunista do Jornal Artiletra, tem textos publicados na Revista Pré-Textos e em outras revistas de Letras e Artes. Em 2000, lançou o seu primeiro livro de poesia, “A Ternura da Água”; em 2003 publicou “A Minha Alma Corre em Silêncio”. No ano de 2007, o Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro editou o seu livro de poesia, “Sonho Sonhado”, que é reeditado em 2008, numa edição trilingue (Crioulo, Português e Inglês), a primeira edição trilingue publicada em Cabo Verde.

A poesia de Carlota de Barros é marcada pela intensa lembrança de Cabo Verde, um olhar diaspórico formada por saudade e afeto que mesmo na terra-longe assume as ilhas como parte integrante de sua vivência. Conjunção apresentada desde o seu nascimento e retratada em “Mar e Fogo”, poema de “A Ternura das Águas”: “Nasci junto ao mar/ (...) me uni para sempre/ à água/ ao sol/ à areia// nasci entre o fogo/ e tempestades salgadas// cobri-me de salsugem/ mastiguei o sal/ das ondas sem fronteiras// e me uni/ para sempre/ ao mar e ao fogo.”

Por vezes o retorno às ilhas preenche-se de amargura, impõe-se ao olhar de quem retorna e se depara com a miséria que insiste em marcar presença. Valendo-se da temática consagrada por claridosos e novalagardistas em tempos idos, lembranças de um triste passado dilaceram o presente assim exposto na versificação livre e detonam o olhar melancólico do sujeito lírico no poema “Seca”, publicado em “Sonho Sonhado”: “Não gostaria de ter visto/ os altivos coqueiros de pé/ a morrer sem um gemido/ o esplendor das árvores/ a murchar em silêncio// Não gostaria de ter visto/ mas vi/”.

Entretanto, as reminiscências do sujeito lírico na terra-longe buscam o acalanto nas ilhas, a palavra poética transfigura-se em “eco silencioso da nostalgia”. Poesia de memória afetiva que encontra na liberdade do ar o mar do outrora: “A minha alma corre em silêncio/ pelas rochas do meu arquipélago anilado// é a saudade do mar”.

A ternura do seu olhar revela um lirismo otimista e farto para o país com a chegada da chuva no seu singelo “Recado para as Ilhas”: “chegou a chuva/ o verde/ e o rosa/ os azuis/ os pampilhos/ as harpas/ e os alaúdes// há serenatas/ suspensas/ nos sonhos/ de alguém/ sons de violino/ no ar violeta/ trazem de comer/ e beber/ para todos/ (...) porque as ilhas/ são verdes/ e a chuva/ chegou”.

A poesia de Carlota de Barros surpreende pela ternura que emana, o lirismo afetuoso e exacerbado a cantar as suas ilhas, tão suas que a permanência na terra-longe não reduz o seu sentimento, aliás, só aumenta a sua sensibilidade transfigurada em versos suaves, por vezes melancólicos, mas sempre apresentando um olhar solidário e de amor para o seu país, a sua terra cabo-verdiana. Uma poesia que merece um lugar de destaque dentro do felizmente diversificado panorama literário contemporâneo de Cabo Verde.

“Voltarei sempre/ às minhas rochas/ surgidas do mar// voltarei sempre/ às minhas ilhas/ mesmo que as chuvas de outubro/ se neguem// voltarei sempre/ ao meu lar/ mesmo que o milho verde/ não nasça// voltarei sempre/ ao silêncio branco dos mastros/ ao riso fresco das crianças/ ao abraço quente das gentes// voltarei sempre/ mesmo que julho/ não chova// voltarei sempre.”

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Akiz Neto - A Construção Figurativa do Gesto (resenha)

Akiz Neto - A Construção Figurativa do Gesto (resenha de livro do poeta angolano)
Ricardo Riso, 15 de junho de 2011.

A contemporaneidade destaca-se por exigir da Arte e de seus agentes agilidade constante, desprezando a reflexão responsável pelo intenso labor do artista em busca de uma palavra depurada, exigindo daquele intensa produção para atender ao mercado, pois “a importância da obra de arte é medida, hoje, pela publicidade e notoriedade (quanto maior a plateia, maior a obra de arte” (BAUMAN, p. 130), em claro detrimento de um melhor conseguimento estético seja ele poeta, artista plástico, músico etc. Essa precipitação evidencia-se entre os jovens poetas, ávidos por publicarem suas obras (muitas imaturas), mas ainda assim almejam conquistar espaço nos cadernos culturais (mesmo que breve), pressa que também afeta escritores renomados com os lançamentos anuais (aqui considerando as pressões dos editores que desejam sugar o máximo quando estão diante de um “produto” de ótima aceitação do público), assim como os consumidores inquietos e aptos para adquirir o que for dado a estampa do livro.

O esvaziamento da arte, tratada como um bem de consumo descartável, imposto pela miserável ordem estabelecida nos dias atuais pretende suprimir a essência da palavra poética, entretanto,

a poesia resiste à falsa ordem, que é, a rigor, barbárie e caos (...). Resiste ao contínuo harmonioso pelo descontínuo gritante; resiste ao descontínuo gritante pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no horizonte da utopia. Quer refazendo zonas sagradas que o sistema profana (o mito, o rito, o sonho, a infância, Eros); quer desfazendo o sentido do presente em nome de uma liberação futura, o ser da poesia contradiz o ser dos discursos correntes (BOSI, p. 146).

Seguindo o pensamento de Alfredo Bosi, “a recusa irada do presente com vistas ao futuro, tem criado textos de inquietante força poética” (BOSI, p. 158), caso de “A Construção Figurativa do Gesto (Enciclopédia de Ciúmes) do angolano Akiz Neto. Lançado em 2007, sob a chancela da União dos Escritores Angolanos, com ilustração de capa a cargo de Van, completa esta edição de quarenta e oito poemas divididos em dois cadernos o prefácio da Profª Drª Carmen Lucia Tindó Secco (UFRJ/Brasil).

Akiz Neto nasceu em Luanda no dia 07 de agosto de 1959, seu primeiro livro data de 1988 com o título de “No crivo do meu sonho”, posteriormente vieram “Na Trajectória da Serpente” (1995), “Cócegas e Despertar” (1996), “Horoscópio da Fragmentação” (1997), “Borboletas da Paz – Antologia Poética” (1999) e “No Umbigo da Palavra” (2003).

Akiz Neto começa a publicar em uma época de tristes marcas na história angolana; a década de 1980 é marcada pela longa guerra civil que somente terminaria em 2002. O desencanto domina a temática dos poetas daqueles tempos, segundo Carmen Lucia Tindó Secco:

A poesia dos anos 80, e também a dos anos 90 têm, como traço constante, a temática da decepção e da angústia diante da situação de Angola, que ainda não resolveu completamente a questão da fome e da miséria. As dúvidas em relação ao futuro interceptam as possibilidades entreabertas pelos ideais libertários dos anos 60, e a poesia se interioriza, não se atendo explicitamente às questões sociais. (CHAVES, 2006, p. 94)

A melancolia desses anos passa por todos os anos 1990, com o desespero da longa guerra e caos social que se instala no país, entretanto, como assinala Carmen Lucia Tindó Secco, “observamos que a poesia dessa fase nunca deixou de se oferecer como força geradora de utopia, pois os poetas continuaram a crer no poder transformador da linguagem poética”. (Idem, ibidem, p. 101)

Aliando a transformação da linguagem poética à mudança do país com a estabilidade proporcionada pela paz que se escora a poesia de Akiz Neto no conjunto de poemas de “A Construção Figurativa do Gesto”. Nesse livro o poeta procura explorar novos valores sinestésicos em poemas que a versificação livre auxilia no intuito do poeta. A ampliação dos sentidos polissêmicos ganha contornos imprevisíveis em metáforas inusitadas, o corpo do poema é preenchido por um lirismo erótico e por uma intrigante viagem metapoética. Na ressemantização da palavra poética “as palavras reclamam por que nasceram assim” (NETO, 2007, p. 33), logo busca-se a cicatrização das feridas do recente passado de dor, demonstrando a preocupação e a sintonia do sujeito lírico ao tempo em que vive, sendo necessária a reflexão acerca da contextualização histórica e social da obra aqui analisada, para isso recorremos a Octavio Paz:

Como toda criação humana, o poema é um produto histórico, filho de um tempo e de um lugar; mas também é algo que transcende o histórico e se situa em um tempo anterior a toda história, no princípio do princípio. Antes da história, mas não fora dela. Antes, por ser realidade arquetípica, impossível de datar, começo absoluto, tempo total e auto-suficiente. Dentro da história – e ainda mais: história – porque só vive encarnado, reengendrando-se, repetindo-se no instante de comunhão poética. (...) o poema é histórico de duas maneiras: a primeira, como produto social; a segunda, como criação que transcende o histórico, mas que, para ser efetivamente, necessita encarnar-se de novo na história e repetir-se entre os homens. (PAZ, 1972, p. 53-54)

É na incessante reelaboração da linguagem proposta pelo sujeito lírico motivado pelo momento, que se espera definitivo, de reconstrução do país, que “incorpora fenda laboratorial à curva da palavra/ e as crianças da terra já lêem o figurativo do gesto” (NETO, 2007, p. 28). É a poesia procurando novos caminhos, a metáfora que tenta sensibilizar os jovens pequeninos para a “sensação colegial, a de sorriso gestual de fecundo de pátria” (idem, ibidem, p. 49) que o sujeito lírico, expurgando o passado, afirma: “anunciei ao exército, minha fortaleza/ prà demissão de sangue, ódio, vingança e mortes” (idem, ibidem, p. 13).

A proposição de uma construção poética própria escora-se no momento de integração do país após anos de sonhos dilacerados, a poesia navega na “magia intérprete do som/ (...) se embriagando/ do insepulto e cristalino sentido gestual da palavra” (idem, ibidem, p. 58) e “as abelhas dançam na porta indivisível da pátria” (idem, ibidem, p. 46) fecundando uma nova era para Angola. Ainda assim, a batalha não é fácil diante de um neoliberalismo voraz que cria abismos sociais e mantém grande parte da população na miséria. Compreendemos as várias referências à pátria nos poemas de Akiz Neto como a urgente necessidade do poeta enquanto intelectual em preservar o sentimento nacional e reafirmar a esperança (ainda sagrada), valendo-se da palavra poética como objeto para atingir as mentes de seus pares. A respeito desse comprometimento do intelectual com sua comunidade, Edward Said afirma que:

Em tempos difíceis, o intelectual é muitas vezes considerado pelos membros de sua nacionalidade alguém que representa, fala e testemunha em nome do sofrimento daquela nacionalidade. (...) A essa tarefa extremamente importante de representar o sofrimento coletivo de seu próprio povo, de testemunhar suas lutas, de reafirmar sua perseverança e de reforçar sua memória, deve-se acrescentar uma coisa, que só um intelectual, a meu ver, tem a obrigação de cumprir. Afinal, muitos romancistas, pintores e poetas, como Manzoni, Picasso ou Neruda, encarnam a experiência histórica de seu povo em obras de arte, que, por sua vez, foram reconhecidas como obras-primas. Nesse sentido, penso que a tarefa do intelectual é universalizar de forma explícita os conflitos e as crises, dar maior alcance humano à dor de um determinado povo ou nação, associar essa experiência ao sofrimento de outros. (SAID, p. 52-53)

Para além do sentimento nacional, o sujeito lírico crê na força renovadora do verbo poético, prestando, em sua trincheira de paz fortalecida pela palavra, o contributo para a reconstrução não apenas do país, mas do continente africano: “ininterrupta poesia na confidência hu1000de/ como mãos de áfrica às assembléias/ logarítmicas das palavras construindo gestos” (idem, ibidem, p. 59) de solidariedade e lirismo amoroso, pois “nos teus olhos hu1000des encontro a África/ estendida nos rituais da união” (idem, ibidem, p. 55).

A poesia retorna ao passado de lutas e ganha corpo ao resgatar os ideais pan-africanistas, pertinentes no atual jogo político-econômico dominado por interesses escusos e supranacionais que deterioram as jovens nações e suas economias fragilizadas. Por isso a urgência de união das nações fragilizadas para que não se comentam os erros do passado, conforme assinala por Joseph Ki-Zerbo:

Na África, cada vez que se tentou fazer uma reforma micronacional de um sistema, houve um fracasso. Todas as tentativas micronacionais de libertação da África (...) fracassaram, em grande parte, porque foram solitárias e não solidárias. Penso que se deveria colocar como postulado a fórmula seguinte: a libertação da África será pan-africana, ou não será. (KI-ZERBO: 2006, p. 35-36)

Pan-africanismo que sempre foi combatido pelos países colonizadores e pelas elites vassalas africanas submetidas ao colonialismo, procurando manter a cruel ordem imposta. De acordo com Ki-Zerbo:

A colonização foi muito mais curta do que o tráfico negreiro, mas foi mais determinante. O colonialismo substituiu inteiramente o sistema africano. Fomos alienados, isto é, substituídos por outros, inclusive do nosso passado. Os colonizadores prepararam um assalto à nossa história. O ‘pacto colonial’ queria que os países africanos produzissem apenas produtos em bruto, matérias-primas a enviar para o Norte, para a indústria europeia. A própria África foi aprisionada, dividida, esquartejada, sendo-lhe imposto esse papel: fornecer matérias-primas. Esse pacto colonial dura até hoje. (KI-ZERBO, 2009, p. 25)

O historiador cubano Carlos Moore aprofunda um pouco mais a questão:

(...) a chamada descolonização do continente africano não foi o evento de emancipação total que geralmente costumamos entender. A independência política da África aconteceu num contexto de permanência da fragmentação imposta na Conferência de Berlim, agravada pelas novas fragmentações fomentadas pelas intrigas das metrópoles coloniais; foram estas as que criaram a maioria dos partidos “nacionalistas” e financiaram seus líderes. Desse modo, foram poucos os países africanos a chegar à independência com uma direção política independente e verdadeiramente pan-africanista. (MOORE, 2009, p. 41-42)

Depreendemos que os ideais pan-africanistas jamais foram aceitos pelas elites africanas ou pelos países coloniais que não mediram esforços para exterminar essas “nocivas” lideranças, contrárias à ordem estabelecida. Carlos Moore assinala que entre 1957, data da independência de Gana, e 1987, ano do assassinato do último dirigente pan-africanista, Thomas Sankara:

trinta e cinco dirigentes africanos (...) foram assassinados (...) Esses líderes, insubstituíveis em sua maioria, foram ultimados em sua maioria pelas potências ocidentais ou através de seus lacaios. Ou seja, nas primeiras três décadas de descolonização, o continente africano perdeu seus mais importantes e talentosos líderes; estes foram substituídos por dirigentes politicamente inexpressivos a serviço das grandes potências imperiais do planeta. (MOORE, 2009, p. 48)

Embora as dificuldades de emancipação insistam com a sua lógica desigual, o sujeito lírico de Neto anseia pela libertação, por novos rumos que conduzam à autonomia, e para atingir seu objetivo recorre a símbolos ancestrais e históricos como a kyanda, a Rainha Njinga Mbandi e o tambor para cantar sua independência. Destacaremos o tambor, símbolo de resistência: “Profunda travessia instrumental do gesto/ enquadra a mão profunda da imagem/ sobre o chilreio misterioso do tambor/ Livre África” (NETO, 2007, p. 31). “Busquemos o tambor breve de África” (idem, ibidem, p. 18), pois “a força interior do tambor é um pólo de liberdade” (idem, ibidem, p. 18), afirma o sujeito lírico com “mãos constróem relâmpagos textuais” (idem, ibidem, p. 36) a exorcizar o passado de dor, por isso a analogia do continente africano à “grafia sentimental da mulher” (idem, ibidem, p. 25), erotizando aquele com a palavra poética que “mapeia os gestos sensíveis do corpo de África” (idem, ibidem, p. 24).

Inspirado por metáforas inusitadas na busca por uma sintaxe com ritmo próprio, “as palavras dançam vestem-se de ritmos/ banham-se da energia de meus gestos” (idem, ibidem, p. 60). Em sua construção poética, o sujeito lírico subverte a língua portuguesa inserindo nos poemas palavras e versos em língua nacional: “onde a katwandolo sacrificado boi afaga/ cócecas cilhadas pelo makau/ e a criança inspira o ar/ kynguilas e zumgueiras ventres de cágado” (idem, ibidem, p. 33) ou “águas cicatrizam as areias do limite/ ky.anda.ndo são águas, densas margens/ as do fundo do mar onde poisam gatas de memória// sunga ò kinama kya mbondo ny kwivwe/ Nzambi-a-mukutu wami” (idem, ibidem, p. 55).

As experiências com a hibridização do texto valorizam as tradições, impondo-as no perverso jogo da globalização e seus ideais de uniformização de padrões culturais em detrimento das culturas locais, com isso resgata seres mitológicos como a kianda, reconfigurando-a semanticamente, ou seja, é com esse texto africanizado que Akiz Neto procura desenvolver a sua escritura. Segundo Laura Cavalcante Padilha, “o enfrentamento de culturas e das duas línguas – às vezes até mais – se dá na territorialidade do texto. Percebe-se, então, que o colonizado se apropria da linguagem do outro, ao mesmo tempo em que mostra também ter sido por ela possuído” (PADILHA, 1995, p. 164-165). Manuel Rui no célebre artigo “Eu e o outro invasor” complementa o caráter de reformulação da língua portuguesa pelo escritor angolano: “No texto oral já disse não toco e não o deixo minar pela escrita arma que eu conquistei ao outro. Não posso matar o meu texto com a arma do outro. Vou é minar a arma do outro com todos os elementos possíveis do meu texto. Invento outro texto”. Edward Said complementa que: “o intelectual é obrigado a usar uma língua nacional não apenas por razões óbvias de conveniência e familiaridade, mas também porque ele espera imprimir-lhe um som particular, uma entonação especial e, finalmente, uma perspectiva que é própria dele” (SAID, 2005, p. 39).

Passando das experiências no campo semântico às estético-formais, encontramos alguns ruídos que nos parecem dispensáveis no conjunto de poemas propostos, mais precisamente no segundo caderno, “Magia Intérprete do Som”, em “? O verso ou o reverso da rima” e “O Livro”. Neste, o poeta radicaliza a reformulação da linguagem e deparamo-nos com a suspensão do discurso:

11.9.21.17.14 11.9.4.14 5 20.12.1 11.20.23
9.12.5.17.18.1
13.1 3.14.13.18.19.17.20.3.1.14
6.9.7.20.17.1.19.9.21.1 4.1 1.11.12.1 (NETO, 2007, p. 52)

Decodificando os numerais deste poema, temos: “Livro lido é uma luz/ imersa/ na construção/ figurativa da alma”. Não seria melhor assim? Enquanto naquele, torna-se desnecessária a leitura da direita para a esquerda, seja leitura árabe ou não, assim como as manchas gráficas em negrito que mexem de maneira indesejável com atenção do leitor. São experiências que se aliam a outros poucos poemas com metáforas que se perdem no vazio, assim como a insistência no uso de numerais impregnando as palavras (“100pre”, “instr1mental”, “3passa”, para quê? A respeito disso, algures afirmamos e reafirmamos para ver ou rever o “poema alfanumérico” de Conceição Cristóvão, integrante do livro “solsalseiosexo”. Nesse poema ao menos a ludicidade se impõe.) que precisam de melhor conseguimento estético e talvez por isso a pertinente observação no prefácio da Drª Carmen Lucia Tindó Secco ao afirmar que “há ainda muito que laborar” (idem, ibidem, p. 10).

Entretanto, tais conflitos poéticos são menores diante da “construção sigmática da escrita” (p. 49) proposta com valiosa ousadia por Akiz Neto, um poeta que possui a coragem para laborar um inflamado gestual em busca de uma semântica própria, de uma sintaxe criativa, de reconfigurar os sentidos perdidos da palavra. Isso é algo que devemos admirar e encontramos em parte dos poemas de “A Construção Figurativa do Gesto”.


BIBLIOGRAFIA:
BAUMAN, Zigmuth. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1977.

CRISTÓVÃO, Conceição. solsalseiosexo – in(pre)cisões. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006.

JUDT, Tony. O mal ronda a Terra – um tratado sobre as insatisfações do presente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

KI-ZERBO, Joseph. Para quando África? – Entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.

MONTEIRO, Manuel Rui. Eu e o outro – o invasor ou em poucas três linhas uma maneira de pensar o texto. In: MEDINA, Cremilda de Araújo. Sonha mamana África. São Paulo: Epopéia, 1987. p. 308-310.

MOORE, Carlos. Da África mítica à África real: para uma cooperação realista entre a África e a diáspora. In: A África que incomoda – sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2009. p. 11-65.

PADILHA, Laura Cavalcante. Entre voz e letra: o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX. Niterói: EDUFF, 1995.

PAZ, Octavio. A Consagração do Instante. In: Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, Coleção Debates, 1972.

SAID, Edward. Representações do intelectual – as Conferências de Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

SECCO, Carmen Lucia Tindó. Sendas de sonho e beleza (algumas reflexões sobre a poesia angolana hoje). In: CHAVES, Rita e MACEDO, Tania (Orgs.). Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa. São Paulo: Alameda, 2006.




















quinta-feira, 9 de junho de 2011

II Xirê das Letras - 21 a 24/09/2011 - Xique-Xique (Bahia)


II XIRÊ DAS LETRAS 
Congresso Internacional de Línguas, Literaturas e Culturas Africanas e Afro-Americanas
21 a 24 de setembro de 2011
Universidade do Estado da Bahia
Xique-Xique - Bahia - Brasil

No Congresso, participo da Subcomissão de Comunicações e ministrarei o minicurso "Novas Tendências da Literatura Cabo-Verdiana".
Até lá!
Ricardo Riso

Tchalê Figueira - Contos da Basileia, lançamento Mindelo

quarta-feira, 8 de junho de 2011

António Pompílio – Fronteira: a passagem do limite (resenha)


António Pompílio – Fronteira: a passagem do limite

Ricardo Riso, 08 de junho de 2011.

Os primeiros anos do século XXI apresentam-se como uma época de aparente letargia frente ao vitorioso modelo neoliberal que tenta de todas as formas mascarar as suas falhas gravíssimas, ora por meio da manipulação dos canais de informação, ora por ininterruptas propagandas de busca por bem-estar e sucesso a que todos (supostamente) têm direito, procurando encobrir a exclusão social imposta à maioria da população mundial. Com o descaminho da esquerda política e a dificuldade da sociedade em se organizar nos países regidos pelo capitalismo, a sensação de inércia se evidencia por não mais se questionar o jogo ao qual somos submetidos, por isso é pertinente as considerações do filósofo contemporâneo Tony Judt com o intuito de desestruturar a impotência reinante:

Há algo de profundamente errado na maneira como vivemos hoje. Ao longo de trinta anos a busca por bens materiais visando o interesse pessoal foi considerada uma virtude. (...) Sabemos o preço das coisas, mas não temos ideia de seu valor. Não fazemos mais perguntas sobre uma decisão judicial ou um ato legislativo: é bom? É justo? É adequado? É correto? Ajudará a melhorar o mundo ou a sociedade? Essas costumavam ser as questões políticas, mesmo que suas respostas não fossem fáceis. Devemos mais uma vez aprender a fazê-las. (JUDT, 2011, p. 15-16)

Diante do desarranjo de nosso tempo torna-se necessário reaprender a questionar, e a literatura está a nossa disposição para suprir os anseios e medos que nos afligem. Com sua vocação para ampliar o mundo de cada um de nós, a literatura se apresenta como o esteio para nos fazer crescer e aqui cabe recordar o amor à literatura assim descrito por Tzvetan Todorov:

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. (...) em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. (...) Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. (...) a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. (...) ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano. (TODOROV, 2010, p. 23-24)

Essa longa introdução aponta para algumas questões que nos parecem interessantes e pretendemos expor nosso entendimento acerca da obra poética “Fronteira: a passagem do limite” (Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2008), do angolano António Pompílio, nascido no Lobito, em 05/07/1964. O livro ainda tem interessante prefácio de Katia Rodrigues. O autor é designer gráfico e jornalista bacharel do curso de língua e literatura portuguesa na Faculdade de Letras e Ciências Sociais em Luanda. Publicou em poesia “O sal dos olhos do mar” (menção honrosa, Prêmio Sonangol de Literatura – 1994) e “Simetrias”, para além de títulos em prosa e para o público infantil.

Encontramos neste livro a árdua tentativa de um sujeito poético atrás de uma palavra depurada para estremecer os sentidos anestesiados dos homens, a incessante busca para retomar os valores dispersos pela insensibilidade da contemporaneidade:

Finalmente, eis-nos chegados ao limite: o novo e único caminho que havíamos negado. Atravessá-lo-emos com palavras puras de rosa, com o mesmo salgado da água onde remamos as orações do regresso. (POMPÍLIO, 2008, p. 15)

Atingido o limite, por meio das “palavras puras de rosa” o sujeito lírico ressemantiza os sentidos para ultrapassar a fronteira dos signos esterilizados. Entretanto, a travessia é feita de amargura, pois para resgatar a sensibilidade perdida, precisamos da condução do verbo poético. Para isso, o sujeito lírico convida-nos: “Mostrar-te-ei a cidade dos meus olhos: os cortes súbitos nocturnos e diurnos da luz. Poderás ver, na íris, os musseques húmidos da minha penumbra: os becos escondidos da alegria” (p. 17). É esse olhar perscrutador que nos levará aos “becos escondidos da memória” para, a partir dali, partirmos a uma nova etapa e tomarmos consciência da nossa imobilidade: “Aí poderás, então, chorar todas as sombras do dia: a inauguração da cegueira” (p. 17).

A angústia apodera-se do sujeito lírico, somente a poesia poderá recompor o que o homem perdeu após tantos caminhos equivocados, decisões injustas refletidas no uso incorreto do verbo. Cabe ao sujeito lírico, recorrendo à metapoética, reestruturar o poder estabilizador do verbo: “Apunhalaram a palavra. Feridas crónicas no reverso do verso. O sangue tem a cor da minha voz, no avesso do silêncio. Permite-me abrir a passagem do limite.// Repara. A palavra é uma fronteira. É uma meta fora. A poesia é a água sem a metáfora da mágoa” (p. 46).

Como “no campo das palavras, houve queimadas” (p. 49) e “as palavras não têm passagem para a fronteira do outro lado do mesmo lado” (p. 37), o sujeito lírico pede licença para abrir para nós a passagem do limite da palavra e nos guiará por uma nova trajetória, reconfigurando os sentidos dilacerados da palavra, seus sentidos primordiais, deixando para trás o “abecedário do nada” (p. 26) da atualidade, e assim restabelecendo as “sílabas do silêncio” (p. 21), pois “aqui estamos nós, lutando com a ineficácia dos mundos, onde visivelmente a morte adora morrer: na fronteira. Depois, verás e verás as palavras interagirem na metáfora” (p. 18).

Reconstituir os sentidos da palavra remete à necessária reconstrução do ser para atingir a fronteira e ultrapassar o limite: “Bem-vindo à porta da fronteira/ À entrada da luz do silêncio:/ A metamorfose da cegueira/ O primeiro estágio de tudo/nada./ Seja alegre ao ver (-me) em decomposição” (p. 19). É nessa fronteira que o ser precisa se recompor, renovar o seu olhar, rever os seus conceitos. Diz o sujeito lírico: “A minha fronteira interage com o infinito” (p. 18). E é na expansão ilimitada da fronteira que por consequência acompanha a amplidão semântica da palavra poética, do poeta, da poesia e a do leitor. Afinal, “É preciso desvirginar/ A beleza das coisas/ Para se tornarem maravilhosas” (p. 25) e somente uma poesia que procura navegar na turbulência experimental dos valores semânticos tenderá a atingir o seu objetivo de desestabilizar as (in)certezas do cotidiano, das palavras desgastadas que não atentam para a inércia dos homens. Por isso o poeta semeia e colhe, “Nego as palavras, não a lavra da palavra” (p. 16) por que crê na possibilidade da poesia em transformar os homens.

António Pompílio apresenta uma poesia de interiorização do ser, parecendo resgatar nessa “viagem ao cosmo do eu” (p. 43) os elementos primordiais da natureza (água, ar, fogo e terra) presentes em seus poemas. Viagem para ultrapassar a fronteira, passagem através da poesia e o seu poder de vencer Cronos, “não saí do círculo, apenas transcendi na metafísica do Tempo” (p. 43). Por isso, também, as referências ao universo onírico, livre e ilimitado por si.

Gratificante é percebermos o amadurecimento de um poeta buscando uma estética elevada, percebível no intenso labor demonstrado na segurança dos poemas em prosa – os melhores momentos do livro com a boa medida de prosaísmo que compensam alguns excessos (ou falta deles) presentes na versificação livre. Ressaltamos o esforço de construção de um estilo próprio, de um exaustivo trabalho de depuração da linguagem tecendo os limites da metapoética, das indagações de um sujeito lírico sensível aos problemas de seu tempo e de seus pares, tanto no campo político-econômico quanto no plano ontológico apresentados por António Pompílio neste “Fronteira: a passagem do limite”. Um poeta em pleno amadurecimento poético e recomendamos a leitura do livro aqui exposto. Finalizamos com o poema “Alegria”:

Alegre está o homem que lhe tiraram a alegria do sonho e sonha outros sonhos de ser, porque já não é. E, em toda a paisagem que vê, o sol cumpre a metafísica, iluminando as ruas pobres dos olhos. A alegria é o contentamento da lágrima. E a vida enamora sempre os sentidos do abstracto. Nada há de exacto. Aqui mesmo, sobre a lagoa do riso do bairro Operário, é a bebedeira que comanda o esquecimento. E a vida é bonita, se sonhada com o propósito de viver, vivendo, sem pensar em morrer (p. 50).


BIBLIOGRAFIA:
JUDT, Tony. O mal ronda a Terra – um tratado sobre as insatisfações do presente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

POMPÍLIO, António. Fronteira: a passagem do limite. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2008.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel, 2010.


terça-feira, 7 de junho de 2011

FELA: esta vida puta!, de Carlos Moore (lançamento RJ)


Rio de Janeiro
de 09 a 11 de junho
de quinta-feira a sábado

Fela: Esta Vida Puta,
de Carlos Moore
Prefácio de Gilberto Gil

dia 09, quinta-feira, às 19h 30min - lançamento
Livraria do Museu da República
Rua do Catete, 153 - Catete - 21-2558-6350
metrô Catete / Estacionamento no local

dia 10, sexta-feira, às 16h - tarde de autógrafos
Livraria da Travessa - Centro
Travessa do Ouvidor, 17 - Centro - 21-3231-8015

dia 10, sexta-feira, às 19h - noite de autógrafos
Kitabu Livraria Negra
Rua Joaquim Silva, 21 - Lapa, Centro - 21-2252-0533

dia 11, sábado, 23h 30min - Festa Makula de lançamento
Teatro Rival com Abayomy Afrobeat Orquestra
Rua Álvaro Alvim, 33 - Cinelândia - Centro - 21-2240-4469

LANÇAMENTOS NACIONAIS
Rio de Janeiro - 09 a 11/06
Belo Horizonte - 14/06
São Paulo - 25/06
Porto Alegre - 29/06
João Pessoa - 01/06
Recife - 02/06
Salvador - 03/06

Para saber sobre o lançamento em sua Cidade, entre em contato: atendimento@nandyalalivros.com.br

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Esteira Cheia ou o Abismo das Coisas, de António de Névada (Cabo Verde) na Kitabu (RJ)

Mais um livro de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa que consigo para venda na Kitabu - Livraria Negra (Rio de Janeiro/Brasil): ESTEIRA CHEIA OU O ABISMO DAS COISAS, do poeta cabo-verdiano António de Névada.
Ricardo Riso

(clique na imagem para ampliá-la)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Maria Helena Sato – Cristais (resenha)



Maria Helena de Morais Sato – "Cristais"
Por Ricardo Riso
Com estima e consideração, à autora.

Maria Helena de Morais Sato vive em São Paulo – Brasil, formada em Letras e pós-graduada em Literatura, Comunicação Social, Comunicação Internacional e Recursos Humanos, possui MBA em Administração. É tradutora juramentada (espanhol, francês e inglês).

Sato tem nove livros de poesia publicados, destacamos, dentre outros: “Bonsais e Haicais” (2000), “Farol” (2002), “Presente do Mar” (2003) e “Caminho Orvalhado” (2004), e em prosa/poesia “O poeta além-vale” (apresentação de antologia de António Januário Leite), em parceria com Luís Romano (2005).

Em 2005 lança “Cristais” pela editora paulista Komedi, prefaciado por D. Geraldo Gonzáles y Lima e ilustrado por Celso Massatoshi Sato. “Cristais” reúne 99 poemas que convidam à reflexão diante das intempéries do cotidiano imposto pela contemporaneidade. Talvez por isso a concisão dos poemas, os versos sejam curtos, ainda assim o sujeito lírico apresenta-se eloquente, preciso, propondo o reencontro do “ser com o Ser”.

As agruras de uma sociedade hipercompetiviva em correria frenética para acompanhar as imposições de um mundo globalizado possui a insensibilidade – “Ouvidos cansados/ e visão embrutecida” – entre os homens como consequência. Os sentidos esgarçados precisam ser restaurados e a analogia aos cristais lembra-nos que “Duros ou/ estilhaçando,/ esperamos lapidação...”.

O desejo de reencontrar o caminho expõe-se na busca pela recriação da palavra primordial, a que permite a harmonia entre seus pares, e suplica: “Mesmo assim/ viramos/ demiurgos,/ fórmulas/ para te/ alcançar!/ Só não inventamos/ ainda,/ neste templo,/ a palavra única,/ elo de/ corações/ sem/ lar”.

A desorientação é a ordem do dia diante de vidas transfiguradas, de trajetórias fragmentadas pelo caos, o sujeito lírico necessita de ajuda para resgatar a sensibilidade perdida e questiona se precisa de um peregrino (de terras distantes) “para me repetir/ a primeira lição?” Nesse sentido, tal como retirante, deve-se apreender uma nova sensibilidade que parte da observação simples da natureza: “Fim de retiro./ Um arco-íris/ no cenário,/ no olhar./ As mesmas nuvens,/ mas há um arco-íris no céu!/ (...) Na alma do retirante,/ cores ligam/ Terra e Céu!”

Sendo assim, não causa estranhamento que o sujeito lírico de Maria Helena Sato se aproxime da poesia zen, pois para compreender a desfiguração da vida segundo Octavio Paz no artigo “A poesia de Matsuo Bashô”, recorre-se à “doutrina sem palavras (...) através da experiência do sem-sentido, descobrir um novo sentido”. Logo, versa o sujeito lírico: “O nada ilumina/ o que palavras/ obscurecem./ Sou/ minha própria/ nudez”. Por outro lado, ainda em sintonia com o Oriente, Sato subverte a temática do hai kai ao referir-se à religiosidade cristã: “Quase hora de missa,/ já pelo caminho, a pé/ cem ave-marias!”

A entrega incondicional ao ser amado ganha atenção especial em diversos poemas de Sato. Em “Amor Líquido – sobre a fragilidade dos relacionamentos humanos”, o sociólogo Zigmuth Bauman observa a dificuldade dos casais em manter suas relações, pois se considera que uma relação fechada obstrui relacionamentos futuros mesmo sem a certeza de concretizá-los, ou seja, segundo Bauman, “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”. Por isso, reconforta a posição do poema “Recriação”, rara e contrária à maneira dispersa que os relacionamentos amorosos se dão entre nós: “À tua Luz me/ rendo/ e em qualquer espaço/ me desvendo,/ se for em teu/ universo!”.

Como “cristais em lapidação/ constante”, nós, “sísifos da vida”, encontramos na leitura de “Cristais”, de Maria Helena de Morais Sato, sapiência e conforto para contermos as individualidades, o “nosso impulso/ de/ ter” e encararmos as atrocidades da vida como o herói menino que, após ter tido sua cesta de mantimentos roubada, “sorria/ por ter carregado tanto/ e não ter pesado/ nada!”

Trata-se de poesia diaspórica cabo-verdiana de excelente qualidade. E o melhor: publicada no Brasil. Portanto, recomendo a leitura deste “Cristais”, de Maria Helena Sato.

Maria Celestina Fernandes – A Árvore dos Gingongos (livro infantil angolano)


Maria Celestina Fernandes – A Árvore dos Gingongos (livro infantil angolano)
Por Ricardo Riso
Agradecimento especial à autora.

É com inenarrável satisfação que se celebra a publicação de A Árvore dos Gingongos, de Maria Celestina Fernandes, ilustrações de Jô Silveira, sob a chancela da Difusão Cultural do Livro para os pequeninos leitores brasileiros. Em caprichada edição, apresentação a cargo da Profa. Edna Bueno e um glossário muito bem elaborado elucidando os significados das palavras em quimbundo, etnia da autora, que aprendemos os sentidos de vocábulos estranhos para nós. Por outro lado, descobrimos a origem de outras tão próximas, caso de canjica.

Maria Celestina Fernandes nasceu no Lubango, Angola, em 1945, é uma renomada autora de livros infantis em Angola, tendo lançado mais de uma dezena de títulos para esse segmento com destaque para “As Amigas em Kalandula”, vencedor do Prêmio Literário Jardim do Livro Infantil em sua edição de 2010. Além disso, consta em seu currículo várias publicações para os adultos que passam pela poesia, romance e crônica, além de participação em coletâneas no seu país e no estrangeiro. Celestina Fernandes também é membro da União dos Escritores Angolanos e recebeu o prêmio de Mérito do Ministério da Cultura de 2009.

O enredo do livro é sobre os gingongos, os gêmeos aludidos no título. Considerados seres especiais, tanto para o bem quanto para o mal, que não devem ser contrariados. Além disso, de acordo com a mitologia dos quimbundos foram os primeiros habitantes de Angola. A história se passa em uma numerosa família que moram em uma casa simples de um musseque (favela), consagrado espaço de resistência dos angolanos no período colonial, sendo os gingongos os caçulês (caçulas), assim como acontecimentos do cotidiano familiar são apresentados ao longo do texto.

Aqui começamos a perceber a habilidade de contar histórias de Celestina Fernandes ao se valer do hibridismo na narrativa que se inspira na tradição oral, recriando-a e concretizando a sua própria escritura infantil. Esse procedimento remete ao que Walter Benjamin desenvolve em “O narrador”, no qual o intelectual afirma que “contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo”. Os gingongos são recebidos com grande festa, pois se “são mal recebidos, ficam zangados, podem adoecer a ponto de morrer! Assim falam os mais velhos...” (p. 9). Em seguida recebem o tratamento de uma velha curandeira para espantar os maus espíritos e a descrição desse ritual, e que depois será complementado pelo batismo na igreja católica. Aqui temos a presença do sincretismo religioso. Nesta cerimônia, recebem os nomes de Manuel e Manuela, entretanto, todos os chamam de Adão e Eva. Novamente, entrecruzam-se as origens africanas e as impostas nos tempos do colonialismo português, mesclam-se o mito quimbundu dos gêmeos como os habitantes primeiros de Angola e o mito bíblico, que aponta Adão e Eva como os seres originais.

Hibridismo que também encontramos no uso da língua portuguesa, do enfrentamento do passado e imposição do idioma do colonizador. Porém o grande conflito se deu no texto escrito em língua portuguesa que passou a ser contaminado com a oralidade própria das etnias angolanas, o que remete ao célebre artigo de Manuel Rui, “Eu e o outro invasor”: “No texto oral já disse não toco e não o deixo minar pela escrita arma que eu conquistei ao outro. Não posso matar o meu texto com a arma do outro. Vou é minar a arma do outro com todos os elementos possíveis do meu texto. Invento outro texto”. É o que apreendemos na narrativa de Celestina Fernandes enriquecida com os diversos vocábulos em quimbundu no seu decorrer, como no primeiro parágrafo da história: “Nga (senhora) Maria era uma senhora muito conhecida lá no musseque (favela). O marido dela, o senhor Policarpo, homem catita (elegante) em tempos idos, era ainda grande dançarino de rebita (dança tradicional), apesar da idade já um pouco avançada” (p. 7).

Outro ponto de resistência da cultura tradicional quimbundu acontece na passagem da Vovó Chica, mantendo acesa a sabedoria ancestral e a crença de que os gingongos são seres especiais, podendo ser perigosos, por isso a referência aos muloji (feiticeiros), repassando-as às crianças em forma de reprimenda por implicarem com os gingongos: “Xé, cuidado ehn! Faz favor não trazer desgraça aqui, deixem lá as crianças. Vocês não sabem que zanga dos gingongos traz azar? Essa gente são muloji, deixem-nos em paz” (p. 15).

Exatamente por considerarem-nos seres especiais, os gingongos são criados cheios de mimos e em razão desses mimos que se dá a grande maka (confusão, discussão) da história. Havia uma enorme mangueira no terreno da casa e um dia os gêmeos decidem pedir aos pais a árvore só para eles, juntamente com seus saborosos frutos. Os pais, crentes nos poderes sobrenaturais dos gingongos, acatam o desejo. Porém, com a chegada das frutas as outras crianças começam a pegá-las, os gêmeos se sentem contrariados e adoecem com gravidade. Como os seus desejos são sempre atendidos, prevalece o comportamento egoísta dos gingongos e todas as outras crianças afastam-se da árvore. Contudo, é óbvio que tal decisão não dura muito tempo e todos passam a conviver em harmonia.

Apesar de a narrativa estimular a importante reflexão do egoísmo aos pequenos leitores, A Árvore dos Gingongos fascina por apresentar diversas manifestações tradicionais da cultural da etnia quimbundu, suas crenças e mitos, a vivência no musseque e o cotidiano de uma família simples. Uma história que encanta por mostrar às crianças brasileiras um pedacinho de Angola, do caráter híbrido da formação identitária angolana com leveza e delicadeza. Encantamento facilitado pelas excelentes ilustrações de Jô Oliveira e um formidável trabalho de diagramação que harmoniza texto e imagens. Um livro essencial de Maria Celestina Fernandes, merecedor de congratulações à Difusão Cultural do Livro ao proporcionar este lançamento e incentivar a aproximação Brasil-Angola. Aliás, um exemplo que deveria ser seguido por outras editoras brasileiras que ainda ignoram as literaturas africanas de língua portuguesa. Para finalizar, A Árvore dos Gingongos, que recebeu “Menção Altamente Recomendável” pela Fundação Brasileira do Livro Para Crianças e Jovens, precisa ser considerado como uma ferramenta fundamental para os professores da Educação Básica que pretendem implantar as matrizes africanas em suas disciplinas, de acordo com as leis 10.639/2003 e 11.645/2008.



A Árvore dos Gingongos
de Maria Celestina Fernandes
Ilustrações de Jô Oliveira
São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 2009.